Por Leonel Salvado
Nota prévia: Se há uma História Concisa de Portugal, com a propósito de apresentar uma história que não demore muito tempo a ler, mas que dê uma imagem global da evolução histórica do povo português, não será certamente despropositado publicar nesta rubrica, para os valpacenses e para todos os que se interessam pela História de Valpaços, uma descrição do essencial da evolução histórica do concelho, devidamente fundamentada, contudo desprovida das inconclusivas controvérsias que nela se acham e que se revestem de natural interesse para os mais eruditos, mas certamente enfadonhas para os nossos demais leitores a que este o Clube de História de Valpaços também se propõe servir.
ARREIROS. As origens e a História desta freguesia de São Vicente de Barreiros, situada no extremo oriental do concelho de Valpaços e distrito de Vila Real, aparecem-nos indelevelmente ligadas às de outras freguesias do mesmo concelho, as de São Miguel de Fiães e de Nossa Senhora da Assunção de Sonim. Ainda que não existam provas concretas de que o local onde se localiza a única povoação que compõe a freguesia de Barreiros tenha sido habitada antes da fundação da Nacionalidade, tirando o facto de estar nas proximidades de Bouçoais e por isso se poder conjecturar, como tem sido feito, que a ocupação humana atestada nesta região possa ter abrangido o território circundante, incluindo o de Barreiros, as primeiras referências escritas que atestam a sua existência no século XIII permitem, remontar as suas origens aos primórdios do Reino de Portugal ou, quando muito, até a uma época imediatamente anterior.
Efectivamente, Barreiros aparece pela primeira vez mencionada num documento das Inquirições de 1258, ordenadas por D. Afonso III, na “terra e julgado de Monforte de Rio Livre”, com o designativo de “Villa” que, como se sabe, é uma forma toponímica comummente associada a um determinativo e muito usada na época que precedeu de perto a fundação da Nacionalidade. À data das referidas Inquirições, as “Villas” de Barreiros e Sonim possuíam igrejas próprias, porém integradas na paróquia de São Miguel de Fiães e portanto sujeitas eclesiasticamente a esta. Foram antigas Villas foreiras à Coroa, mas que foram deixando de o seu em favor de vilãos herdadores e proprietários. No caso particular de Barreiros se diz expressamente no documento que “fuit foraria regis”, isto é terra foreira do Rei, reportando-se a uma época mais remota, porque à data da sua redacção a possuía por “honra” um tal fidalgo de nome Rodrigo Lourenço, que a recebera de seu pai, Lourenço Rodrigues, mas que antes fora de Dom Garcia Peres, eminente fidalgo da “estirpe de Bragança”, filho de D. Pedro Fernandes de Bragança, este o mesmo prócere do reinado de D. Afonso Henriques cujos filhos e netos detinham a sua parte da “povoação honrada de Argeriz” pela mesma época das Inquirições de 1258. Ora, sabendo-se, pelos genealogistas, que aquele D. Garcia Peres (ou Pires) de Bragança viveu na segunda metade do século XII e posto que antes deste obter a Villa de Barreiros, ela já tinha sido foreira à Coroa, a fundação desta poderá remontar ao repovoamento dos séculos XI e XII.
Parece, assim, que nesta primeira fase da sua história que decorreu, grosso modo, durante a dinastia afonsina a povoação de Barreiros se manteve, juntamente com a de Sonim, integrada na freguesia de São Miguel de Fiães gozando dos privilégios e imunidade conformes à sua categoria de honra que as Inquirições de 1258 certificam. Não se sabe até que ponto, e até exactamente quando, esse estatuto de autonomia foi consentido pela Coroa e poderes municipais durante todo esse período e à medida que nesta parte do reino se foi implementando a política foraleira no sentido de uma maior centralização administrativa.
