Por Leonel Salvado
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A revolta da Maria da Fonte é um dos mais recordados temas da História Nacional protagonizados por figuras femininas, mas também um dos mais controversos relativamente ao significado real deste nome. O significado mais enraizado no imaginário colectivo é o que se pode encontrar, por exemplo, na Wikipédia, a enciclopédia livre, apresentado nos seguintes termos:
«Maria da Fonte, ou Revolução do Minho, é o nome dado a uma revolta popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista presidido por António Bernardo da Costa Cabral. A revolta resultou das tensões sociais remanescentes das guerras liberais, exacerbadas pelo grande descontentamento popular gerado pelas novas leis de recrutamento militar, por alterações fiscais e pela proibição de realizar enterros dentro de igrejas. Iniciou-se na zona de Póvoa de Lanhoso (Minho) por uma sublevação popular que se foi progressivamente estendendo a todo o norte de Portugal. A instigadora dos motins iniciais terá sido uma mulher do povo chamada Maria, natural da freguesia de Fontarcada, que por isso ficaria conhecida pela alcunha de Maria da Fonte.»
Carlos Leite Ribeiro publicou no “Portal CEN – CÁ ESTAMOS NÓS” um trabalho de pesquisa deveras interessante sobre a Revolta da Maria da Fonte intitulado “Dia Maria da Fonte – 15 de Abril”. Ainda que, mesmo à luz de uma atitude historiográfica de sentido crítico, isenta e desmistificadora, não subsistam motivos suficientes para esvaziar este movimento revolucionário, que se alastrou um pouco por todo o país (sete meses depois veio a repercutir-se na nossa região de Valpaços), da crença sustentada no imaginário popular segundo a qual ele foi preponderantemente protagonizado por algumas arrojadas mulheres do Norte, o autor apresenta-nos uma análise e uma interpretação bastante aceitáveis da “Revolta da Maria da Fonte” claramente fundadas no cruzamento e na ponderação dos dados de informação que recolheu em fontes diversificadas (ver Bibliografia consultada pelo autor no final do presente post).
Para melhor percepção do trabalho deste autor, entendi dividir o respectivo teor em quatro partes:
A REALIDADE E O MITO (NA VERSÃO ROMANCEADA DE CAMILO CASTELO BRANCO)
«Ainda hoje, o Hino da Maria da Fonte continua a ser a música com que se saúdam os ministros portugueses, sendo utilizado em cerimónias cívicas e militares. (Mas não é o Hino Nacional Português). O maestro Ângelo Frondoni compôs por essa ocasião um hino popular, que ficou conhecido pelo nome de Maria da Fonte ou do Minho, que respirava um certo entusiasmo belicoso; e por muito tempo foi o canto de guerra do partido progressista em Portugal. Camilo Castelo Branco escreveu um livro com o título Maria da Fonte, que trata minuciosamente deste assunto. São também interessantes os Apontamentos para a história da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte, pelo padre Casimiro. Na Biblioteca do Povo e das Escolas, o n.º 167 é a história da Revolução da Maria da Fonte, pelo Sr. João Augusto Marques Gomes. Um dos primeiros trabalhos do romancista Sr. Rocha Martins intitula-se Maria da Fonte.
Revolta da Maria da Fonte
Assim se chamou a revolução que rebentou no Minho contra o governo de Costa Cabral, mais tarde conde e marquês de Tomar. A causa imediata da revolta foram umas questões de recrutamento, e a proibição dos enterramentos feitos dentro das igrejas, em que desempenhou um papel irrequieto e activo uma desembaraçada mulher das bandas da Póvoa de Lanhoso, conhecida pelo nome de Maria da Fonte. Os tumultos multiplicaram-se, tomando afinal as proporções sérias duma insurreição, que lavrou em grande parte do reino.
