domingo, 6 de maio de 2012

As freguesias do actual concelho de Valpaços nos meados do século XVIII – Administração, População e Economia - 1ª Parte


Por Leonel Salvado



1. ADMINISTRAÇÃO

1.1. O concelho de Valpaços

O Concelho de Valpaços é o resultado de um contínuo processo de reformas administrativas da época liberal no país, inspiradas nas reformas que já haviam sido preconizadas por Mouzinho da Silveira, apontadas no mesmo sentido democrático e descentralizador da administração pública e implementadas também na antiga Província de Trás-os-Montes que passou nos meados do século XIX a ser integrado pelos distritos administrativos de Vila Real, de que faz parte, e de Bragança.

O processo acima referido foi gradual, mas foram precisos apenas 62 anos para que o concelho adquirisse a estrutura que ainda hoje mantém.
Foi por Decreto de 6 de Novembro de 1836, emanado do ministério setembrista de Manuel da Silva Passos (Passos Manuel), que a então aldeia de Valpaços se viu elevada a sede de concelho constituído pela freguesia com o mesmo nome, sob a designação de freguesia de Santa Maria de Valpaços, e as localidades anexas de Lagoas, Valverde e Vale de Casas.
Após um novo código administrativo promulgado pelo mesmo Ministro, em 31 de Dezembro desse mesmo ano de 1836, abriram-se claras perspectivas para um futuro engrandecimento da história do municipalismo valpacense.
Com efeito, logo em 27 de Setembro de 1837, por carta de lei, eram integradas no concelho de Valpaços as freguesias de Santiago da Ribeira de Alhariz, Ervões, Friões, Lilela, Possacos, Rio Torto, Sanfins Vassal e Vilarandelo, que pertenciam ao termo de Chaves, bem como a de Argeriz, retirada do termo de Carrazedo de Montenegro, e Fornos do Pinhal, ao de Monforte de Rio Livre.
Dezasseis anos depois, o Decreto de 31 de Dezembro de 1853 extinguia os concelhos de Carrazedo de Montenegro e Monforte de Rio Livre e determinava a transferência das freguesias dos respectivos termos, no todo e em parte, respectivamente, para o concelho e comarca (que o mesmo diploma instituía) de Valpaços.

Divisões administrativas no actual Distrito de Vila Real
1840 – 1860
(clique sobre a área dos mapas para os aumentar)
FONTE: Mapas – Fernando de Sousa, “População e economia do distrito de Vila Real em meados do século XIX” in “ESTUDOS TRANSMONTANOS”, BPAD, Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Vila Real, N.º1, 1983, pp. 16 e 17

De Monforte passaram para Valpaços as freguesias de Alvarelhos, Barreiros, Bouçoais, Fiães (inicialmente integrada no concelho de Chaves e passada ao de Valpaços a 24 de Outubro de 1855), Nozelos, Santa Valha, Sonim, Tinhela e Lebução, sendo de notar que era a localidade de Lebução que, desde 1836 vinha substituindo a Vila de Monforte do Rio Livre, à cabeça do concelho desta que, prevalecendo porém a mesma designação fosse por força do costume ou por respeito à antiguidade da praça-forte.
Do concelho de Carrazedo de Montenegro, passaram ao de Valpaços, além da própria sede, agora extinta, as freguesias de Água Revés (concelho extinto pelo mesmo decreto de 31 de Dezembro de 1836), Canaveses, Padrela e Tazém, Santa Maria de Émeres, São João de Corveira, São Pedro de Veiga do Lila, Serapicos, Jou, Curros e Vales.
Em 1896 Jou, Curros e Vales foram anexadas a Murça, em resultado de uma jogada política do candidato regenerador à eleição pelo círculo de Alijó, Teixeira de Sousa, mas dois anos depois, sob o governo do Partido Progressista de Luciano de Castro, as duas últimas freguesias são reintegradas no concelho de Valpaços.
Com tão vasto termo municipal, Valpaços foi elevado à categoria de Vila, com o nome de Valpassos, por Decreto Real de D. Pedro V, datado de 27 de Março de 1861. Finalmente, no dia 13 de Maio de 1999 foi a Vila elevada à categoria de Cidade.
Como se poderá concluir do exposto, anteriormente ao dia 6 de Novembro de 1836, efusivamente comemorado todos os anos pela Autarquia de Valpaços, a situação administrativa das terras que a compõem - típica do Antigo Regime -, era bastante diferente!


