D. Afonso Henriques e a Batalha de Ourique, desenhos de Jorge Miguel
A Batalha de Ourique, o mais célebre confronto militar entre as forças de D. Afonso Henriques e as dos muçulmanos desenrolou-se a 25 de Julho, dia de Santiago, de 1139, algures no Sul de Portugal e terminou com uma brilhante vitória das primeiras, alegadamente em número muito menor.
Trata-se de um episódio da História de Portugal, a respeito de cujos pormenores tem havido, desde o nosso primeiro historiador moderno, Alexandre Herculano, alguma falta de consenso. Com efeito, parece não haver acordo entre os historiadores, relativamente a questões de grande relevância, tais como a localização exacta da batalha, as forças militares envolvidas e o impacto imediato que ela possa ter tido na sociedade da época. Em contrapartida, não restam dúvidas de que a Batalha de Ourique contribuiu bastante para a afirmação da realeza de D. Afonso Henriques e, consequentemente, para a formação da Nacionalidade Portuguesa. Se a Batalha de S. Mamede já foi entendida, na expressão de José Mattoso, como “a primeira tarde portuguesa”, a Batalha de Ourique pode ser interpretada, em igual sentido metafórico, como “o despertar da Nacionalidade”.
Passamos a transcrever um texto que resume de forma clara e objectiva as principais questões que têm sido colocadas a respeito da Batalha de Ourique, com as possíveis respostas do respectivo autor a essas mesmas questões:
A Batalha de Ourique
Por CF
A Batalha de Ourique ocorreu a 25 de Julho de 1139, num local que as fontes denominam de Ourique (Aulic, Oric, Ouric), que na altura estaria no território controlado pelos muçulmanos (tunc cor terrae sarracenorum). No terreno defrontaram-se as forças “portuguesas” lideradas por D. Afonso Henriques, que havia partido de Coimbra, contra cinco “reis” mouros: Sevilha, Badajoz, Évora, Beja e um quinto de nome Ismar, que alguns autores pensam ser o alcaide de Santarém e outros de Elvas, sendo apenas esta uma das muitas dúvidas que envolvem esta importante batalha.
Foram as vitórias militares que asseguraram a D. Afonso Henriques, um território suficientemente vasto para se afirmar como um Reino, e foram estas também que permitiram que o Reino de Portugal fosse reconhecido internacionalmente como tal. Destas vitórias, Ourique é sem dúvida a mais importante, pois foi a partir desta que Afonso Henriques passou a utilizar o título de Rei (Rex).
Os títulos de Afonso Henriques
Após a Batalha de S. Mamede (1128), D. Afonso Henriques assume os destinos do Condado Portucalense, mas nunca se faz conhecer como Conde (comes). Na realidade, a utilização do título de Conde, marcaria uma clara submissão ideológica ao Rei de Leão, na lógica das relações feudo-vassálicas, um Conde tem sempre condição inferior à de um Rei. Assim, de forma a marcar cada vez mais a sua autonomia em relação ao Reino de Leão, e arrastando consigo o afirmar da autonomia do território por si governado, Afonso Henriques faz-se conhecer nos documentos oficiais com títulos que confirmam a sua ascendência régia (1), tais como Príncipe (Princeps) ou Infante (Infans).
Com a enorme vitória em Ourique, D. Afonso Henriques passa a ser considerado um importante líder militar internacionalmente, facto que este aproveita para se intitular de Rei. Esta vitória apenas confirmava o que há muito se vinha verificando: Afonso Henriques sempre tinha procedido como um príncipe independente, apesar da sua condição de vassalo. A partir de Ourique, onde é assumido o título de Rei, o processo de autonomia de Portugal dava um passo de gigante. Portugal tornava-se um Reino Independente, foi reconhecido pelo Imperador de Leão e Castela, logo a seguir pelos outros reis da Península Ibérica, e dezenas de anos depois, pelo papa, de quem Portugal se tornava vassalo em 1143.