A rainha D. Maria II, assustada com esta insurreição verdadeiramente popular, viu-se obrigada a demitir o ministério cabralista, chamando ao poder o duque de Palmela e Mousinho de Albuquerque, mas, quando, julgou que abrandara assim a revolução, e que o duque da Terceira, que nomeara seu lugar-tenente nas províncias do norte do país, poderia reprimir as indignações do povo e estabelecer ali a paz, deu o golpe de Estado de 6 de Outubro de 1846, e sem nomear Costa Cabral, formou um ministério pronunciadamente cartista, presidido pelo marechal Saldanha. Esta notícia foi transmitida ao Porto pelo administrador de Vila Franca, e excitou a cólera dos portuenses. Rebentou então a revolta com espantosa energia, o duque da Terceira foi preso, e nomeou-se uma junta provisória, cuja presidência se deu ao conde das Antas e a vice-presidência a José da Silva Passos, que era a alma da revolta, e irmão do grande ministro progressista Manuel da Silva Passos. O visconde de Sá da Bandeira apareceu no Porto, aderindo à revolução. A Junta do Porto é verdade que legislava em nome da rainha, e fazia-lhe manifestações de dedicação, mas o espírito popular estava sendo nessa ocasião bem pouco simpático à soberana, que desta vez tomara a iniciativa da contra-revolução, dando o golpe de Estado de 6 de Outubro. O Espectro, jornal redigido por António Rodrigues Sampaio, e que se publicava em Lisboa, sem que a polícia conseguisse descobrir a imprensa que o imprimia nem os seus redactores, atacou pessoalmente a rainha pela sua intervenção nefasta na política partidária.
A Junta do Porto, apesar de dispor de vastíssimos recursos, não era feliz, por causa da imperícia dos seus generais. Sá da Bandeira era batido em Vale Passos [VALPAÇOS] pelo barão do Casal; o conde de Bonfim era completamente batido em Torres Vedras pelo marechal Saldanha, em Dezembro de 1846, batalha em que foi morto o general Mousinho de Albuquerque; Celestino era destroçado em Viana do Castelo pelo general Schwalbach, o barão de Casal tomara Braga, os marinheiros de Soares Franco tomaram Valença e Viana do Castelo. Ainda assim a insurreição era tão forte, que, para se lhe pôr termo, foi precisa a intervenção estrangeira. Uma esquadra inglesa aprisionou a esquadra da Junta com a divisão do conde das Antas que ia a bordo, e um exército espanhol, do comando de D. Manuel Concha, foi ocupar o Porto. Ao mesmo tempo as tropas da Junta, comandadas pelo visconde de Sá da Bandeira, eram batidas no Alto do Viso pelo general Vinhais. A convenção de Gramido. de 30 de Junho de 1847, pôs fim a essa terrível insurreição, que tanto assustara a rainha, que nem sempre mostrou com os vencidos a clemência que se poderia esperar da sua generosidade. A revolução da Maria da Fonte é um dos episódios mais importantes da nossa história política do século passado. Foi nesse movimento que muito se salientaram homens, que se tornaram muito populares, como os dois irmãos Passos, Rodrigo da Fonseca Magalhães, José Estêvão Coelho de Magalhães, Manuel de Jesus Coelho, etc.
Maria da Fonte - por Mário Casa Nova Martins (Alameda Digital)
A Revolução do Minho em 1846, mais conhecida pela Revolução da Maria da Fonte, pode ser inicialmente identificada como uma revolta contra as chamadas «Leis de Saúde», mais concretamente contra a lei que proibia os enterramentos nas Igrejas, obrigando que os defuntos fossem sepultados em cemitérios. Mas, a par da oposição às «Leis de Saúde» estava a luta contra o aumento dos impostos decretado pelo Governo, traduzido na destruição das “bilhetas”, que eram os boletins das contribuições.
Também, a oportunidade da Restauração de D. Miguel. E, com o alastrar da revolta a outros pontos do País, a união de Cartistas, Miguelistas e Setembristas leva a que os Cabrais se vejam obrigados a abandonar Portugal. A Revolução da Maria da Fonte teve, portanto, consequências políticas muito para além do que os seus promotores alguma vez pensaram.
