domingo, 22 de janeiro de 2012

Carta Arqueológica do Concelho de Valpaços – 5. A

ADÉRITO MEDEIROS FREITAS, Julho de 2001

Esta laboriosa iniciativa de transcrição e reprodução de fotos e esquemas do extraordinário trabalho realizado pelo Dr. Adérito Medeiros Freitas, assim divulgado através da Internet, é dirigida, em homenagem a este autor, a todos os valpacenses, transmontanos e portugueses interessados nesta temática, mas em especial aos valpacenses que se encontram deslocados há longa data da sua freguesia natal, bem como aos seus descendentes.

FREGUESIA DE BOUÇOAIS - A

TRANSCRIÇÃO E REPRODUÇÃO INTEGRAL AUTORIZADA PELO AUTOR
(para uma melhor visualização das imagens, clique sobre elas)


“Povoação e freguesia do concelho e comarca de Valpaços, distrito e diocese de Vila real, com 1266 h em 309 fogos (1960), 1031 h em 240 fogos (1970).
Orago: N. S.ª. da Ribeira
Situa-se no extremo E do concelho, a cerca de 26 KM da sede, no limite com Mirandela. Pertenceu ao extinto concelho de Monforte de Rio Livre até 1853 e era abadia do Padroado Real”.

F. RIBEIRO, Encliclop. Verbo,
Vol. 3, pág. 1703 e Vol. 19, pág. 546.


Compõem esta freguesia, as povoações de Bouçoais (sede), Bouças, Real Covo, Lampaça, Tortomil e Vilartão.
Como paróquia autónoma é das mais antigas da região, remontando a sua instituição canónica aos princípios da segunda dinastia. Os seus párocos apresentavam os curas da paróquia da Aguieira.


“Nas suas cercanias encontram-se vestígios de monumentos que acusam a passagem e a permanência dos Romanos. Há vários Castros, sendo o principal o que fica junto da Igreja matriz de Nossa Senhora da Ribeira, ao qual o povo dá o nome de Muralha do Cabeço. Dentro das muitas arruinadas muralhas, ainda se vêem as silhuetas de edifícios circulares; logo junto da entrada, do lado oriental, um bloco de granito, em cuja face superior ligeiramente inclinada para poente, se notam características arqueológicas indicativas, segundo opiniões autorizadas, de que tal pedra foi, talvez, uma ara ou altar de sacrifícios consagrados ao culto de qualquer divindade pagã.
No Castro de Nossa Senhora da Ribeira, que se eleva a pouca distância, na direcção de nascente, na estrada de Chaves a Bragança, têm-se encontrado muitas telhas de rebordo, moedas romanas, cerâmica, fíbulas, etc.
Também no sítio do Cabeço, uns 500 metros a Noroeste de Bouçoais, ainda se podem obervar uns restos dum castelo medieval, certamente anterior à fundação da monarquia”.

A. VELOSO MARTINS – Monografia de Valpaços, págs. 173/74, 2.ª edição, Porto, 1990.

Nota: A povoação a que se refere o Dr. Martins e nas proximidades da qual se encontra o Castro de Nª. Srª. Da Ribeira chama-se Lampaça. Quanto ao “castelo medieval”, no sítio do cabeço, “500 metro a noroeste de Bouçoais”, creio tratar-se de um “Castro”, como veremos a seguir.

1. Castro de Bouçoais

 Planta Esquemática do Castro de Bouçoais

A partir da observação “in loco”, das características deste monumento arqueológico, facilitada pelo facto de, pouco tempo antes, toda a vegetação aí existente ter sido destruída por um incêndio, creio poder afirmar-se que, ali, existiu um Castro e não um “castelo medieval”. As características dos restos de muralhas observadas são idênticas às encontradas noutros Castros da região (Tinhela, Lama de Ouriço, Fiães e Santa Valha).

Localizações:
Lugar do cabeço, cerca de 500 metros a noroeste da povoação de Bouçoais.

Acesso:
Duas vias, qualquer delas a pé e a partir da E. N. 213-1, dão acesso ao cabeço. O tempo gasto é de, aproximadamente, 15 minutos.