Logo a 15 de Maio de 1250, D. Afonso III concedeu a Chaves o seu primeiro foral, e a 4 de Setembro de 1273, a Monforte de Rio Livre. Não existem dúvidas de que a freguesia de Barreiros pertenceu, no passado, ao termo de Monforte de Rio Livre, sendo muito provável que, apesar de se tratar de uma honra, em qualquer momento desta primeira fase da sua existência tivesse passado a sujeitar-se ao julgado da cabeça deste concelho, sendo menos provável que alguma vez se sujeitasse à comarca de Chaves como sem qualquer evidência documental já foi afirmado por Pinho Leal na sua obra “Portugal Antigo e Moderno”.
Mais tarde, a freguesia de S. Miguel de Fiães, composta como a descrevemos com base na Inquirições de 1258, ter-se-há desintegrado, separando-se dela a sua filial paróquia de Sonim e, com ela, também a de Barreiros, após o que terão passado esta e a própria paróquia de Fiães, a sujeitarem-se a Sonim. Esta curiosa inversão de papéis na relação eclesiástica entre Fiães e Sonim, só passou a ser conhecida, e sustentada, com base em documentos muito posteriores, datados dos inícios do século XVIII que, todavia, não oferecem indicações precisas quanto à época e aos motivos da sua ocorrência.
De facto, em 1708 Sonim aparece na Corografia do Padre Carvalho da Costa como uma das quatro abadias do Padroado Real do termo de Monforte de Rio Livre, tendo como lugares que lhe estavam sujeitos, no referido termo, Barreiros, Fiães e Aguieira, sendo de estranhar que Carvalho da Costa não mencione qualquer igreja paroquial em Barreiros, ao contrário das restantes, mas apenas uma ermida e talvez seja por isso que haja quem se refira à freguesia como “tendo sido um simples lugar da abadia de Sonim”. A “descripçam topográfica” de Carvalho da Costa oferece-nos, ao mesmo tempo, a indicação objectiva de que estas terras pertenciam ao concelho de Monforte de Rio Livre. Nunca se esclareceu devidamente quando foram criadas tais abadias, e a de Sonim, em particular, mas atendendo a outras referências que se acham em documentos ainda mais recentes, tal deve ter sucedido no reinado de D. Afonso V, portanto já na dinastia de Avis, uma vez que, da mesma sorte como sucedeu relativamente às Comendas da Ordem de Cristo, também do Padroado Real, instituídas no mesmo termo de Monforte de Rio Livre, foram seus comendadores e donatários, durante mais de três séculos, os condes de Atouguia, título criado em 1448 por aquele monarca, em favor de D. Álvaro Gonçalves de Ataíde (1.º conde de Atouguia), filho de Martim Gonçalves de Ataíde, alcaide-mor de Chaves.
Em 1751 o Padre Luís Cardoso informava no 2.º volume do seu Dicionário Geográfico, relativamente a Barreiros, que havia “ Igreja Paroquial pequena, de uma só nave, dedicada a São Vicente Mártir” e que “antigamente era esta igreja anexa à de Nossa Senhora da Assunção de Sonim, que há poucos anos se desanexou e é hoje freguesia sobre si”. Será de supor que esta “desanexação”, noticiada pelo Padre Luís Cardoso, se devesse ao recrudescimento da decadência ou à própria extinção da abadia, poucos anos antes de 1751, mas certamente depois de 1734, já que ela aparece referida na biografia do Reitor de Mirandela, António de Sá Morais que depois de ter estado na Reitoria de Marialva passou “por fim para a Abadia de Sonim, onde ainda vivia” nesse ano, como se pode ler no Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses.
Em 1758 o pároco de Barreiros, em resposta manuscrita ao Inquérito das Memórias Paroquiais, testemunhava uma nova inversão na organização eclesiástica, afirmando ser ele cura da apresentação do abade da Abadia, desta feita, de São Miguel de Fiães, e o mesmo noticiaram, em conformidade com o mesmo inquérito nas respectivas exposições, os curas de Sonim e de Fiães, todos curas in solidum da mesma Abadia, do Padroado real, observando que, contudo, os abades viviam em Sonim por terem aí sua residência. Noticiava ainda o pároco de Barreiros o estado de abandono a que vinham sendo votadas pelo donatário da terra, o conde de Atouguia, as doações que aí lhes diziam respeito e que, por isso, as vinha perdendo para a Coroa.