“Começara o ano de 1846 docemente reclinado nos fagueiros braços da mais bonançosa paz. A agricultura prosperava, o comércio desenvolvia-se, as artes floresciam, o crédito público aumentava, a viação começava os seus primeiros ensaios e as contribuições não escaldavam ”(1). Mas o Minho profundo, aquele Minho mais conservador e mais tradicional, estava a movimentar-se, primeiro em surdina, e depois pelos actos contra a proibição de enterrarem os seus mortos nas Igrejas. Contra as autoridades vão fazê-lo, em Março na freguesia de Garfe, antes na freguesia de Travassós, concelho de Guimarães, nos primeiros dias de Abril na freguesia de Fonte Arcada, e, quase no fim desse mês, no lugar de Simões. Estes acontecimentos eram protagonizados por mulheres, armadas “umas de chuços, outras de ferrelhas e pás de enfonar, muitas com choupas e sacholas, algumas com forcados e espetos” (2), que levavam o esquife, não permitindo a presença de homens.
As autoridades participavam estes atropelos à lei ao Governo Civil, mas não obtinham resposta. Somente a seguir ao caso em Simões é que foi emitida voz de prisão para Maria da Fonte e suas sequazes, que foram presas, à excepção da cabecilha que conseguiu fugir. “Na sexta-feira próxima em que havia confessores para a desobriga” (3), o juiz de direito, o delegado, o oficial de diligências e os adjuntos dirigiram-se ao lugar, e o povo começa a tocar os sinos a rebate, tendo as autoridades que fugir. “Foi então que apareceu a Maria da Fonte de clavina empunhada e duas pistolas ao cinturão, gritando: Vamos à cadeia tirar as presas! Viva o Senhor Dom Miguel!” (4). Chegados à Póvoa, são as presas libertadas, regressando a suas casas como heroínas. Entretanto, as autoridades enviam um destacamento de cinquenta praças do Regimento “8” para a Póvoa, que nada faz. Pouco tempo depois ocorre outro enterro, na freguesia de Galegos, onde Maria da Fonte e as suas companheiras voltam a aparecer.
Agora, a toda a gente é permitido assistir, participando o Clero plenamente na cerimónia. Desta ocorrência, são presos um homem e uma mulher, mas, “ao passarem na serra do Carvalho, lá vão tirá-los à escolta os moradores das próximas freguesias de Ferreiros e Geraz” (5). Entre 15 e 16 de Abril a revolta assume proporções inesperadas, com o ataque a Guimarães conduzido pelo Padre José das Caldas, e o ataque a Braga pelas gentes do Prado. Ao mesmo tempo são queimados todos os papéis dos arquivos da administração. Maria da Fonte participa em todos estes actos.»
A DESMISTIFICAÇÃO DA “MARIA DA FONTE”
«É importante que uma qualquer altercação da ordem estabelecida tenha um nome, ou esteja personalizada numa pessoa que, por vezes, se torne de difícil identificação. O imaginário popular necessita destas personagens, com as quais se tenta identificar, transformando-as em mitos. E, esses mitos passam de geração em geração, através da tradição oral, passando a fazer parte da história alternativa, o mundo da Tradição, enunciado por Julius Evola. A palavra “tradição” não tem, evidentemente, a mesma ressonância ou a mesma significação para todos os espíritos. De entre aqueles que se lhe referem, alguns pretendem falar da tradição cristã, outros da tradição europeia, fazendo, assim, alusão a correntes que estiveram associadas durante séculos, depois de terem nascido separadas, e que hoje, de novo, tendem em separar-se. Outros falam, ainda, de uma Tradição esotérica, que não é mais do que o fruto da sua imaginação e da sua credibilidade.