Via 1 – Caminho que, das proximidades do Café Desportivo, passa junto do edifício da “Junta de Freguesia”. Trata-se de um caminho antigo, entre muros, limites de propriedades. Percorridas algumas centenas de metros, um desvio à esquerda conduz directamente ao cabeço. É, esta, a via que mais se recomenda.

Via 2 – Mais ou menos a meio da recta da E.N. 213-1, de Bouçoais para Real Covo, há um desvio (caminho) à direita que conduz directamente ao cabeço, em frente.

Natureza Geológica:
Toda a área ocupada pela freguesia de Bouçoais é de natureza granítica destacando-se, por vezes, blocos arredondados de grandes dimensões. Quanto à textura, ela varia entre a equigranular e a porfiróide.

Coordenadas de Gauss:
276,4
530,4

Coordenadas Geográficas:
Altitude: 625 metros 
Longitude: 7º 12’ 55’’ W (Gr.)  Latitude: 41º 44’ 17’’ N

Folha da carta dos S. C. do E. N.º 35: LEBUÇÃO (Valpaços)
Escala 1: 25.000

Estrutura e estado de Conservação:
Este monumento arqueológico encontra-se, hoje, em adiantado estado de destruição pelo facto de, as muralhas e outras possíveis estruturas ali existentes no passado, terem constituído a fonte de material necessário na construção de casas e muros limitantes de propriedades.
Apesar disso, o número e tipo de estrutura ainda presentes, justifica uma investigação mais demorada e a sua classificação como Imóvel de Interesse Público.
Das estruturas defensivas são ainda visíveis um “fosso”, restos de um “torreão” e alguns troços de “muralhas”.

Muralhas:
Os troços ainda relativamente conservados encontram-se na vertente SW, voltada para a Ribeira de Bouçoais. A N, NE, E e SE, estas muralhas são difíceis de identificar dado que a sua destruição foi, ali, praticamente total. A sua posição adivinha-se, apenas pela posição dos troços ainda preservados e pela topografia do terreno.

Muralha I:
Limita uma superfície levemente inclinada para ESSE, de forma elipsoidal, alongada, cujo eixo maior mede 1100 metros e o eixo menor entre 30 e 40 metros. Esta área é, quando comparada com a de outros Castros, relativamente pequena.
Num pequeno troço desta muralha a SW (a), foi possível determinar uma largura de 4 metros.
Pelas razões já apresentadas não foi possível, dado o elevado grau de destruição, determinar a sua largura a E, NE e N. A sua posição no esquema é, pois, hipotética e baseia-se, exclusivamente, nas características morfológicas do terreno.
Nesta superfície central limitada pela muralha I, são abundantes os fragmentos cerâmicos de vasos de cor cinzenta, mas não encontrei qualquer fragmento de “tegulae”.

Muralha II:
A distância entre esta muralha e a anterior não excede, por vezes, 8 metros. Embora não se conheçam, com exactidão, os limites desta muralha, pareceu-me, pela análise da topografia do terreno que ela iria entroncar, a ESSE com a muralha I.

Castro de Bouçoais. Face externa da Muralha II (b)

Uma das características estruturais mais interessantes desta muralha é a presença de uma escadaria (c), cujos degraus são formados por lajes de granito. Os degraus do topo medem mais de um metro de comprimento. Este comprimento diminui do topo para a base, onde a largura não permitiria a passagem a mais que um homem de cada vez. Aqui, a escadaria formava uma curva acentuada, espécie de cotovelo, com dois muros a limitá-la. Pareceu-se ver, neste disposição, uma “passagem camuflada” de saída e entrada do Castro.

Castro de Bouçoais. Escada de acesso à Muralha II (c)

Em frente a esta escadaria, mas a um nível inferior, encontrei uma conduta de água que, pareceu-me, comunicaria com uma construção já inexistente. Julgo que tal construção poderia ter sido um “moinho” ou outra qualquer estrutura relacionada com o abastecimento de água ao povoado.

