Por Leonel Salvado
O significado de cédulas
Como é, provavelmente do conhecimento geral, e com toda a certeza do conhecimento mais apurado de numismatas, coleccionadores ou simples adeptos da “notafilia”, os nomes “cédula fiduciária” ou, simplesmente “cédula”, servem para designar as formas de “dinheiro de emergência” ou “de recurso”, expressões de existem nas línguas francesa, inglesa e alemã, utilizadas em ocasiões de falta de metal e de moeda oficial, impressas em papel, postas em circulação, tanto pelo Estado como por outras entidades públicas e privadas. Trata-se,portanto, de “dinheiro divisionário” que pelo seu baixo valor e validade temporária se justificava a cunhagem sob a forma de papel, de fraca resistência e mais rápida deterioração.
Numa interpretação mais erudita, como a que nos é apresentada por Mário S. de Almeida, no Prefacio ao Catálogo Geral das Cédulas de Portugal, de sua autoria, editado pela Sociedade Portuguesa de Numismática (Porto, 1980), a palavra «cédula» deriva do latim «schedula» que significa «pequena folha de papel». Ainda segundo Mário S. de Almeida, na definição técnica de Pedro Batalha Reis (“Cartilha da Numismática Portuguesa” – Vol I, pp. 473-479, Lx, 1946) entende-se por cédula “a moeda divisionária de papel, cuja conversão é mencionada no cobre, em oposição a «nota», «moeda principal de papel, convertível numa circulação fiduciária em ouro ou em prata»”. Diz-se «fiduciária» por representar um valor que na realidade não possui e que é aceite apenas pela confiança («fiducia») “na garantia dada por quem a emite de que, quando se desejar, se poderá trocar por metal desse valor”. (M. S. de Almeida, Id.).
Resenha história das cédulas em Portugal
Segundo o mencionado autor do “Catálogo Geral”, houve três períodos distintos em Portugal que suscitaram a emissão de cédulas:
1. A crise resultante das guerras liberais e das dificuldades dos constitucionais em aprimorar o controlo da administração em todo o país. Os partidários de D. Pedro que vinham sendo perseguidos no Continente, encontraram refúgio na ilha Terceira, nos Açores aonde nem sequer aquele, afundado em dificuldades de vária ordem no Brasil, lhes podia valer. Este grupo de refugiados liberais chegava aí cada vez em maior número, apesar do bloqueio imposto pela Inglaterra aos desembarques nas ilhas. Assim a 14 de Maio de 1830, obtiveram os liberais refugiados da ilha Terceira, a formalização do Decreto pela Regência, com essa data, com a autorização para a emissão de três cédulas impressas, no valor de 500 réis, 250 réis e 100 réis. Foram as primeiras referências que se encontram acerca de cédulas no nosso país. Mas esta primeira experiência não parece ter passado do projecto, visto que nunca foram vistas, nem se sabe de ninguém que tenha visto as referidas cédulas.
2. A crise económica de 1891, durante a qual se verificou um desaparecimento do metal em circulação, sendo emitidas pela Casa da Moeda cédulas designadas como representativas das moedas de bronze, embora, o facto de só existirem exemplares com os valores entre 50 a 400 réis, representativas das cunhagens correntes em prata conduza à sugestão de que era este metal, tal como o ouro, o que se encontrava em falta nessa conjuntura de crise que assolou o país e obrigou o Banco de Portugal e alguns particulares a recolhê-los à pressa, sob pressão constante dos credores estrangeiros ou sob receio de uma bancarrota. É nestas circunstâncias que, no início do mês de Maio de 1891 se verificou a falência de dois importantes bancos portugueses, o Banco do Povo e o Banco Lusitano o que originou uma desenfreada corrida aos depositários do Banco de Portugal com o propósito de salvar as suas contas ou, na pior das hipóteses, trocar as suas notas por ouro, no que foram impedidos pelo decreto de 7 de Maio, que determinava a suspensão dessa convertibilidade. Em todo o caso, foram levantados 1200 contos de depósitos e trocados mais de 500 contos de notas por prata, todos estes valores depois açambarcados. Perante a suspensão de pagamentos pelo Banco de Portugal e a ruína de toda a estrutura económica portuguesa, ainda tentou o Governo evitar o pior, decretando, a 10 de Maio, uma moratória de 60 dias nas transacções bancárias. Debalde porém, já que o açambarcamento do ouro e da prata acentuou-se de forma mais célere, ao ponto de terem desaparecido completamente de circulação. É então que por todo o país se generaliza o acto de emissão de senhas ou vales por parte das entidades ou organizações comerciais, bem como os talões designados de “bonds” pela Câmara Municipal do Porto, com autorização oficial, que eram autênticas cédulas com aceitação geral por todo o país. Seguiu-se e emissão pelo Banco de Portugal, decretada a 9 de Julho, de notas de 500 e 1.000 réis, e pela Casa da Moeda, decretada a 6 de Agosto, de cédulas de 100 réis e 50 réis equivalentes, correspondentes, respectivamente, às moedas de bronze de 10.000 réis e 5.000 réis. Contando com a normalização da estrutura financeira, decretou-se a 13 de Agosto a proibição de emissões de cédulas e a recolha, no prazo de 8 dias das que se encontravam em circulação, com excepção da Câmara Municipal do Porto, que foi contemplada com o prazo de dois meses, prorrogado depois para o termo do ano civil. Também no Ultramar, segundo fontes oficiais, houve o Governo que proceder à emissão de cédulas oficiais, como aconteceu em Angola com as de 100, 200 e 500 réis que circularam em substituição das notas que eram correntes com mais alto valor, emitidas pela respectiva Junta da Fazenda. Não se conhece, todavia, nenhuma dessas cédulas.
