domingo, 12 de setembro de 2010

José de Castro Lopo



O ilustre transmontano

José de Castro Lopo é, a avaliar pelo que dele se tem dito e escrito, uma das mais veneradas figuras históricas de Valpaços, acima de tudo pelos ensinamentos que se podem retirar do seu carácter e sua vida exemplares: Devido à singular inteligência e saber clínico que sempre quis utilizar em favor dos seus doentes, fossem quais fossem as contrariedades que se lhe afigurassem no exercício dessa missão; mas também, devido ao amor que sempre dedicou à família, aos amigos e à sua terra. Tal é o que ressalta do parecer de vários autores, de entre eles o do seu próprio irmão, Joaquim de Castro Lopo, que certamente o conheceu melhor do que ninguém e lhe presta sentida homenagem na sua obra O Concelho de Valpaços, homenagem essa que condiz, aliás com as de outros autores, nomeadamente João da Ribeira (Padre J. Vaz de Amorim), A. Veloso Martins, os autores do Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, e se corrobora ainda pelo unânime testemunho de que dele se faz eco na tradição oral desta cidade. Veloso Martins, por exemplo realça, para além das mais conhecidas qualidades do Dr. José de Castro Lopo, a de «cavaqueador emérito», que «gostava de pôr uma pitada de sal do seu espírito nas reuniões a que assistia», e, polidamente, envolver-se em brincadeiras divertidas, como sucedeu num certo sarau em que uma dama que não sabia nada de música mas por delicada insistência dele, Dr. Castro Lobo, ela sentou-se ao piano e, aos primeiros sons do toque das teclas, confessou, «com a face banhada de gozo,» ter descoberto o seu talento. O Padre Vaz de Amorim realça ainda as suas facetas de literato, poeta e jornalista, reportando-se certamente às suas competências enquanto redactor principal do jornal O Povo de Valpaços, pois a maioria dos seus restantes escritos que mais se destacaram são da área médico-cirúrgica, em revistas da especialidade.


O distinto estudante

Não nasceu, José de Castro Lopo, em berço de ouro, mas no seio de uma numerosa família de modestos recursos. Realizados com sucesso os seus exames de admissão aos liceus no Porto, fez aí e em Coimbra o Curso Liceal, com resultados animadores. Frequentou depois a Escola Politécnica do Porto e, de seguida, a Escola Politécnica e a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa sendo aqui laureado como brilhante estudante de Medicina e Cirurgia. Aqui terminou o seu curso, aprovado com louvor e partiu para Paris, onde durante seis meses se dedicou, sob orientação de importantes especialistas, à prática da especialidade em clínica hospitalar, com aproveitamento.


O médico e o benfeitor

Regressado de Paris, exerceu em Chaves como médico municipal e foi também médico da Empresa de Águas de Vidago, prestando aqui, segundo diz Vaz de Amorim (revista Aquae Flaviae, nº 14, 1995) «assinalados serviços como médico hidrologista». Não resistiu o Dr. José de Castro Lopo ao “chamamento” da sua terra natal e ao amor que sempre o uniu à sua família, pois não tardou a regressar a Valpaços, onde dedicou o resto da sua curta vida que foram mais 29 anos ao serviço médico, como médico municipal e subdelegado de saúde. Creio que a sua própria consciência profissional também terá contribuído para este regresso à terra que o viu nascer, pois é sabido que nas décadas de 80 e 90, Valpaços debatia-se amiúde com a necessidade de reforços de assistência médica (os receios de surtos de cólera-morbus, em 1884, e de peste bubónica, em 1899) e de adequadas instalações hospitalares, sendo de recordar que a construção do tão desejado Hospital Municipal só se iniciou em 1882 e foram necessárias novas obras em 1899. Joaquim de Castro Lopo, seu irmão mais novo (já tivemos o prazer de deixar algumas notas neste blogue a seu respeito) resumiu assim o desempenho profissional e outros serviços públicos de José de Castro Lopo em Valpaços:

Durante 29 anos exerceu com a maior inteligência, dedicação e desinteresse a medicina e a cirurgia, cujo exercício para ele foi um sacerdócio, nunca se poupando a fadigas, a calores, a frios, a intempéries, tratando sempre dos seus doentes com desvelados cuidados. Depois de uma vida cheia de trabalhos, morreu pobre.
Em Valpaços fundou com outros a extinta Sociedade de Instrução e Recreio e elevou as festividades de Nossa-Senhora-da-Saúde a ponto de causar admiração de todos aqueles que as presenciaram durante a sua entusiástica gerência.