Fosso:
Foi cavado a NW, precisamente na área de menor declive do terreno e, por isso, de mais fácil acesso. Tarefa difícil, dado que foi aberto directamente no granito. A sua largura é de 2 metros a SSW e 4 metros a NE. Desconhecemos a profundidade real desta estrutura uma vez que, a mesma, contém uma grande quantidade de pedras e de terra provenientes, na sua maior parte, da destruição do “torreão” que lhe fica ao lado. Do lado deste “torreão” (d) a profundidade do fosso atinge, ainda, os 5 metros. Como o que resta do “torreão” é mais elevado no centro, por conservação de parte da terra e das pedras que constituíam o “miolo”, o desnível actual entre o “fosso” e o topo do “torreão” é de, aproximadamente, 9 metros.
Torreão (d):
Encontra-se ao lado do “fosso” e constitui uma estrutura defensiva que estaria integrada na muralha I.
O que resta desta estrutura é terra e pedras que formam o seu “miolo”. Tal como aconteceu com a maior parte das muralhas dos Castros, as pedras aparelhadas que formam a sua superfície externa foram aproveitadas para outras construções de vários tipos. Pelo que resta, pareceu-me possuir uma forma mais ou menos cilíndrica ou tronco-cónica.

Gravuras rupestres:
Nas numerosas rochas graníticas, quer fora quer dentro do recinto amuralhado estão gravados numerosos sulcos e cavidades. As cavidades, de diferentes tamanhos, possuem secção circular ou rectangular. Os sulcos comunicam, por vezes, com essas cavidades o que nos leva a admitir que, nalguns casos, tenham desempenhado uma função cultual.
Alguns destes sulcos são considerados, pelos habitantes locais, “rastos de cobras”: “depois de passarem sobre a rocha e de, aí, deixarem, gravados, vestígios da sua presença, refugiaram-se no buraco mais próximo”.
No leito da Ribeira de Bouçoais encontram-se extensas superfícies graníticas polidas, como resultado da actividade erosiva das águas correntes durante milhares de anos. Numa dessas superfícies, informou-me o Sr. Pinto Soares, membro da Junta de Freguesia, encontrava-se uma “cobra” de grandes dimensões e, nas proximidades da sua extremidade anterior, uma pequena cavidade.
Desloquei-me, ali, na companhia do meu informador mas, infelizmente, não encontrámos o que procurávamos. Penso voltar lá logo que me seja possível e, então, espero ter mais sorte!
Este antigo culto pagão da “serpente” no lugar do alto do Cabeço “confirma-se” plenamente quando conversamos com as pessoas de Bouçoais:
“Então já viu as cobras?”, perguntavam-me frequentemente.
O mesmo culto se manifesta, ainda, através das “lendas” ainda existentes:

Lenda da cobra com asas:
Quem, da aldeia de Bouçoais, olhar para o alto do Cabeço, mesmo em frente, observará, por vezes, uma grande cobra com asas saltando de pedra em pedra.

Lenda da grande cobra:
Quando, certo dia, uma pastorinha passava pelo caminho que circunda o alto do Cabeço viu, junto do ribeiro que corre lá no fundo, uma linda jovem a pentear-se.
Fascinada com tanta beleza abeirou-se dela e pediu-lhe: deixa-me pentear com o teu pente!
A jovem respondeu: Hoje não, mas amanhã a esta hora, regressa aqui e, vejas o que vires, não tenhas medo.
Na manhã seguinte, à mesma hora, a pastorinha dirigiu-se de novo, ao local combinado. De repente, à sua frente apareceu, em vez de uma linda jovem, uma grande cobra.
Esquecendo-se das recomendações que lhe foram dadas no dia anterior, a pastorinha assustou-se e fugiu.

Lenda do longo túnel:
Numa das vertentes do monte do Cabeço haverá um buraco que comunica com um túnel. No seu trajecto este túnel alarga-se dando origem a extensas salas com pinturas várias nas suas paredes. Este túnel termina nas proximidades de Tortomil, aldeia pertencente, também, à freguesia de Bouçoais.

A fraga do Tesouro

A Fraga do Tesouro (e):
Encontra-se à beira do caminho que contorna o Castro, a cerca de 40 metros do “fosso” e entre as duas muralhas.
Trata-se de uma rocha granítica onde foi picada uma superfície plana e horizontal, com 1,36 metros de comprimento e 0,80 metros de largura. Mais ou menos no centro desta superfície plana foi aberta uma cavidade afunilada, de secção circular, com 36 cm de diâmetro (à superfície) e 24 cm de profundidade. A 24 cm de distância da cavidade descrita, também na superfície picada e horizontal, encontra-se outra pequena cavidade com 4 cm de diâmetro e 3 cm de profundidade.
A superfície plana e horizontal referida eleva-se a 56 cm acima do solo circundante.
Como resultado da obtenção desta superfície horizontal surgiu, num dos lados, uma outra superfície plana, perpendicular à primeira, de contorno triangular e com 50 cm de altura. No topo desta porção elevada da referida rocha granítica foi picada uma depressão semelhante ao assento de uma cadeira, que permite o ajuste cómodo das nádegas de qualquer pessoas que ali resolva repousar.

