quarta-feira, 4 de abril de 2012

Solares do concelho de Valpaços – Solar dos Machados

Por Leonel Salvado

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Como tive oportunidade de realçar, em notas prévias às duas edições anteriores desta série de publicações, das três casas brasonada existente em Possacos, esta é a única cujo nome pelo qual é hoje vulgarmente designada, “o solar dos Machados”, se confirma, ainda que parcialmente, através de uma leitura das armas que se encontram representados no respectivo brasão.

O solar
Parece evidente que o imóvel se encontra um pouco descaracterizado relativamente à sua traça primitiva em consequência das obras de remodelação a que foi sendo sujeito ao longo dos tempos, mas talvez seja de sustentar que se trate do mais antigo solar da localidade de Possacos, como em 1943 admitiu o Padre João da Ribeira, em “Por Montes e Vales… Terras de Monforte e Terras de Montenegro”, trabalho publicado em várias edições no “Comércio de Chaves” (1939-1947) e reeditado recentemente na Revista “Aquae Flaviae”, ao descrevê-lo da seguinte forma:

«Das casas solarengas […], a que tem aspecto e feição de mais antiga, é uma que fica em um pequeno bairro, para além do Largo da Fonte e à margem esquerda da estrada que leva à Torre de Dona Chama. A sua entrada é um amplo portal encimado por uma cruz latina e pirâmides flamejantes, vendo-se ao lado, mas já ma parede do corpo do edifício, o brasão de armas em fina cantaria regional […] Em uma das salas desta casa, tivemos o ensejo de apreciar, no tecto em cúpula octogonal, uns curiosos frescos, representando cenas venatórias, acompanhadas de sentenças alusivas e de fundo moral, costume esse bem peculiar e característicos dos passados séculos XVI e XVII.»

Revista Aquae Flaviae, Chaves, nº14, 1995, pp. 167-168

Como se pode constatar, com alguma dificuldade, a partir da observação da foto que representa o estado actual do conjunto do edifício, o portal descrito pelo autor ainda existe, sem aparentes alterações estruturais (ao fundo na foto). A fachada encimada ao centro pela pedra de armas é constituída, na parte inferior esquerda, por uma porta de verga recta sobre a qual se erguem, dos lados, duas janelas sacadas e uma varanda de pedra assente sobre dois pares laterais de cachorros simples. No mesmo nível, do lado oposto existem mais duas janelas semelhantes, cada uma com sua varanda, do mesmo tipo. Alguns pormenores estéticos da sua fachada, como é o caso da cornija direita que enquadra em espirais simétricas a pedra de armas e que se encontra pintada de branco (na foto), sugerem uma construção de feição renascentista ou dela reminiscente, o que me induz, em favor da observação que nos ficou do Padre João da Ribeira na segunda parte do excerto que dele transcrevemos, remontar a construção original deste edifício pelo menos ao século XVII. Outro facto que pode estar associado a esta Casa solarenga, numa perspectiva ainda conjectural, é o da existência de uma capela da invocação de Santo António a que o pároco do Possacos, vigário Baltazar Fernandes de Figueiredo aludia num manuscrito das “Memórias Paroquiais de 1758” cuja transcrição para leitura actualizada foi publicada aqui no Clube de História de Valpaços, como estando situada “dentro do lugar” (de Possacos) e administrada por uma “Maria Machada” (leia-se Maria Machado) moradora no mesmo lugar. A relação foi-me sugerida por Rui Freixedelo, um genealogista com ascendentes em Possacos que num comentário à referida Memória Paroquial no blogue Clube de História de Valpaços e em contactos posteriores me informou possuir dados de uma Maria Machado, moradora nos Possacos cujo testamento em favor dos seus três filhos data de 1774. É possível que se trate da mesma pessoa e, posto que a prerrogativa que vemos ser-lhe reconhecida costumava caber, sobretudo tratando-se de senhoras, a pessoas de elevado estatuto social, também admito que a dita senhora pertenceria à família em posse do Solar dos Machados e que a referida capela se encontraria inserida nesta casa, como era ordinário suceder nas demais casas solarengas, a algumas das quais também se encontravam vinculadas outras capelas fora do seu espaço principal. Este será um dado a confirmar junto dos actuais proprietários do imóvel.