1.2. DIVISÃO ADMINISTRATIVA CIVIL - DOS MEADOS DO SÉCULO XVIII À 1.ª METADE DO SÉCULO XIX

Em 1758 as freguesias que compõem o actual concelho de Valpaços, no distrito de Vila Real, encontravam-se distribuídos pelos concelhos de Chaves, Monforte de Rio Livre e Água Revés, tendo sido, este, concelho sobre si com jurisdição donatarial da Casa de Murça. Este último concelho, cujo senhorio pertenceu Luís Guedes de Miranda, acabou por cair em posse da Coroa por falecimento daquele último administrador da antiga Casa de Murça em 29 de Fevereiro de 1758 e por falta de sucessão legítima, juntamente com os restantes domínios da mesma Casa. Por essa razão entendi não levá-lo em conta nas representações cartográficas relativas à evolução da divisão territorial por concelhos que a seguir exponho. Convém contudo observar, como o fez e muito bem A. Veloso Martins na Monografia de Valpaços, que se manteve como Vila e sede de concelho até à sua extinção em 6 de Novembro de 1836, pelo mesmo Decreto que instituiu o concelho de Valpaços, passando entretanto para o Concelho de Carrazedo de Montenegro até 31 de Dezembro 1853, data do Decreto em que se determinou também a extinção deste.  

Divisão administrativa nos meados do século XVIII
1758 – c. 1820
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FONTES:
1 - Mapa – Id. Ibid. p. 16. (adaptado)
2 - Leonel Salvado, “O concelho de Valpaços nas Memórias Paroquiais de 1758”, in “Clube de História de Valpaços”
http://clubehistoriaesvalp.blogspot.pt/


Distribuição das freguesias do actual concelho de Valpaços
1758
(clique sobre a tabela para a aumentar)
FONTE: Leonel Salvado, Ibid.

Pelos inícios do século XIX esta divisão administrativa assim compreendida sofreria novas alterações. Restaurado o concelho de Carrazedo de Montenegro que fora criado por carta de foral de D. Dinis em 1301, e sendo-lhe renovada a categoria de Vila e de cabeça de julgado, ainda que continuando sujeito à comarca de Chaves, Carrazedo de Montenegro compôs o seu termo com a recuperação das antigas “terras de Montenegro” que haviam sido agregadas aos concelhos de Chaves, Vila Pouca de Aguiar e Murça. E entre elas encontravam-se algumas freguesias que hoje pertencem ao concelho de Valpaços.
As paróquias de Nossa Senhora da Expectação de Crasto, São Lourenço de Lilela, São Salvador de Nozedo, Nossa Senhora da Assunção de Tazém e São Lourenço de Vilartão constituíam freguesias independentes até às reformas administrativas liberais do século XIX empreendidas em 1837 e em 1853 por força das quais foram anexadas às freguesias de Água Revés e Crasto, Rio Torto, São João da Corveira, Padrela e Tazém e Bouçoais, respectivamente, assim como se encontram hoje.


Divisão administrativa na 1.ª metade do século XIX
c. 1820 – 1837*(1853**)
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FONTES:
1 - Mapa – Fernando de Sousa. Ibid. p. 16. (adaptado)
2 - Leonel Salvado, Ibid.
* Carta de Lei de 27 de Setembro de 1837
** Decreto de 31 de Dezembro de 1853


Distribuição das freguesias do actual concelho de Valpaços
c. 1820 – 1837*(1853**)
(clique sobre a tabela para a aumentar)
FONTES: Leonel Salvado, Ibid.
* Carta de Lei de 27 de Setembro de 1837
** Decreto de 31 de Dezembro de 1853

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1.3 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA ECLESIÁSTICA NOS MEADOS DO SÉCULO XVIII

José Viriato Capela, no seu trabalho “As freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758, Memórias, História e Património”, refere a importância que no quadro territorial e social das comunidades rurais do Antigo Regime se revestiam a aldeia ou o lugar, enquanto células da vida social e agrária por excelência.
Simultaneamente, ao longo dos tempos, entre os séculos XV a XVIIII, a paróquia afirmava-se como “a principal instituição de organização sócio-política das comunidades locais portuguesas”. Por esse tempo a maior parte das comunidades do actual distrito de Vila Real pertencia ao Arcebispado de Braga. Porém no seu quadrante setentrional as paróquias que hoje compõem os concelhos de Chaves e Valpaços passaram a repartir-se entre aquela arquidiocese e a diocese de Miranda do Douro desde a criação desta a 23 de Março de 1535. Nos meados do século XVIII, as freguesias da diocese bracarense nesta mesma área transmontana enquadravam-se na comarca de Chaves (que eram também do termo desta Vila) ao passo que as que transitaram para a diocese de Miranda do Douro (do termo da Vila de Monforte de Rio Livre) pertenciam à comarca de Moncorvo.