Lenda do Tesouro:
Certo dia, um “latoeiro” e o seu ajudante passavam nas proximidades do Cabeço. Chegados à base do monte, enquanto que o “latoeiro” optou pelo caminho mais longo mas menos difícil, o seu jovem ajudante com toda a energia que caracteriza as pessoas da sua idade, resolveu seguir o caminho mais curto, trepando entre fraguedos a íngreme encosta entre as muralhas e a Ribeira de Bouçoais.
Chegado ao topo, cansado pelo esforço dispendido deparou, à beira do caminho, com uma rocha em forma de cadeira. Nem de propósito!... Vou descansar por momentos pois que, a partir daqui o caminho é mais ou menos plano e rapidamente alcançarei o patrão!...
Rapidamente, saltou para cima da rocha e sentou-se. A seus pés, sobre a superfície horizontal, encontrava-se uma larga laje de granito de forma tabular. Com um martelo que transportava deu algumas pancadas na laje situada a seus pés. Pelo som produzido pareceu-lhe existir, por baixo desta laje, um espaço sem rocha.
Resolveu, então, remover a pedra solta e, qual não foi o seu espanto quando deparou com uma grande cavidade cheia de moedas de ouro!... Uma autêntica fortuna! Estou rico, estou rico, gritou, saltando de contente!
Entregou o martelo ao patrão e, daí em diante nunca mais trabalhou a “lata”!

Altar de sacrifícios (f)

Junto do Cabeço, em propriedade dos Morgados de Vilartão, vê-se uma sepultura cavada num grande rochedo”.

A. V. MARTIS, Monografia de Valpaços
Pág. 174, 2.ª Edição, 1990.

O rochedo de granito a que se refere o Dr. Veloso Martins está situado a cerca de 40 metros do fosso, para NW. De facto, numa rápida observação, a cavidade ali existente sugere-nos uma sepultura.
Porém, quando procedemos a um exame mais pormenorizado, concluímos que a cavidade referida nunca poderá ter sido utilizada para receber o corpo de um morto.

Altar de Sacrifício (?). Planta e perfis

Altar de sacrifícios (?).

Características:
O rochedo onde foi cavada esta estrutura arqueológica é um monólito de granito, na sua posição natural, que mede:

Comprimento – 4 metros
Largura máxima – 3 metros
Altura máxima – 2 metros

A superfície superior deste rochedo encontra-se inclinada para NW. Nesta superfície foi cavada uma depressão alongada, com direcção SE-NW, que termina por uma goteira através da qual o líquido derramado na referida cavidade seria recolhido, directamente, em recipientes móveis.

Dimensões da Cavidade:
Comprimento – 2,35 metros
Largura máxima – 0,55 metros
Largura média – 0,52 metros
Largura mínima – 0,50 metros

Profundidade:
Uma vez que a superfície onde foi obtida esta cavidade não é horizontal, mas sim inclinada segundo duas direcções, conforme o demonstram os perfis, a profundidade varia entre um máximo de 46 cm e um mínimo de 25 cm. De um e outro lado da goteira as profundidades são, apenas, de 10 e 2 cm.

