…até quando?!
Por Leonel Salvado
Foto da autoria de António Espinha Monteiro
| in http://www.burroslanudos.com | reprodução autorizada
Se formos capazes de nos livrar de qualquer tipo de preconceito, olhar em volta e procurar em todas as áreas do nosso património os valores que ameaçam perder-se para sempre, poderemos também ser capazes de reconhecer que entre elas figura uma importante referência tradicional – o burro! E o facto de uma das mais resistentes raças asininas portuguesas, também já ameaçadas de extinção, ser justamente a do “burro lanudo mirandês” deve constituir entre os transmontanos orgulhosos do seu património mais um motivo de orgulho e de séria preocupação do que apenas um motivo de mera e proverbial brincadeira.
Temos de reconhecer que o burro, apesar de, devido ao seu temperamento dócil e submisso, ter sido transformado pelo homem numa referência de personificação pouco lisonjeira, que é a que todos conhecemos, usamos e abusamos, foi uma das espécies que mais contribuiu para satisfazer as múltiplas necessidades materiais e culturais da Humanidade. Desde a sua domesticação, que se supõe ter ocorrido no Antigo Egipto há mais de 5 mil anos, anterior à do cavalo, com a designação o “Equus asinus europeus”, assim designado para o distinguir do “Equus asinus africanus”, outro tronco asinino proveniente da bacia do Nilo, o burro europeu foi sendo imortalizado na iconografia na literatura religiosa e pagã, bem como em todas as outras expressões da cultura erudita e popular, como são as fábulas e os provérbios, onde ele surge como personagem central. Mas esta grande figura da História da Humanidade que resistiu, com a serenidade que lhe é peculiar, a todas as provações por que a espécie humana o fez passar, inicialmente destinado à alimentação humana, depois à produção de híbridos e mais tarde para os serviços de carga e transporte, encontra-se hoje em perigo de extinção, assim em Portugal como no resto da Europa.
Em Portugal, a única raça existente, segundo os especialistas em filogenia asinina doméstica, é a do burro lanudo mirandês, da qual, em 2002, existiam menos de dez indivíduos reprodutores. A principal causa da redução drástica destes animais em Portugal é do mais elementar conhecimento geral, mas a questão relacionada com a preservação e recuperação da espécie é bastante delicada e preocupante, segundo o que se depreende das declarações de Miguel Nóvoa, responsável pela Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino:
«A diminuição drástica destes animais parte da mecanização da agricultura, que tornam o burro menos importante na sociedade. Para constatar a sua importância actualmente temos de visitar países como Marrocos, Etiópia e Somália entre outros, nos quais os burros são utilizados diariamente para a recolha de águas e outros bens. Em Portugal esperamos poder continuara a trabalhar para um aumento da raça que neste momento se situa entre 800 animais, ou seja, 800 fêmeas reprodutoras. Irá diminuir este número drasticamente nos próximos anos, porque apenas conseguimos ter cerca de 80 nascimentos por ano dos quais apenas 50% serão fêmeas. Devido à idade avançada dos animais existe um maior número de mortes do que nascimentos. Há que continuar a trabalhar para que futuramente consigamos inverter esta tendência.»
Fonte: Carlos Santos, Terra de Miranda - Trazer o burro para o século XXI, in Café Portugal
Do «ESTIGMA do cria-burros» ao estrelato da criação
Quando o grito de alerta ecoou em Portugal, vários portugueses acorreram em defesa deste património, uns por inerência da sua formação ou vocação profissional, outros por mera simpatia, mas com igual mérito, e um desses portugueses, a quem rendo aqui as minhas homenagens, pela devoção que tem dedicado à causa da preservação da espécie asinina mirandesa, é o biólogo António Espinha Monteiro residente em Castelo Rodrigo. Vale a pena conhecer a sua obra, pelas suas próprias palavras.
António Espinha Monteiro
«Sou Biólogo de formação, escolhi as terras de Figueira de Castelo Rodrigo para viver por opção profissional e por aqui se encontrarem todas as minhas raízes familiares. Em terrenos agrícolas, alguns dos quais já eram dos meus bisavós paternos, nas freguesias de Vermiosa e Castelo Rodrigo, estabeleci a partir de 1999 uma pequena exploração agrícola de 18 hectares dedicada exclusivamente à criação de burros. Nesta actividade, ainda que seja exclusivamente um hobby, fui o primeiro criador nacional de asininos da raça Mirandesa. Desde 2002, estou nomeado pelo Ministério da Agricultura como representante nacional dos criadores desta raça, e nesse papel tenho colaborado com a Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino.