Articuladas com a paróquia, ao longo do mesmo período, encontravam-se a Coroa e a Ordem Senhorial, através do município e da ordem municipal. Os municípios apenas intermediavam a Coroa e a Ordem Senhorial na implementação dos meios para garantir o seu poder económico e os seus meios financeiros e a ordem e poder público régios – a fiscalidade e a estruturação de serviços de justiça saúde e defesa. Esta relação de poderes que as câmaras estabeleciam com as comunidades e que na expressão do mesmo autor, José Viriato Capela, era “uma relação politico – fiscal – senhorial – rentista, que decorria de uma dinâmica senhorial e individualista”, foi em grande parte também, uma realidade nas freguesias que actualmente fazem parte do concelho de Valpaços, o que se vê pelas respostas de uma variedade de párocos memorialistas aos Inquéritos paroquiais de 1758. Assim, com base nas informações dos mesmos párocos constata-se que as jurisdições comarcãs e concelhias de algumas destas freguesias estiveram, em maior ou menor dependência, em poder dos respectivos donatários, como os condes de Atouguia a quem, entre outras jurisdições, asseguraram as do concelho de Monforte de Rio Livre, ao passo que o concelho de Chaves pertencia directamente à Casa de Bragança e o de Água Revés à Casa de Murça, como atrás referi. Tal situação tinha evidentes repercussões no exercício da justiça e nas categorias das magistraturas. Apesar de nos meados do século XVIII surgirem referências a juízes eleitos nas freguesias, juízes de vintena ou juízes pedanios (“espadanios” era a expressão corrente) e quadrilheiros, que podem ser entendidos como sinais de relativa autonomia nas comunidades paroquiais, nas freguesias cujas jurisdições pertenciam à Coroa e os respectivos párocos nunca deixaram de realçar, aludindo à “Sereníssima Casa de Bragança”, era mais comum elas estarem sujeitas ao Juiz de Fora, de nomeação régia (como sucedia nas freguesias do concelho de Chaves), ao passo que naquelas em que a jurisdição ainda cabia, por direito, às referidas Casas Senhorias, os donatários, predominavam os Juízes ordinários, eleitos anualmente pelos povos e câmaras sob anuência dos respectivos Senhores, obrigados a residir nas respectivas comarcas ou nos concelhos onde exerciam, em acção conjunta ou “sujeita aos ministros da cabeça de comarca” (Memórias Paroquiais, Barreiros, 1758, Valpaços) e podendo ser acompanhados de outros magistrados, conforme os casos (como sucedia nas freguesias do termo de Monforte de Rio Livre, da Casa de Atouguia). Mas só a partir da segunda metade do século XVIII, sob o Estado Pombalino, é que esta relação de poderes começou a ser progressivamente desmantelada com vista ao estabelecimento de uma relação mais directa do Estado com os povos.

Cumpre ainda referir, neste mesmo contexto das relações de poder da organização administrativa dos meados do século XVIII no espaço do actual concelho de Valpaços, a existência de algumas abadias ou benefícios eclesiásticos nem sempre conformes com os limites definidos pela divisão administrativa civil, o que logo se verifica pela variedade dos títulos dos respectivos párocos – reitores, abades, vigários e curas.

Organização administrativa e eclesiástica no território do actual concelho de Valpaços
1758
(clique sobre a tabela para a aumentar)
Fonte: Leonel Salvado, Ibid.

Distribuição dos títulos paroquiais
(valores percentuais dos titulares e das freguesias)
1758
(clique sobre a área dos gráficos para os aumentar)
Fonte: Leonel Salvado, Ibid.

Jurisdições senhoriais
(Coroa e donatários/comendadores)
1758
(clique sobre o gráfico para o aumentar)
Fonte: Leonel Salvado, Ibid.

2 comentários:

  1. Excelente trabalho de pesquisa sobre a formação do nosso Concelho de Valpaços. Já o conhecia, mas não tão pormenorizado como está este.
    Amílcar Rôlo
    (Valpaços)

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  2. Como sempre, Muito Obrigado amigo Amílcar Rôlo. O próximo passo será a População, para a mesma época. As fontes são escassas mas... a ver vamos!
    Um Abraço amigo,
    Leonel Salvado

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