Dimensões da goteira:
Segue-se à cavidade descrita e mede 29 cm de comprimento. Esta goteira consta de duas partes, que diferem entre si pelas diferentes larguras que apresentam: uma porção mais estreita, em comunicação directa com a cavidade descrita e que mede 12 cm de comprimento e 5 cm de largura e uma porção terminal mais larga que mede 17 cm de comprimento e 20 cm de largura.
Com esta porção terminal da goteira estão em comunicação dois sulcos, um de cada lado, que medem 7 cm de largura e 4 cm de profundidade. A sua função seria, naturalmente, conduzir aquela goteira terminal todo o líquido derramado de um e outro lado da cavidade principal.
Destes dois sulcos, o situado do lado esquerdo (no esquema) mede 57 cm de comprimento. Drena uma superfície onde é nítido um trabalho de desgaste, a pico, a fim de que todo o líquido aí vertido fosse recolhido por este sulco e encaminhado para a goteira terminal.
O sulco do lado direito (no esquema) drena uma superfície picada e rebaixada grosseiramente triangular e onde, certamente, se acumularia a maior parte do líquido derramado fora da cavidade principal. Esta superfície deprimida mede 2,50 metros de comprimento e uma largura máxima de 80 cm.
No extremo E do rochedo, numa superfície bastante inclinada para o exterior, existe um sulco que se bifurca, mas que não se encontra em comunicação com qualquer das cavidades referidas. Para a função que desempenhava não consigo formular qualquer hipótese.
O limite NE deste rochedo é uma superfície mais ou menos plana e quase vertical (ver perfil segundo CD). Nela existem duas pequenas cavidades ( não visíveis no esquema), distanciadas de 30 cm, no mesmo plano horizontal e que medem 4 cm de diâmetro e 5 cm de profundidade.
Pelas características referidas, julgo que a estrutura descrita só poderia ter desempenhado uma das seguintes funções:
- o esmagamento de frutos para a obtenção de um líquido utilizado na alimentação, de imediato ou depois de fermentado, num “lagar”;
- local onde eram imolados animais em oferenda a qualquer divindade pagã, isto é, um “altar de sacrifícios”.
A análise, ainda que muito incompleta, de toda a área envolvente desta estrutura convida-me a defender esta última hipótese. De facto, nas numerosas rochas graníticas que se encontram no pavimento do caminho assinalado na planta do Castro, bem como de um ou outro lado dos muros que o limitam, são abundantes os vestígios da actividade humana, traduzida por numerosas cavidades de diferentes formas e dimensões, sulcos, superfícies em forma de degraus ou de assento, etc. Estas estruturas continuam-se, por vezes, por baixo dos muros que limitam o referido caminho pelo que, para se fazer uma análise de conjunto se torna necessário a sua remoção.
Creio, pois, que toda a área NW do “fosso” constituiu no passado, um local de culto a qualquer divindade pagã, um “santuário rupestre”. Por tudo o que já dissemos, o culto da “serpente” é uma hipótese.

Nota: Praticamente encostados ao rochedo onde foi cavada a estrutura que acabo de descrever, existem mais quatro grandes blocos de granito. Limitam, em conjunto, duas pequenas áreas que poderiam ter sido aproveitadas para a construção de abrigos constituindo, os referidos rochedos, parte de muros limitantes.
Entre dois destes blocos encontrei fragmentos de “tegulae”. Fragmentos idênticos são também frequentes nos terrenos de cultura das proximidades do Castro.


2. Castro de Lampaça:



Visitei pela primeira vez, este monumento, em Agosto de 1991.
O que ali me foi dado observar, constitui um dos muitos e lamentáveis exemplos de abandono e destruição do que resta do nosso riquíssimo património histórico-arqueológico. E mais de lamentar é, quando grande parte dessa destruição relativamente recente foi obra de alguém, cujo nome me recuso a referir aqui mas que, pela sua formação e sua posição deveria ser sensível à sua preservação.
Além das muralhas e casas a destruição a que me refiro atingiu um conjunto de estruturas que, pelas informações recolhidas, julgo terem desempenhado uma função cultual.
A mais recente destruição concretizou-se quando, na sua área foi construída a residência paroquial e o campo de Futebol.
Apesar da destruição referida, o conjunto de estruturas presentes que vamos passar a descrever justifica o grande interesse do lugar e a sua classificação como “Imóvel de Interesse Público”.

Localização:
A E da Igreja de N.ª Sr.ª da Ribeirinha.

Acesso:
À saída da povoação de Lampaça pela E. N. 103, em direcção a Vinhais vê-se, a uma pequena distância e à esquerda a torre sineira, quadrangular, ao da Igreja referida. A ligação, de algumas centenas de metros faz-se através de uma rua calcetada.