Tradição é a estrutura específica, reflexo de um esquema mental particular, no qual se foram inscrevendo, no decurso dos tempos, as diversas formas sócio-culturais da cultura dominante, e principalmente as tradições, isto é, o conjunto de hábitos e ritos consuetudinários característicos desta cultura (6).
O mito, a lenda ou a saga estão desprovidos de verdade histórica e de força demonstrativa e adquirem, pelo contrário, por essa mesma razão, uma validade superior, tornando-se fonte de um conhecimento mais real e seguro (7).
A Padeira de Aljubarrota, o Manuelinho de Évora e a Maria da Fonte são exemplos de personagens ligadas ao povo e que representam ainda hoje a simbologia contra o invasor, o despotismo fiscal, ou contra o poder central do Estado. Brites de Almeida, a Padeira de Aljubarrota, matou depois da batalha, sete castelhanos fugitivos com uma pá, cujos restos ainda existem, permitindo prolongar no tempo a ideia da bravura das mulheres portugueses contra os invasores castelhanos, e, mais tarde, franceses (8). A revolta do povo de Évora, em 1637, contra um novo imposto, durante a ocupação castelhana, conduziu à tomada da cidade, constituindo-se um poder efectivo, conquanto clandestino, de características perturbantes à face da lei e dos costumes, que endereçava a responsabilidade das suas proclamações e provisões ao Manuelinho, doido muito conhecido e popular em Évora (9).
Maria da Fonte é nome de mulher, mas, terá realmente existido uma mulher com esse nome, ou será apenas fruto de uma lenda? Efectivamente, os seus contemporâneos distribuíram os atributos da personagem por diferentes mulheres, de diferentes lugares. Uma é apresentada como irmã de um sapateiro de Simões, da freguesia de Fonte Arcada, de nome Maria Angelina, a quem chamavam Maria da Fonte, e fora processada e pronunciada nos tumultos da Póvoa de Lanhoso (10). Outra, era uma doceira de Valbom, nas vizinhanças de Lanhoso, que andava pelas feiras e romarias inculcando-se a Maria da Fonte (11). O jornal «Comércio de Portugal», de Lisboa, de 15 de Março de 1883, identificava Ana Maria Esteves, que teria, então, cinquenta e seis anos, nascida em São Tiago de Oliveira, Póvoa de Lanhoso, e casada com António Joaquim Lopes da Silva, como a Maria da Fonte (12). Finalmente, Maria da Fonte terá sido uma criança abandonada à beira da Fonte do Vide, no lugar do Barreiro, da freguesia de Fonte Arcada, que foi criada por Josefa Antunes, e que, por morte desta, passou a viver no lugar de Valbom, onde, finda a revolta, regressou, tendo posteriormente casado e partido, sem que mais se soubesse notícias dela (13).»
A PROGRESSÃO DO MOVIMENTO
«O baixo Clero desempenhou um papel determinante na Revolução do Minho, não só na disseminação da ideia, como na arregimentação do Povo para a guerrilha. De pouca cultura, mas com um forte sentimento quanto ao Sobrenatural e à Tradição, o Clero minhoto tinha como pastores espirituais homens rudes, integralmente dedicados ao Trono e ao Altar, como, entre muitos outros, os Padres João do Cano, José das Caldas, José da Lage, Manuel da Agra, e, o mais popular de todos, o Padre Casimiro. Padre Casimiro José Vieira, “Defensor das Cinco Chagas e General Comandante das Forças Populares do Minho e Trás-os-Montes”, nasceu no ano de 1817, em Vieira do Minho. Nas vésperas da Revolução da Maria da Fonte, “em Março de 1846 estudava retórica em Braga, habilitando-se para pregador. Era boa figura, tinha um lindo bigode preto, era muito pândego” (14). Profundo legitimista, de mero espectador da revolta popular, rapidamente passa à liderança daquelas gentes. “A força e a popularidade do Padre Casimiro residem, acima de tudo, na eficácia com que utilizou os parcos meios ao seu alcance. O principal desses meios foi, sem dúvida, o conhecimento do terreno. As subtilezas da psicologia não lhe são, também, desconhecidas. Totalmente consciente de que a sua guerra mais não poderia ser do que uma guerrilha de camponeses, mantém-lhe sempre o ritmo sincronizado pelo ritmo dos trabalhos agrícolas” (15).