É desta mole de médicos de abnegação profissional, que sei ter sido prolífica em Valpaços (o Dr. Olímpio Seca será aqui também recordado numa próxima publicação) que os valpacenses se devem orgulhar.


O apaixonado pela República

Quanto ao envolvimento politico de José de Castro Lopo nos partidos dos finais da monarquia, sabemos, por José António Soares da Silva e pela sua obra O Partido Progressista de Valpaços, que o dedicado facultativo e delegado de saúde da Vila alinhou naquele partido, integrando a respectiva comissão executiva, criada em 1897, e mais notoriamente a seguir à demissão de Francisco José de Medeiros da presidência da mesma, o que sucedeu nos finais 1901, começando por ser um dos signatários da carta enviada ao líder distrital do partido, Conde de Vila Real, dando-lhe conta da crise nele se vivia em Valpaços e terminando por se ver provido, em Julho de 1906 no cargo de Vice-Presidente da comissão Executiva do reorganizado centro de Valpaços presidida pelo próprio conde de Vila Real. É ainda de realçar, a partir das informações coligidas pelo mesmo autor de O Partido Progressista de Valpaços, que durante esse tenebroso período de existência do centro do Partido local, o bom médico não hesitou em franquear as portas da sua residência para as reuniões da Assembleia Geral dos seus alegados correligionários. Serão estas acções de José de Castro Lopo reveladoras de um convicto afecto pela  ideologia progressista? Não creio! Não creio, pela simples razão porque também assim não cria um outro ilustre valpacense - monárquico e progressista - que o deve ter conhecido melhor do que ninguém: Trata-se do seu próprio irmão, Joaquim de Castro Lopo, que é quem pouco tempo depois observou que José de Castro Lopo foi sempre um apaixonado da República «tendo apenas por considerações de família acompanhado por algum tempo os progressistas» acrescentando que as suas tendências democráticas transparecem dos seus escritos no semanário local O Povo de Valpaços. Conta-nos ainda que num jantar em Paris, chegou a proferir um brinde em honra a Rafael Bordalo Pinheiro «que com louvor se referiu na imprensa.»


Os últimos dias de José de Castro Lopo

Foram de grande sofrimento físico e de prostração moral os últimos dias vividos por este grandioso médico de Valpaços que, ironicamente, dedicou a sua vida, de corpo e alma, ao combate do sofrimento alheio. Acometido de doença mortal, quis, com admirável intrepidez, manter-se em Valpaços no exercício do cargo de subdelegado de saúde, mas o agravamento do seu estado de saúde, obrigou-o a mudar-se para Lisboa, fazendo-se internar no Hospital de S. José na esperança de aí, onde guardava boas recordações da sua alegre mocidade, conseguir algum alívio. Mas não lhe valeu o esforço, pois aí, no dia 5 de Outubro de 1910, redigiu uma carta de despedida à família, exprimindo a sua mais profunda dor perante a consciência de que era chegado o momento de se afastar das suas amadas filhas, mas não deixando transparcer, nessa sua última mensagem de dor, o mínimo sentimento de consolo perante o triunfo da sua amada República. Veio a falecer dois dias depois nesse Hospital, longe do consolo das filhas e dos netos que dele guardaram uma saudade indescritível.


O legado literário

Segundo opinião do seu irmão, Joaquim de Castro Lopo, que acerca da sua inteligência chegou a afirmar que «o destino funesto jamais deixou brilhar em todo o seu esplendor», José de Castro Lopo deixou poucos escritos. São contudo de enunciar as seguintes obras literárias:

1. Publicações locais:

• Publicação de artigos avulsos no semanário “O Povo de Valpaços”, na maior parte dos 33 números editados desde a sua criação, em 17 de Março de 1910, jornal de que era proprietário o seu genro, António Carolino Monteiro Guimarães, mas do qual era ele, Joaquim de Castro Lopo, o redactor principal. O semanário local foi suspenso a 13 de Novembro de 1910, isto é, cerca de um mês após a sua morte. Foi também articulista  em "A Voz de Chaves", onde publicou, segundo José António Soares da Silva, «composições líricas de valor» de que este autor destaca "Vita in Morte", na edição nº 22 daquele jornal com a data de 11 de Dezembro de 1898 (O Partido Progressista de Valpaços, pp.31-34). 