Coordenadas de Gauss:
277,9
531,6

Coordenadas geográficas:
Altitude: 615 metros
Longitude: 7º 11’ 44’’ W (Gr)  Latitide: 41º 44’ 50’’ N

Folha da carta dos S. C. do E. N.º 35: - LEBUÇÃO (Valpaços)
Escala 1: 25.000

Características:
Das suas estruturas defensivas resta, apenas, parte de uma muralha, muito destruída ainda recentemente. Esta muralha mediria, aproximadamente e de acordo com os poucos dados disponíveis cerca de 315 metros de comprimento, limitando uma área de, aproximadamente, 9000 metros quadrados.
Alguns troços desta muralha aproveitavam grandes blocos de granito nas suas posições naturais, principalmente do lado de nascente.
A área limitada pela muralha referida possui uma forma quase circular, pois que os seus dois diâmetros perpendiculares medem, respectivamente 90 e 100 metros.
Não foi possível a determinação da largura desta muralha. Julgo, no entanto, que a mesma não deveria ultrapassar os 3 ou 4 metros.
O troço da muralha que, certamente, existiu a S e a SW, foi totalmente destruído com a construção da residência paroquial e do campo de futebol. É possível que, como acontece com todos os Castros ela fosse, aqui, bastante mais larga e dotada de “torreões”, uma vez que o declive do terreno é praticamente nulo. A hipótese da presença de um “fosso” é, também, de considerar.
Nas direcções N, NE e E o monte onde o Castro foi construído possui vertentes com declive acentuado, que muito facilitavam a sua defesa.
Nesta área central limitada pela muralha viam-se ainda recentemente alicerces de casas e um poço, cuja profundidade seria equivalente ao comprimento de uma “corda carral” (aproximadamente 10 a 12 metros). Fui também informado de que, aqui, aparecem com frequência além de fragmentos de cerâmica variada, moedas romanas. Na Monografia e Valpaços o Dr. Veloso Martins refere o aparecimento frequente, ainda hoje de “telhas de rebordo, moedas romanas, fíbulas, etc”.


2 – A – Altar de Sacrifícios (?):

Altar de sacrifícios (?). Planta e perfis

Localização:
Proximidades da baliza N do campo de futebol, a cerca de 100 metros da igreja de N.ª SR.ª da Ribeira. Está dentro do antigo recinto amuralhado e a cerca de 2 metros acima do nível referido do campo, devido à remoção do terreno pelas máquinas escavadoras.

Características:
Julgo que todas as suas principais características, relacionadas com a função que desempenhou no passado, estão ainda preservadas.

Altar de sacrifícios (?) visto de W.

Esta “altar” foi cavado num monólito de granito, na sua posição natural que se eleva a W, a 1,35 metros acima do nível do solo. A parte superior deste monólito é uma superfície mais ou menos plana, que inclina levemente para W e SW. Nesta superfície estão presentes duas fracturas naturais convergentes. Esta superfície mede 3,26 metros de comprimento e 2,5 metros de largura.
Um sulco com 5,5 cm de largura e 5 cm de profundidade limita uma área grosseiramente quadrangular com, aproximadamente, 4 metros quadrados. Este sulco limitante mede 8 metros de comprimento. Qualquer líquido (sangue da vítima sacrificada) derramado nessa superfície é, necessariamente, recolhido por aquele sulco e conduzido a uma curta goteira situada no local de menor cota.
Esta goteira receptora é mais larga e mais profunda que o sulco limitante, característica que resulta do aumento, nela, do caudal do líquido transportado. A sua largura varia entre 17 e 12 cm e possui um ressalto, espécie de degrau que a divide em duas partes.
Não encontrei qualquer cavidade receptora. Julgo, pois, que o líquido seria recolhido, directamente, por um recipiente móvel.
É provável que, entre as numerosas estruturas cavadas nas rochas graníticas que foram destruídas, as houvesse que constituíssem um complemento funcional desta.

2 – B – Lagar:
Ouvi chamar-lhe, por um habitante de Lampaça, “matadouro do carneiro”, nítida alusão a um “altar de sacrifícios”.
Tal como a estrutura anterior que lhe fica próxima, situa-se no interior do recinto limitado pela muralha e foi cavado numa rocha granítica.

Lagar. Planta e perfis.