“A principal tarefa que atribuía a si próprio era a defesa do Trono, na pessoa do Rei legítimo, D. Miguel I, e do Altar. A Igreja vivia uma época difícil no Portugal Liberal, e o sentimento profundamente religioso das gentes do Minho chocava-se com o que ia assistindo nas suas terras, e com as notícias que os almocreves e os pasquins lhes traziam das perseguições movidas pelos liberais. A propaganda liberal criou de D. Miguel I a imagem dos vencedores contra os vencidos, isto é, vencedores, atribuíram ao Rei legítimo um conjunto de adjectivos suezes, que não correspondiam à verdade daqueles tempos. O miguelista arquetípico definia-se, «depois da Convenção de Évora-Monte, simultaneamente saudoso do seu Rei e consciente dos erros e das imbecilidades dos poderosos que o cercavam e que o venderam como Cristo. Aí surge a figura de um outro D. Miguel I, bem diferente do usurpador caceteiro ou do campino da Vilafrancada, convencionalizados pela história, mas sim o Rei do povo miúdo, amado pelos soldados e pela arraia que se sacrifica na guerra sem saber perfeitamente o que era o liberalismo pedrista, a não ser uma vaga doutrina essencialmente anticatólica que os aterrava e punha em xeque todo um edifício de convicções multi-seculares” (16).
Padre Casimiro, tal como tantos outros Padres do Minho, é um convicto miguelista, e vai preparando as suas gentes e os seus guerrilheiros para a luta pela Restauração de D. Miguel I. “Decidido a restaurar D. Miguel I, adquiriu enorme prestígio entre as gentes simples dos campos e dos montes, foi incansável nos seus propósitos, fazendo frente aos destacamentos militares enviados de Braga para reduzirem à obediência os amotinados” (17). Chegou a controlar a área entre os rios Cávado e Ave, e a recrutar apoiantes em Trás-os-Montes. À facilidade com que enunciava os seus princípios, no Púlpito, ou aos povos que ia conquistando para a Causa, juntava-se a maneira popular, mas agradável, como escrevia nos diferentes periódicos do Norte, alimentando, com o exemplo e com a palavra, a missão a que se propusera, redentor de Portugal restaurando o Rei deposto.
A ligação entre D. Miguel I e o mito do miguelismo surge logo após o primeiro desterro para a Áustria, no seguimento da Abrilada, em 1824, onde D. João VI, por intervenção do Corpo Diplomático e perante as ameaças deste em abandonar Lisboa, ordena a sua exoneração de generalíssimo dos exércitos (18). «A mentalidade mítica, ao contrário do pensamento racional, apreende a realidade sócio-histórica como o resultado de esforços e de lutas de potências, que nas culturas sacras têm natureza santa e nas secularizadas natureza misteriosa, isto é, algo que não só não é explicado, como também não pode ser explicado racionalmente (19). Durante o tempo em que esteve ausente de Portugal, a política do Duque de Palmela mais fez crescer a saudade que, principalmente, o povo sentia de D. Miguel I. “A morte do controverso D. João VI daria pretexto, entre outras coisas, a que se começasse a falar do Infante, ‘cativo’ em Viena, como se fosse o “Desejado” e se exigisse o seu regresso” (20). Com o seu regresso, e durante o seu curto reinado, luzes, foguetes e festa rija foi o que mais houve em Portugal, além da profusão de procissões e de missas e Te Deum Laudamus em acção de graças (21). A principal característica do reinado de D. Miguel I foi a intensidade de actos religiosos, a pretexto de um qualquer acontecimento. Após Évora-Monte, e até à sua morte, o carácter religioso da sua vida evoluiu para um misticismo, no qual foi acompanhado pela Família Real no exílio. Em Portugal, em paralelo ao descalabro político-financeiro do País e ao aumento da repressão aos miguelistas, cresce o fervor e a saudade do “’Rei Exilado’, do “Rei Proscrito”, do ‘Rei Martyr’, ou, muito simplesmente, do ‘Desditoso’” (22). Ao tempo da Revolução do Minho, D. Miguel I era, para muitos, a última salvação para Portugal. Por todo o País se encontravam adeptos do Rei Legítimo, mas era, fundamentalmente, no Minho, berço da nacionalidade, que a saudade daqueles tempos se tornava mais aguda.
