sexta-feira, 9 de março de 2012

Memórias do Rabaçal

Por Leonel Salvado

A foto em grande plano é da autoria do Dr. Manuel Carvalho de Sousa, gentilmente 
cedida ao Dr. Medeiros Freitas e publicada em Moinhos, concelho de Valpaços.

O rio Rabaçal forma com o Tuela o Rio Tua. É um rio que nasce na Galiza e atravessava o território português no concelho de Vinhais a partir de onde o seu principal afluente, o Rio Mente, forma no Nordeste Transmontano uma parte da fronteira entre Portugal e Espanha. No território nacional este seu afluente, que também nasce na Galiza, serve para limitar os concelhos de Chaves e Valpaços no distrito de Vila Real, e de Valpaços e Mirandela no distrito de Bragança. Tal como o Tuela, o Rabaçal é um rio com importantes atractivos tais como uma praia fluvial com parque de campismo e alguns pontos de interesse histórico como pontes romanas e ruínas de seculares moinhos e açudes.

Ora, porque lamentavelmente não tem chovido e a água sempre foi um elemento essencial à vida, recordemos, tomando como exemplo o caso de Barreiros, a atenção que outrora era dada às fontes de abastecimento de água e aos providenciais recursos oferecidos pelo rio Rabaçal, bem como a laboriosa forma com que noutros tempos, e até um passado relativamente recente, esses recursos vitais eram explorados para garantir a imediata sobrevivência dos povos. Para além dos frutos da terra, uma substancial quota-parte de bens com que estas comunidades proviam ao sustento da suas famílias e à renda devida à paróquia dependiam dos recursos hídricos do meio natural, isto é os dos rios e suas margens.
Em 1758, naquela pequena freguesia do actual concelho de Valpaços, situada na margem direita do Rio Rabaçal,”o respectivo pároco, Padre-cura Baltazar Rodrigues da Rosa, da apresentação da Abadia de São Miguel de Fiães, deixava-nos nas “Memórias Paroquiais” as seguintes notas sobre a terra e os rios do seu “distrito”:

«É este povo da Província de Trás-os-Montes, Bispado de Miranda do Douro, Comarca de Torre de Moncorvo, termo da vila de Monforte de Rio Livre, Freguesia de S. Vicente.»[…]
«Os frutos que aqui se recolhem com maior abundância são centeio, milho, feijões, castanhas, azeite e vinho.»[…]
«Tem dentro do povo uma fonte que lança água com muita abundância, quente de Inverno e fria no Verão, com cujas qualidades se diz médica por não haver aqui pestes contagiosas, como nunca se recordam.»[…]
Entre o termo deste lugar e o das Aguieiras, passa o rio que aqui tem o nome de Rabaçal que é composto de três rios que se juntam por baixo da ponte de Vale de Armeiro que serão, daqui lá, três léguas. Um se chama rio do mesmo Vale de Armeiro, que tem seu princípio em Laxe Castro, lugar da raia entre a Galiza e Portugal; outro se chama o rio Mente que tem seu princípio em Castromil, lugar da raia entre Castela e Galiza e é principalmente na ponte do mesmo povo que se lança abundantemente. Outro se chama o rio Mousse que tem seu princípio no termo litoral do reino de Galiza. Estes rios perdem o nome em sozinhos e ficam-se chamando o rio de Rabaçal, que lhe dura até os Eixes, em cujo termo se junta em outro da mesma grandeza e se vai meter no Douro, em Foz Tua. Tem, pouco mais ou menos, de onde tem o princípio até que se mete no Douro, dezasseis léguas.
Não entra neste rio embarcação alguma por ser demasiadamente arrebatado em tempo de Inverno e passar por terra muito agreste e despenhada.
Cria muitos barbos, bogas e escalos antes de se juntarem os três rios. Se ponderado também se criam trutas em todos eles. No tempo do Estio se pesca nele com redes [varredouras?], e o resto do mais ano com chumbeiras, o que se faz livremente por não ter senhor particular que o impeça.
As margens deste distrito são infrutíferas, quase todas, por não terem terra que dê frutos e só no sítio da ponte da Corriça e no do Rabaçal dão azeite, milho, feijões e centeio, de tudo pouco, como também em outros sítios do Armeiro e aí nesses sítios há algumas oliveiras. Em todo o mais, não há nada e as árvores são silvestres.
Neste termo não tem pontes algumas, antes muita necessidade delas que, como tem poucas entradas por ele por causa de não se poder abrir caminho, [se passa a gente o rio, porém] por lhe ficar dificultoso atravessar ao não buscá-lo para as pontes que ficam longe e assim se tem afogado muita gente em barcas e muitas nas passagens de pedra.
Tem este Rio moinhos chamados parcelas que não impedem embarcações por não poderem subir por ele».[…]

In ANTT, Memórias Paroquiais 1758, Barreiras [Barreiros], Monforte de Rio Livre vol. 6.º, n.º 44a, p. 331 a 334

2 comentários:

  1. Rio Rabaçal, que banha parte da minha freguesia, Santa Valha, nomeadamente na área geográfica e/ou territorial do Gorgoço. Felizmente ainda um dos rios menos poluídos da europa. Vamos lá ver se com a continuidade desenfreada da construção das tais mini-hidrícas, (que não têm trazido, até ao presente, qualquer benefício para o município e suas gentes) esta página não se irá virar para o pior na nossa freguesia e não só. Tem como afluentes no nosso território, o rio (ribeiro) do Calvo e a ribeira de Santa Valha. Bons tempos em que os seus açudes serviam para levar a água aos inúmeros moinhos de rodizio em todo o seu curso e alimentar os inúmeros cardumes de peixes junto a estes. É sempre bom lembrar para não esquecer. Gosto.
    Amílcar Rôlo ( Valpaços)

    ResponderEliminar
  2. Obrigado mais uma vez pelo comentário e pelas preocupações ambientais quanto ao Rabaçal e seus afluentes, amigo Amílcar Rolo.

    ResponderEliminar