Características:
A rocha granítica onde foi cavada esta estrutura (granito equigranular) encontra-se na sua posição natural. A superfície desta rocha, mais ou menos plana, encontra-se ao nível do solo e inclina levemente para S. Sulcos mais ou menos rectilíneos limitam uma superfície plana, pentagonal. Estes sulcos possuem fundo plano e uma largura que varia entre os 5,5 e os 1,3 cm e uma profundidade que varia entre os 4,5 e os 6 cm.

Lagar, visto de NE

Os dois sulcos laterais convergem, de um e outro lado, numa cavidade de secção poligonal que mede:
Lado maior (N) – 96 cm
Lado oposto (S) – 62 cm
Lado menor (W) – 39 cm
Lado oposto (E) – 47 cm
Profundidade máxima (N) – 30 cm
Profundidade mínima (S) – 20 cm

O fundo desta cavidade é côncavo e apresenta, a contrastar com os componentes estruturais da sua superfície, um picado mais ou menos grosseiro.
Qualquer líquido derramado na superfície pentagonal referida chegava a esta cavidade, “pia” ou “lagareta”, através de dois sulcos laterais ou de um sulco transversal (a) paralelo ao lado maior desta cavidade de recepção. Este sulco mede 5 cm de largura, 3 cm de profundidade e dista da “pia” 7 cm. O líquido recolhido por este sulco era condizido directamente à “lagareta” por um outro sulco mediano e perpendicular, que mede 17 cm de comprimento, 6,5 de largura e uma profundidade que varia entre o mínimo de 4 cm e o máximo de 5 cm.
Limitando, a N, o sulco a, existe uma superfície picada e aplanada, paralela, com 13 cm de largura.

2 – C – Rocha granítica com cavidades:


Situa-se a N da estrutura anterior e à distância de 10 metros. Nesta rocha foram abertas 12 cavidades mais ou menos afuniladas, de secção circular e diferentes profundidades. A maior destas cavidades mede 33 cm de profundidade e 39 cm de diâmetro do topo.
Creio que as estruturas B e C se encontram relacionadas no desempenho de uma mesma função, cultual ou não.

2 – D – Estrutura de base de um altar (?):


Esta estrutura, bem como as estruturas E e F, encontram-se a S da muralha esquematizada, num souto pertencente ao Sr. Francisco Rendeiro, casado com a D.ª Maria da Conceição Sousa. Por todas as facilidades concedidas nas investigações ali realizadas, expresso-lhes, aqui, os meus sinceros agradecimentos.
Aparecem, neste souto, numerosos fragmentos de cerâmica (de tegulae e de vasos). Não é raro, também, o aparecimento de moedas romanas.

Características:
Esta estrutura consta, essencialmente, de uma rocha granítica na sua posição natural, com uma das suas superfícies gravadas.
A superfície com gravuras mede 2,60 metros de comprimento e 1,90 metros de largura. Esta área gravada mede, pois, cerca de 5 metros quadrados. Conforme a fotografia documenta, possui várias fracturas naturais.
A porção gravada desta rocha consta de:

- uma superfície mais ou menos plana, voltada para N e a única inicialmente visível, por se encontrar um pouco acima do nível do solo actual, o que possibilitou a sua descoberta;

- uma outra superfície em continuidade da primeira, inclinada para S e E, que se encontrava totalmente oculta pelo solo e que só ficámos a conhecer após a remoção do mesmo.

Das gravuras, o tipo morfológico dominante são as “covinhas”, algumas das quais com um sulco circular envolvente. O segundo tipo morfológico presente são os sulcos alongados, gravuras do tipo “serpentiforme”, simples ou ramificados. Uma das gravuras pareceu-me representar uma figura humana muito estilizada.

A característica responsável pela designação que atribuí a este monumento arqueológico é a ocorrência de uma cavidade rectangular com, respectivamente, 30 cm de comprimento e 26 cm de largura.
A profundidade desta cavidade varia entre um máximo de 10 cm e um mínimo de 2,5 cm. De início, surpreendeu-nos a irregularidade do seu pavimento. Porém, quando removemos toda a terra, verificámos que a irregularidade referida se devia à presença, aí, do fragmento de uma coluna de granito que nela encaixava com um ajuste verdadeiramente notável. Desta coluna apenas podemos afirmar que, na base, possui forma rectangular e media, respectivamente, 30x26 cm. Acima da zona de encaixe a coluna poderia possuir forma e dimensões diferentes.
Resolvemos não tentar, sequer, remover este resto de coluna. Além da sua possível fragmentação, corríamos o risco de perder um dado importante para futuras investigações.
Julgo que esta coluna vertical possivelmente também com gravuras ornamentais ou, mesmo, uma inscrição, suportava uma laje também de granito constituindo, no conjunto, um “altar”.