A Carta Constitucional de 1826 foi reposta no seguimento do golpe militar de 27 de Janeiro de 1842, dirigido, do Porto, por António Bernardo da Costa Cabral. Era o início do Cabralismo, e a esperança de uma ordem melhor, de conciliação nacional e de progresso. Todavia, pouco tempo duraram as esperanças do povo, que, em breve, se viu com uma nova e gravosa política fiscal, traduzida em novos impostos e empréstimos, enquanto a própria economia nacional era posta perante novos tratados de comércio e navegação ruinosos. No campo político, como resposta à grave situação social e financeira, dá-se a união da oposição ao Ministro do Reino, Costa Cabral, através de alianças, porventura contra-natura, dos Setembristas, Miguelistas e Cartistas dissidentes. Apresentavam um discurso comum na censura à administração económica, política fiscal, à organização administrativa e à estrutura municipal (23).
O Cartismo é a designação que se aplicou ao liberalismo moderado português, oposto ao extremismo Setembrista, triunfante em 1836. A doutrina política do Cartismo pretendia ser uma conciliação entre o poder real e a soberania da Nação, mas, sociologicamente, tinha a tendência para o imobilismo governativo e para o aristocratismo económico de tipo agrícola e comercial. A Carta Constitucional de 1826 foi outorgada ao País pelo Imperador do Brasil D. Pedro I, D. Pedro IV em Portugal, após a notícia da morte de D. João VI ter chegado ao Brasil (24). A Revolução de Setembro ocorre no dia 9 desse mês, com a chegada dos deputados oposicionistas nortenhos a Lisboa. À sua chegada foram recebidos, entusiasticamente, com “morras” à Carta e “vivas” à Constituição de 1822. O Governo Conservador do Duque da Terceira foi obrigado a demitir-se e a Rainha D. Maria II nomeia um Ministério favorável aos revoltosos, consumando-se a Revolução de Setembro. No aspecto ideológico, o Setembrismo teria sido a expressão política da tendência à inovação industrial contra as actividades nacionais rotineiras do alto comércio e dos grandes interesses agrícolas (25).
O ano de 1844 marca um crescendo na repressão cabralista. É a partir deste ano que começam a ocorrer tentativas revolucionárias em diferentes pontos do País, como o pronunciamento de Torres Novas a Almeida, a sublevação do Regimento de Infantaria “12” de Castelo Branco, e a revolta de estudantes da Universidade de Coimbra (26). As acusações a Costa Cabral de poder discricionário, no desrespeito das leis e voz do Parlamento, do coartar das liberdades públicas, tornando-se mais centralizador e oligárquico, iam subindo de tom, e foi necessário recorrer a processos menos limpos para vencer a oposição. “Recorrendo a todos os meios ao seu alcance, desde a máquina governativa à compra de influências, a firmeza do ministro acabaria por se impor aos adversários” (27). E, nas eleições de 1845 a oposição elegeu para a Câmara dos Deputados um número destes, que não inquietava o Governo.