2. Publicações de natureza cientíca na área mèdico-cirúrgica:

2.1. Considerações sobre a “sarcina ventriculi, Lisboa, 1881. Teses de Formatura.
2.2. Publicações na Revista Portuguesa e Cirurgia Práticas:
Feridas penetrantes no abdómen, Vol I;
A Pneumonia no impaludismo, vol II;
Pústula maligna, Vol V;
Ferimentos do cérebro, Vol VI;
Acefalia incompleta, Vol VIII.


A família

José de Castro Lopo nasceu em Valpaços no dia 13 de Novembro de 1856 e faleceu, como vimos, no Hospital de São José, a 12 de Outubro de 1910. Parece ter sido o 6.º dos dez filhos de Constantino de Castro, natural de Argemil, e de Maria Joana Fernandes, natural de Valongo, ambas aldeias do concelho de Valpaços.

Era, portanto irmão, por ordem de filiação de: João Constantino, abastado homem de negócios que faleceu solteiro em Lisboa; Ana Maria de Castro que casou com seu primo, João Eduardo de Castro, filho de José Joaquim de Castro, com descendência; Luís de Castro que casou com Maria da Conceição Medeiros, com descendência; António de Castro, casado com Maria da Conceição Magalhães Pinto, filha do Padre Luciano de Magalhães Pinto, irmão do Morgado de Valpaços, Ayres de Magalhães Pinto, e da criada, Júlia, com descendência; Constantino que faleceu no Brasil com 24 anos, sem descendência conhecida; Joaquim de Castro Lopo ( nascido a seguir a José de Castro Lopo) casado com Emília Teixeira, com descendência; Maria da Graça de Castro Sarmento, casada com Gaspar Ferreira Sarmento, com desecendência; Maria Teresa que faleceu com 15 anos; Júlio que faleceu com 6 anos.

José de Castro Lopo era, pelo lado paterno, neto de José do Espírito-Santo de Castro e Maria Luísa da Costa, naturais de Ponte da Barca, que se estabeleceram como comerciantes em Valpaços com seus filhos, bisneto de Bento de Castro e Luísa da Costa, naturais de S. Tomé de Estourães, no concelho de Fafe, e trineto de João Luís da Costa e Maria Luísa Fernandes, naturais de Ponte-da-Barca. Pelo lado materno era neto de António José Fernandes, que foi alferes do exército no reinado de D. João VI, por carta real de 14 de Junho de 1825, e Francisca Teresa.

José de Castro Lopo viveu maritalmente com Filomena Sobral, uma senhora alegadamente nascida no seio de uma ilustre família com origens em Valença do Minho e com solar em Chaves,  de quem teve  duas filhas: Adelaide Augusta Sobral de Castro Lopo, casada com António Carolino Monteiro Guimarães, com descendência; Maria da Graça Sobral de Castro Lopo, casada com António José Pimentel, farmacêutico, também com descendência. 

Bibliografia e outras fontes

LOPO, Joaquim de Castro, O Concelho de Valpaços, por Valbel, 1954, Lourenço Marques
AMORIM Padre João Vaz de , Revista Aquae Flaviae, n.º14, 1995
MARTINS, A. Veloso, Monografia de Valpaços, Lello&Irmão, Porto, 2.ª edição, 1990
Manuscrito inédito: A Família Castro e Valpaços, por Maria Madalena de Castro Medeiros, 1956.
Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, Editora Cidade Berço, Guimarães, I Vol.*
*In http://www.dodouropress.pt/index.asp?idedicao=66&idseccao=564&id=3029&actionnoticia
SILVA, José António Soares da, O Partido Progressista de Valpaços, 1886-1910, Ed. CMV, s/d

Nota: Devido a novas informações de que se reconhece necessária credibilidade, esta publicação foi alterada pelo que difere da sua primeira versão publicada na data em epígrafe.