Assim, do ponto de vista institucional e administrativo, nos meados do século XVIII, a freguesia de Barreiros, é descrita como um lugar da Província de Trás-os-Montes, do bispado de Miranda, comarca da Vila de Torre de Moncorvo, da Abadia (mais tarde da Reitoria) do Padroado Real, sendo de São Miguel do lugar de Fiães a cabeça dela, no termo da Vila de Monforte de Rio Livre. Sujeitava-se ao juiz ordinário e câmara da Vila de Chaves e aos “ministros” da cabeça da Comarca. Possuíam os seus moradores o privilégio de perdão Real quando acusados de deserção do devido serviço militar na praça de Chaves.
Relativamente à evolução demográfica da freguesia de Barreiros, em 1708 a povoação tinha 54 vizinhos e, segundo o Padre Luís Carvalho, em 1751, contava com 47 vizinhos, “tudo gente que [vivia] de suas lavouras e cultura de seus campos”. Em 1758 viviam em Barreiros 57 “moradores”, equivalente a 137 “pessoas de sacramento” e 39 rapazes e raparigas. Em 1868, na segunda edição da sua “Corografia”, o padre António Carvalho da Costa já lhe atribui um total de 104 fogos, e daí até aos nossos dias vem-se registando um progressivo decréscimo do número da população de Barreiros.
Quanto à natureza da terra, as actividades económicas e às dificuldades de comunicação, pela mesma época, em 1751, o padre Luís Carvalho anotava que a terra de Barreiros, não obstante a sua situação afogada – cercada de montes e outeiros – era “sadia e de bons ares”, colhendo com abundância centeio, vinho e castanha, bem como algum azeite e havendo na freguesia dois lagares para a preparação deste alimento. Sete anos depois, o pároco, aliás cura, de Barreiros mencionava ainda o trigo, algum milho e feijões, colhidos em menor quantidade, entrando o centeio e o vinho no cômputo da renda e estipêndio que lhe era devida. E pela sua “Memória Paroquial”, mais se sabe que existia dentro do povo uma fonte pública de abastecimento de água a que a população atribuía virtudes medicinais “por não haver aqui pestes contagiosas como nunca se recordam”; que os moradores pescavam no rio Rabaçal - no Estio com redes, e no resto do ano com “chumbeiras” - barbos, bogas, escalos e algumas trutas; que no rio havia alguns moinhos mas que, devido à falta de pontes, às poucas entradas e por não se poder abrir caminhos, muita gente se afogava nele ao quererem atravessá-lo em barcas e pelas passagens de pedra.
A freguesia de Barreiros manteve-se no concelho de Monforte de Rio Livre até à extinção deste, por Decreto de 31 de Dezembro de 1853, passando ao concelho Valpaços, que havia sido criado por Decreto de 6 de Novembro de 1836, e à comarca igualmente de Valpaços que o mesmo Decreto de 1853 também instituiu.
A paróquia de São Vicente de Barreiros pertence ao arciprestado de Valpaços e à diocese de Vila Real, desde 22 de Abril de 1922.
Fontes:
MARTINS, A. Veloso, Valpaços, Monografia, Lello & Irmão, Porto, 2.ª ed., Dez. 1990, pp. 171-172.
CAPELA, José Viriato et alii, Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758, Braga, 2006.
CARDOSO, Luís, Dicionário Geográfico, 1751, Vol II, pp. 70-71.
COSTA, António Carvalho da, Corografia Portuguesa e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal... (1706-1712), Livro Segundo,Tomo I, cap. III, pp. 432-433.
MORAIS, António de Sá, in Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte Capa Editora Cidade Berço. |http://td.dodouro.com
MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758, Barreiros, Monforte de Rio Livre, Vol. 6 n.º 44a, pp. 301 a 334, ANTT |http://ttonline.dgarq.gov.pt.
REGISTOS PAROQUIAIS, Valpaços, Paróquia de Barreiros, ANTT | Id.