O brasão
O insigne erudito, apaixonado pela história e pela heráldica a que tenho vindo a recorrer, “João da Ribeira”, aliás Padre João Vaz de Amorim, refere no estudo já mencionado, mas de uma forma vaga e omissa quanto à fonte de informação que lhe serviu de base para essa referência, que “o velho solar pertenceu em tempos passados a uns senhores Machados, oriundos de Fornos de Pinhal, e à antiga família Carvalho, de Serapicos, freguesia das proximidades de Carrazedo de Montenegro”. No que respeita à família Carvalho não disponho do mínimo fundamento para refutar tal informação, mas se o solar em causa esteve na posse dessa antiga família não creio que essa posse sucedesse desde tempos antigos. Quanto aos Machados, procedendo da mesma leitura das armas representadas no brasão que o solar ostenta, não posso estar mais de acordo com tal informação, ainda que não me pareça suficientemente claro que a família Machado fosse oriunda de Fornos de Pinhal. A única relação que conheço de alguém com o sobrenome Machado, de Possacos, com Fornos de Pinhal é o documentado facto de Francisco Manuel Machado (filho de Maria Machado, atrás mencionada) ter sido casado, pela segunda metade do século XVIII, com Engrácia Maria Vilares da Fornos de Pinhal, dados genealógicos que me foram gentilmente fornecidos por Rui Freixedelo. Em todo o caso, prevalece a dúvida se estes Machado de Possacos serão da mesma família Machado a quem coube a posse do solar e a que ainda se deve o nome.
Estranhamente, talvez sugestionado pelas informações que atrás transcrevemos, “João da Ribeira” fez uma interpretação parcialmente errada da pedra de armas do “solar dos Machados” quando dela deixou as seguintes declarações:

«E, na verdade, no escudo esquartelado do brasão lá se acham as divisas dessas famílias, ou sejam – “os cinco machados postos em aspa e a estrela de ouro, entre uma quaderna de crescentes de crescentes de prata”.»

Como fui alertado, e muito bem, por Rui Freixedelo, quando lhe manifestei a minha estranheza por não se vislumbrar no escudo nenhum sinal das divisas da família Carvalho - que são, exactamente as que o Padre Vaz de Amorim refere – o que se afigura como mais evidente é que, para além das dos Machado (correctamente interpretadas) as restantes divisas serão das famílias Morais (com algumas reticências) e dos Alão (com a maior certeza). De facto, como se vê na pedra de armas apresentada na foto, que julgo ser datável do século XVII, o escudo não é sequer verdadeiramente esquartelado, mas antes partido (esquartelado só o é o partido das armas plenas dos Alão). A minha leitura da pedra de armas em causa é a seguinte:

Partido I – 1: MACHADO – (de vermelho), com cinco machados de prata (encabados de ouro) e postos em sautor ou aspa (X); 2: MORAIS* (?) – (de vermelho), com uma torre torreada (de prata) rematada por uma bandeira (que parece conter uma árvore).
Partido II – ALÃO** - esquartelado: o primeiro e o quarto quartel xadrezados (de ouro e vermelho), de seis peças em pala (na vertical) e seis em faixa (na horizontal); o segundo e terceiro (de campo azul), com cinco flores-de-lis (de ouro) postas em sautor ou aspa (X).
Timbre – A torre do escudo.

Faz portanto algum sentido que esta casa solarenga tenha pertencido primitivamente a uma família que poderia chamar-se de “Alão de Morais Machado”.


*Talvez não seja de estranhar que nas armas dos Morais não figure no escudo a árvore, pois a representação de árvores nos brasões de armas só se tornaram comuns no século XVIII (como a que se vê na pedra de armas dos Morais Pinto no Solar designado de António Terra, também em Possacos).

**Família pré-nacional proveniente de Bragança.


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2 comentários:

  1. Excelente artigo que sintetiza muita informação sobre o Solar.
    Obrigado por continuar o bom trabalho neste blog, o qual já não dispenso a leitura assídua.
    Cumprimentos

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  2. Caro amigo Rui Freixedelo. Como sabe,estas notas que nos atrevemos a publicar a respeito do Solar dos Machados devemo-las em grande parte a si, à sua curiosidade que nos serviu de estímulo e às suas perspicazes dicas sobre a respectiva interpretação heráldica (embora se diga pouco familiarizado com esta área), e por tudo isso lhe estamos sinceramente gratos, desejando que nos continue a acompanhar com a habitual assiduidade.
    Com os melhores cumprimentos,
    Leonel Salvado.
    Os melhores cumprimentos

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