O Decreto de 26 de Novembro de 1845, que reorganizava a saúde pública, curava dos serviços de sanidade no interior do Reino e dos portos de mar, ordenava que os enterros deviam fazer-se nos cemitérios, não era mais do que uma regulamentação do Decreto de 3 de Janeiro de 1837. Porém, veio acirrar mais o descontentamento contra Costa Cabral. É neste clima de protestos violentos, motins e agitação social, que se dão os acontecimentos de 19 de Março de 1846 na Aldeia de Santo André de Frades, Concelho de Póvoa de Lanhoso, marcando o início da Revolução do Minho. Para a combater “Costa Cabral nomeia seu irmão, José Bernardo da Silva Costa Cabral, ao tempo ministro da Justiça, comissário do Governo com ‘poderes extraordinários sobre todas as autoridades civis e militares da província do Minho, e as outras terras do Norte, em que possa rebentar a revolta, para exonerar de seus cargos e substituir como julgasse conveniente’” (28). Cognominado pela oposição como o “Rei do Norte”, José Cabral instalou um regime de terror, onde as prisões arbitrárias, os fuzilamentos e a confiscação de bens particulares eram a prática corrente. Ao mesmo tempo que esse clima de terror ia alastrando a diversas partes do País, começam a aparecer, primeiro por todo o Norte, depois na Beira e na Estremadura, Juntas Provisionais que faziam a apologia do direito à Liberdade do Povo, contra a Tirania. No Parlamento Almeida Garrett pede a demissão de Costa Cabral, e a Rainha D. Maria II, certa da impossibilidade de lutar contra o povo exonera o ministro odiado, que juntamente com o irmão, emigra para Espanha, dando fim à ditadura dos Cabrais.»
CONCLUSÃO
«A Revolução da Maria da Fonte foi uma revolução em que as Mulheres tiveram um papel fundamental no decorrer da acção. Os Miguelistas viram a sua crença ressuscitar, na esperança de um novo sebastianismo libertador. Os Cartistas livraram-se do ditador. Os Setembristas readquiriram forças para regressarem ao poder. O Povo continuou desiludido com o Liberalismo, que apenas favorecia a classe nova a que ele dera origem, os “barões” da alta burguesia.»
Bibliografia consultada
[1] Branco, Camilo Castelo - Maria da Fonte, pg. 22
[2] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 24
[3] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 26
[4] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 27
[5] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 28
[6] Benoist, Alain - Les Idées à L’ Endroit, pg. 115
[7] Benoist, Alain de - Nova Direita Nova Cultura, pg. 436
[8] Peres, Damião - História de Portugal, vol. II, pg. 391
[9) Serrão, Joel - Dicionário de História de Portugal, vol. II, pg. 491
[10] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 16
[11] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 17
[12] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 36
[13] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg. 30
[14] Branco, Camilo Castelo - ibid., pg.48
[15] Casimiro, Padre - Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte, pg. 11
[16] Costa, Francisco de Paula Ferreira da - Memórias de um Miguelista, pg. 14
[17] Dória, António Álvaro - Dicionário de História de Portugal, Vol. I, pg. 519
[18] Serrão, Joaquim Veríssimo - História de Portugal, vol. VII, pg. 395
[19] Pelayo, Manuel Garcia - Los Mitos Políticos, pg. 18
[20] Silva, Armando Barreiros Malheiro da - Miguelismo Ideologia e Mito, pg.264
[21] Silva, Armando Barreiros Malheiro da - ibid., pg. 265
[22] Silva, Armando Barreiros Malheiro da - ibid., pg. 286
[23] Mattoso, José - História de Portugal, vol. V, pg. 110
[24] Carvalho, Alberto Martins de - Dicionário de História de Portugal, vol. I, pg. 500
[25] Serrão, Joel - Dicionário de História de Portugal, vol. V, pg. 561
[26] Serrão, Joaquim Veríssimo - ibid., vol. VIII, pg. 104
[27] Serrão, Joaquim Veríssimo - ibid., vol. VIII, pg. 105
[28] Dória, António Álvaro - Dicionário de História de Portugal, vol. I, pg. 183