9 comentários:

  1. Excelente artigo sobre mais um ilustre Valpacense.

    Muito lhe deve a Vila e Concelho de Valpaços, tal como a seu irmão Joaquim. Interessante artigo e apenas tenho uma observação a fazer, tal como já deixei na caixa de comentários do artigo alusivo a Joaquim de Castro Lopo, onde deixei também a sua descendência de forma organizada e que julgo poder contribuir para quem se interesse pela historia de vida e percurso destas personalidades Valpacenses. A esposa de Constantino de Castro, que é minha tetravó, chama-se Maria Joana Fernandes e não Maria de Jesus. Em minha casa, julgo haver fotos da Senhora e no próprio Manuscrito, consta Maria Joana Fernandes. Obrigado

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  2. Excelente inciativa! Parabéns ao Dr. Leonel Salvado pelo trabalho desenvolvido em prol da história local.
    O Dr. José de Castro Lopo foi também articulista regular na "Voz de Chaves" onde publicou, inclusive, poesia.

    José António Silva

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  3. Caro Eugénio Borges. Começo por agradecer as suas observações para que com elas possa proceder as sempre necesssárias rectificações para que a divulgação dos factos ligados a figuras tão justamente veneradas como os Castro Lopo se chegue a todos os valpacenses com a maior correcção possível. Na verdade, na fonte que consultei da autoria de Maria Madalena de Castro Medeiros,consta Maria Joana Fernandes. A correcção já está feita. Devo ter sido traído por uns dados que recolhi no Fórum da Geneall.net de Pedro França, a respeito da certidão de idade de Joaquim de Castro Lopo. Farei a mesma correcção neste artigo. O meu Bem-Haja pela seu comentário e esteja à vontade para assinalar qualquer lapso que encontre neste blogue.
    Um Abraço.

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  4. Caro colega e Amigo José António.
    Obrigado pelas palavras elogiosas (esquece o Dr. a meu respeito!). Agradeço ainda a informação sobre a participação do Dr. Castro Lopo na "Voz de Chaves" que confesso não achei em nada daquilo que sobre ele que li, mas a informação que será devidamente acrescentada neste post. É este tipo de comentários de generosidade participativa que mais aprecio!

    Um Abraço

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  5. Boa noite, parabéns pelo excelente artigo, permita-me no entanto fazer uma pequena correcção, José Espirito Santo de Castro não era natural de Ponte da Barca, mas sim em Santa Maria de Murça.

    Como descendente do Joaquim de Castro Lopo, pelos Castro Lopo de Chaves, gostaria de poder consultar o manuscrito aqui mencionado. Alguma hipotese de obter uma cópia do mesmo? Tenho neste momento compilados dados genealógicos dos Castro Lopo desde 1692 quando ainda estavam em São Tomé de Estorãos.

    Grato pela atenção

    Cumprimentos

    Tiago Faro Pedroso

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    1. Exmo Sr

      Gostaria de saber se poderia fornecer mais alguns dados sobre D. Filomena Sobral
      que refere como sendo oriunda do Alto Minho, bem como sobre o solar em Chaves a que alude.

      Com a maior consideração

      António Garcia

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  6. Exmo Sr

    Gostaria de saber se poderia fornecer mais alguns dados sobre D. Filomena Sobral
    que refere como sendo oriunda do Alto Minho, bem como sobre o solar em Chaves a que alude.

    Com a maior consideração

    António Garcia

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    Respostas
    1. D Filomena Sobral era casado com DR José de Castro Lopo ,não viveu maritalmente era um Homem com dignidade ,CASOU e teve 2 filhas .
      Orgulho-me da família que tenho.

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    2. Tem prova do casamento? Estou convencido que não casou, senão vejamos. Em 8.5.1898 José de Castro Lopo foi padrinho de baptismo em Valpaços, vem mencionado como sendo Solteiro e a madrinha foi a filha Adelaide Augusta Sobral de Castro Lopo. Filomena Augusta Caldas Sobral, mãe da anterior, tinha falecido a 2.5.1895 em Valpaços. Se tivessem casado o padre teria escrito "viúvo".

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