segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O Marco Fontanário do largo da “rua Direita” ou “das Lajes”



Há cerca de sete décadas atrás, o largo da rua Direita, era um dos locais que proporcionava uma encantadora vista de natureza bucólica da vila de Valpaços. Com esse local, certamente bem vivo na memória de muitos valpacenses, está relacionada a curiosa história do marco fontanário que actualmente se encontra no bairro de S. Pedro desta cidade, e é um dos monumentos que tem sido, estranhamente, ignorado pelos inventariadores do património edificado de Valpaços. Enjeitado, talvez, por quem o viu partir do seu local original para outro bairro da cidade em expansão, o “bairro das lajes”, e mal amado, provavelmente, por quem o adoptou na sua nova morada, a verdade é que raramente figura como uma referência do património arquitectónico da cidade. Este monumento tem, como dissemos, uma história curiosa.


clique sobre a imagem para ampliar

Como numerosos valpacenses se devem recordar, trata-se de um monumento de construção relativamente recente que, pelos meados da década de 30 do século passado, se ergueu no “largo da Rua direita” (actual Rua Marechal Carmona), largo esse que já não existe.
Quando a “Fonte Grande”, também conhecida por “Fonte Velha” foi demolida (ver neste blogue o artigo “Fonte Grande” em “Re(en)cantos da Memória”), pela mesma época em que se demoliu também a Capela de S. Sebastião, abriu-se no local um largo onde, em 1935, se edificou o referido marco fontanário e se instalou também uma bomba hidráulica (volante) para reaproveitamento do precioso recurso hídrico ainda existente. Arejada esta parte extrema da cidade com a eliminação da incomodativa calheia que ao longo dos tempos a vinha conspurcando, foi-se estabelecendo nela um agradável ambiente para se estar e admirar o amplo panorama que se estendia para nascente, numa altura em que ainda predominavam aí as hortas e os lameiros, em lugar da paisagem urbana que resultou do desenfreado surto de construções iniciado desde cerca de quatro décadas depois. É essa paisagem, certamente ainda arreigada na memória de muita gente, que procurei recriar aqui, baseando-me apenas em informações orais de pessoas que aqui nasceram e foram criadas.


O marco fontanário do largo da rua Direita nos meados do século passado
Desenho e guache de Leonel Salvado

Uma das raras referências monográficas que se reportam ao monumento e ao local onde ele primitivamente esteve, foi-nos legada por Joaquim de Castro Lopo, na sua obra “O concelho de Valpaços”, e é uma descrição coeva, com algumas observações críticas quanto às inscrições que nela se liam, mais do que hoje. Dizia assim Joaquim de Castro Lopo, num dos seus manuscritos, seguramente produzidos em qualquer ano da segunda metade da década de 30 do século passado:
«Há agora um marco fontanário construído recentemente no largo da rua Direita, próximo da fonte Velha
O insigne epigrafista autodidacta valpacense, já por nós biografado (ver Joaquim de Castro Lopo na categoria Biografias [local/regional]), sugeriu, a propósito das inscrições que no seu tempo se podiam podem ler no monumento, a existência de um eventual anacronismo cometido pelo lapicida que as gravou e que são as seguintes:

1935
C M V
CONSTRUÍDO DURANTE
A
DITADURA NACIONAL

Observou Joaquim de Castro Lopo, e muito bem, que a data em epígrafe não condiz com a restante inscrição, o que pode ter sido devido a simples desacautelamento do lapicida ou à sua ignorância sobre a data exacta em que o monumento foi construído. Admitindo, como é mais fácil admitir-se, que a referida data esteja correcta, resta-nos supor que houve uma incauta falta de rigor de enquadramento cronológico do período histórico a que se refere nas 3ª, 4ª e última linhas, posto que, como exemplarmente notou Castro Lopo, a Ditadura Nacional em referência foi a ditadura militar, «iniciada a 28 de Maio de 1926 [e que], acabou quando foi promulgada a constituição, isto é a 22 de Fevereiro de 1933». Cumpre-nos hoje acautelar pela reiteração desta interpretação do termo, para que não se confunda com a que, instintivamente, nos habituámos a associar ao Estado Novo, isto é à “ditadura Salazarista”, período durante o qual foram estas três incovenientes linhas apagadas, não existindo hoje sinal delas no letreiro do munumento.

Em todo o caso, parece que não restam dúvidas que o largo da rua Direita foi a primeira morada do monumento a que aqui nos reportamos, desde a data da sua construção. Porém, é do conhecimento de muita gente que apenas duas décadas depois, ele foi desmantelado e reedificado no local onde se encontra hoje, isto é, em pleno coração do “bairro das Lajes”, agora designado por Bairro de S. Pedro. Esta trasladação, ocorrida durante o mandato do Eng.º Luís Castro Saraiva, parece ter sido contemporânea da construção da nova cadeia municipal que teve lugar próximo desse local e foi, muito provavelmente motivada, pelo intenção de corresponder à invulgar fixação de moradores nessa parte da cidade, onde se vinha registando um significativo fomento de construções urbanísticas, favorecido aliás pelas próprias autoridades municipais, factores estes que bastaram para transformar bairro das Lages no mais populoso da vila nessa época, em que, em abono da verdade sustentada por testemunhos orais, se pode dizer que foi um “formigueiro de trabalhadores e operários” ocupados nos vários sectores de actividade.

Nota: Pela primeira vez nesta categoria temática “Re(en)cantos da memória [local/regional] a reconstituição que me propus elaborar (“O fontanário do largo da rua Direta nos meados do século Passado”), baseou-se exclusivamente em testemunhos orais, pelo que, como todas as reconstituições concebidas unicamente a partir deste tipo de fontes, não visa transmitir uma imagem absolutamente rigorosa do objecto de reconstituição, cabendo ao leitor interpretá-la com o mesmo sentido de relatividade com que ela foi criada.

Agradecimento: Agradeço ao Sr. José Lourenço Montanha de Andrade pelas informações que prestou e com base nas quais elaborei a reconstituição ilustrada aqui publicada

1 comentário:

  1. Dizem os mais velhos, que esta água não era boa para consumo. Apenas era utilizada para dar de beber aos animais. Terá sido também esta, uma das razões para a deslocalização do referido fontanário? Será que a demolição da "Fonte Grande" ou "Fonte Velha" também não esteve relacionada com a qualidade da água? Não encontrei nenhum autor que fizesse referência a esta questão, no entanto ficará sempre a dúvida.

    ResponderEliminar