A meu ver, no entanto, não se pode falar ainda em independência total, pois apesar de ter passado de Condado a Reino, Portugal, continuava a ser um território integrado numa unidade política maior, o Império de Leão. D. Afonso Henriques podia ser Rei de Portugal, mas era ainda vassalo do Imperador de Leão, isto tudo apesar da força política do Imperador, não se fazer sentir no território administrado por Afonso Henriques.
A batalha de Ourique
Constitui talvez o maior problema historiográfico português, o valor desta batalha no que respeita à sua localização, às forças militares envolvidas e à projecção que esta alcançou na sociedade daquela época.
Localização
Os primeiros historiadores como Alexandre Herculano, defenderam sempre que a Batalha teria ocorrido na povoação com o mesmo nome, no Baixo Alentejo. Autores recentes apontam outras alternativas como Vila Chã de Ourique (próximo de Santarém); Campo de Ourique (actualmente em Lisboa); Campo de Ourique (perto da nascente do Rio Lis, no distrito de Leiria).
A hipótese inicial de Ourique, parece estar um pouco abandonada, pois não só corresponde à lógica dos acontecimentos anteriores, como parece ser um empreendimento demasiado arriscado. Parece um pouco ousado, mesmo para D. Afonso Henriques, percorrer mais de 300 km em território hostil desde Coimbra, e travar um Batalha da qual, seria praticamente impossível de retirar em segurança, caso a contenda não lhe fosse favorável. Tem que se ter ainda em conta, que D. Afonso Henriques, poucos dias depois estava de volta a Coimbra.
As hipóteses de Vila Chã de Ourique e de Campo de Ourique no Lis, estão dentro do contexto das operações militares que se tinham vindo a desenvolver anteriormente. Após várias ofensivas muçulmanas a Coimbra, como resposta, os “portugueses” forçam a linha de fronteira, fixando-a no eixo Leiria-Ourém-Tomar, onde D. Afonso Henriques fez importantes doações às Ordens Militares, como forma de suster quaisquer tentativas de reconquista por parte do inimigo. É assim lógico que a batalha de Ourique tivesse ocorrido um pouco abaixo dessa linha, já em terreno inimigo.
Quanto à hipótese Lisboeta, ela parece ser um pouco afastada da região onde se costumavam confrontar as forças “portuguesas” e muçulmanas.
Componente Militar
As crónicas da época falam de uma batalha enorme, com dezenas de milhar de homens envolvidos. No entanto, os historiadores desde Alexandre Herculano, defendem que não se produziu um choque de exércitos, mas um “fossado” (2) ou ataque repentino “português”, que envolveu largas centenas ou talvez poucos milhares de homens.
Milagre de Ourique
Após a morte de D. Afonso Henriques, iniciam-se duas crónicas sobre a sua vida, a Gesta de Afonso Henriques e os Anais de Santa Cruz de Coimbra. Esta última crónica, fala na aparição de Cristo a D. Afonso Henriques de forma a incitar à vitória sobre os infiéis e dando assim protecção divina ao Reino que se estava a formar. Uma lenda deste género, numa época de grande religiosidade como a Idade Média, era a melhor forma de enaltecer a grande vitória “portuguesa”.
As Cinco Quinas
Foi Luís de Camões que eternizou a explicação do escudo português, onde o número dos reis vencidos era representado pelos cinco escudetes existentes no brasão de Portugal. No entanto, os selos e moedas posteriores a 1139 não comprovam essa tradição.
Notas:
1. D. Afonso Henriques era neto do Imperador Afonso VI.
2. Fossado – Guerra organizada e regular que implicava uma mobilização colectiva dos homens para o exterior das suas comunidades. O objectivo era saquear riquezas (ouro, cerais, gado, armas) e desgastar o inimigo, arrasando regiões inteiras.
in http://www.causanacional.net/index.php?itemid=26
imagem: http://faltaapagarolapis.blogspot.com/2010/02/afonso-henriques-bd.html