3. A crise do Fim da Guerra de 1914-1918. Devem saber os mais assíduos visitantes do “Clube de História de Valpaços” que os assuntos relativos aos nefastos efeitos imediatos desta guerra e a impotência revelada pelas instituições democráticas da 1ª República e da chamada “República Nova” que foi um prelúdio do regime ditatorial do “Estado Novo”, já foram aqui objectivamente ventilados na categoria “Memorial [local/regional]. Este terceiro período da emissão de cédulas em Portugal assumiu proporções que nos autorizam a encará-lo como um período bem diferente dos dois anteriores. Como observa Mário S. de Almeida (Id., p. XVII), “voltaram a aparecer cédulas no nosso país, mas então, como de resto por toda a Europa, foi pela medida grande.” Estando a prata efectivamente já afastada de circulação (e do ouro nem se fala!), o problema que agora se punha era o da falta de a circulação das moedas de baixo valor, devido à escassez de cobre, bronze e cupro-níquel, açambarcadas com vista à sua utilização para fins industriais, para proverem às necessidades impostas pela máquina de guerra dos aliados e das mais prematuras campanhas de África. Segundo o autor do Catálogo Geral das Cédulas em Portugal, as cédulas que aparecem então são de valores muito mais baixos, na sua maioria de 1 a 5 centavos e com menos representatividade de 1/2 centavos a 10 centavos, sendo que as de 20 centavos e, excepcionalmente, as de de valores superiores, só apareceram após a grande inflacção de 1922. Mas até então, as cédulas passaram a ser emitidas por um grande número de Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, Associações Comerciais e outras instituições, com a particularidade de essas emissões terem sido deliberadas à revelia do Governo, já que não se conhece qualquer referência a legislação que a autorizasse, sendo, muito pelo contrário e à luz da legislação precedente, consideradas proibidas as emissões que não fossem as da Casa da Moeda.
As cédulas da Câmara Municipal de Valpaços
É no contexto do terceiro dos períodos mencionados que podemos enquadrar as cédulas fiduciárias emitidas pela Câmara Municipal de Valpaços, por deliberação datada de 1 de Abril de 1921 sob a presidência de José Joaquim Pereira Miranda Branco, um dos históricos do Partido Progressista em Valpaços que chegou a ser o Vice-presidente da respectiva Comissão executiva criada em 1897, o que se extrai do excelente trabalho da autoria de José António Soares da Silva, “O Partido Progressista de Valpaços”, editado em 2006 pela Câmara Municipal. As cédulas foram produzidas pela Litografia Nacional, no Porto.
É pena que as cédulas da Câmara Municipal de Valpaços de 1921 não pareçam ter merecido ainda a atenção devida e continuem a ser pouco conhecidas do público mais jovem do município, apesar de se saber da existência de algumas colecções particulares, como esta que iremos divulgar. Faço votos para que a Câmara Municipal considere a possibilidade de adquirir uma destas colecções e integrá-la no seu promissor projecto museológico para a cidade, sendo sabido que nas divulgadas "Opções do Plano do Município para 2010" já se anunciava que a cidade iria contar com um Museu Arqueológico e Etnográfico e um Museu do Vinho, e sendo de presumir que as obras para a construção da Biblioteca e Arquivo se encontram em fase de conclusão.
A colecção que aqui expomos é composta por cinco cédulas, consideradas “Comuns” ou “Vulgares” (três das quais foram depois sobrevalorizadas e são mais escassas). São cópias digitalizadas dos originais autênticos, dispostas pela ordem do seu valor primitivo. A face reversa é a mesma e é a que se encontra a encabeçar este post. Para as visualizar mais pormenorizadamente basta clicar sobre cada uma delas. As suas características são as que se seguem:
Grau de Raridade – cotações: C – Comuns ou vulgares (que quase todos os coleccionadores possuem e muitos as têm repetidas); E – Escassas (que muitos coleccionadores possuem, mas já faltam a bastantes).
Fonte: ALMEIDA, Mário S. de, Catálogo Geral das Cédulas de Portugal, S.P. de Numismática, Porto 1980, p.222.
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