2 – E – Estrutura de Base de um Altar (?):





Situa-se a W da estrutura anterior, da qual dista 2,70 metros.
A sua descoberta resultou da observação de algumas pequenas cavidades na superfície de uma rocha granítica, plana e horizontal, quase ao nível do solo, onde se encontravam sentados a conversar e a observar os nossos trabalhos, os amigos e colaboradores Senhores David Domingues e Francisco Rendeiro.
A limpeza desta superfície e o aparecimento constante de novas gravuras, orientou-nos na remoção contínua do solo à sua volta. O resultado desta remoção foi pormos a descoberto uma superfície gravada com, aproximadamente, 3 metros de comprimento.
Uma fractura natural, visível na fotografia, divide esta superfície gravada em duas partes:

- Uma, mais ou menos plana, mede 2 metros de comprimento e 0,95 metros de largura. Nela predominam as “covinhas”, algumas delas com um sulco circular envolvente, bem como alguns sulcos ou gravuras do tipo “serpentiforme”.

- Outra, em continuidade com aquela, mede 2 metros de comprimento, 1,15 metros de largura máxima e 0,85 metros de largura mínima. No sentido do comprimento, esta parte gravada é formada por uma espécie de “crista”, onde se interceptam duas superfícies em declive, uma de cada lado. Nesta linha média elevada ou “crista” estão gravadas algumas “covinhas”.

A partir dela e nas superfícies inclinadas convergentes, estão gravados muitos sulcos mais ou menos paralelos, gravuras do tipo “serpentiforme”, orientados segundo a direcção de maior declive.
Quase no extremo desta superfície, encontrámos uma cavidade rectangular exactamente igual à que descrevemos para a estrutura anterior mas, neste caso, sem qualquer fragmento residual. A coluna que ali encaixava terá sido removida.

2 – F – Estrutura de Base de um Altar (?):

Encontra-se a W e a pequena distância da estrutura anterior.
Tal como nos dois casos anteriores, a maior parte da superfície gravada encontrava-se coberta pelo solo. As gravuras dominantes são as “covinhas”, algumas com um sulco em forma de anel e os “serpentiformes”.
O que distingue, fundamentalmente, esta estrutura das duas anteriores, é:

- A ausência de qualquer cavidade rectangular destinada a suportar uma coluna.
- A presença de um bloco de granito móvel, com uma superfície plana e contorno trapezoidal.

Sepulturas (sarcófagos):

Sepultura antropomórfica (sarcófago)

Ao lado do armazém paroquial que se situa em frente e a W da torre sineira, encontra-se uma sepultura e parte de outra, cavadas em monólitos móveis de granito e que para ali foram removidas aquando de obras realizadas nas proximidades.
Outras estruturas idênticas podem ser identificadas junto da torre sineira e muro S da igreja em frente da mesma torre.

Cavidades cilíndricas em rochas graníticas:
Nos blocos de granito que se encontram nas proximidades e fora das muralhas, principalmente a E, existem numerosas cavidades cilíndricas cujo diâmetro mais frequente é de 9 cm. A profundidade parece não ser sempre a mesma.
Como descreveremos mais adiante, o mesmo tipo de cavidades são muito frequentes no Castro de Santa Valha.
Qual o seu significado? É, esta, uma das perguntas que as pessoas fazem com frequência. Pela minha parte nenhuma hipótese consigo formular para tentar responder a esta questão.

A torre sineira (t) e a Igreja de Nª. Srª. Da Ribeira (i)

Torre sineira da Igreja de Nª. Srª. Da Ribeira

A torre sineira não se encontra incorporada na Igreja. Dista desta 3 metros. É de secção quadrangular e mede 4,20 metros de lado. As pedras usadas na sua construção, de granito, apresentam um tipo de aparelho semelhante ao das pedras que formam a face externa das muralhas dos Castros e de algumas das casas.
Creio, pois, não restarem dúvidas quanto à origem do material lítico usado na construção destas duas estruturas.

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