Porquê criar burros
Tudo começou em 1999 com a compra da primeira burra lanuda. Essa compra surgiu pelo interesse que me despertou o contacto com os burros pois estava a acompanhar um estudo zootécnico sobre os asininos existentes no Parque Natural do Douro Internacional. Nessa altura parecia-me uma certa loucura, um verdadeiro estigma, pois estava no ar o peso da imagem negativa que estes animais ainda possuem, eles são frequente motivo de troça e gozo, pensei que ficaria associado pessoalmente a essas características. O primeiro animal que adquiri a burra Sendinesa (porque veio da zona de Sendim) custou 135 contos (cerca de 675 Euros), e mantive-a sozinha durante algum tempo, quase como experiência. Meses mais tarde achei que esta precisava de companhia e uma vez que havia, nessa altura, muito mais oferta do que procura, comprei mais 2 animais.
Pelo contacto com esses e outros animais jovens que entretanto fui adquirindo, em especial a Franjinhas (fui buscá-la a um negociante de gado na véspera de ser “embarcada” via TIR para Espanha!? para ser convertida em ração para cães), acabei por estabelecer as bases de pequeno projecto de criação de animais com aquelas características (semelhantes à raça Zamorana), ou seja animais com pelo denso e comprido, cor castanha escura, porte elevado, patas grossas e lanudas. Entretanto fui adquirindo e trocando animais até reunir o lote de 12 fêmeas e 2 machos (cheguei ter o dobro), que incluem as características zootécnicas e morfológicas que procuro (dentro da raça Mirandesa). Inicialmente pensava vir a organizar passeios de burros, mas optei por falta de tempo, por me dedicar exclusivamente à criação destes animais, esperando conseguir, através da venda dos animais nascidos na exploração, alguma sustentabilidade económica que pelo menos me assegure o pagamento das despesas associadas à satisfação pessoal de contribuir para salvar a raça Mirandesa.
Burros mediáticos
Os nossos burrinhos são muito mediáticos:
- Noticia na revista Focus (2002)
- Noticia na revista National Geographic (2003)
- Noticia no jornal regional “Terras da Beira” (2004)
- Imagem em reportagem na revista Volta ao Mundo (2004)
- Notícia no jornal Terras da Beira (2004)
- Notícia no jornal Nova Guarda (2004)
- Notícia Amigo da Verdade (2004)
- Anuncio da Lipton ICE TEA (Troll!!!!) – Verão de 2004
- Quinta das Celebridades (Outubro a Dezembro de 2004)
- Grande Reportagem (Dezembro de 2004)
A burromania??
“Os burros estão na moda”, é uma frase que cada vez com maior frequência se tem ouvido. Eles aparecem agora mais que nunca na TV, nos jornais, na net, são motivo de conversa já não tanto como motivo de troça e chalaça mas pelas características próprias deste animal, onde se destacam a docilidade, a tranquilidade a curiosidade. Será talvez, e finalmente, o lento despertar da sociedade portuguesa para a salvaguarda deste recurso genético. Será que ainda vamos a tempo? E será que fará sentido? A olhar pelo que se tem passado noutras nações europeias tudo indica que sim. O Reino Espanhol protege activamente a raça (de burros) Zamorana desde a Idade Média e tem presentemente 4 raças oficiais, em França estão declaradas 10 raças de burros (é possível encontrar, na net, mais de 70 associações e criadores), em Inglaterra há quintas com centenas de animais, etc. Com certeza não temos que abraçar a lavoura e por as máquinas agrícolas de parte para dar uma razão de ser à existência do Burro. São agora outras as utilidades e potencialidades deste animal na paisagem agrícola moderna. Destaca-se o seu uso em passeios turísticos ou recreativos, a pé, montando ou com charrete, por vezes associado ao turismo rural. Outras actividades são a asinoterapia, a educação ambiental (Quintas pedagógicas), a produção de leite, a produção mulateira, o uso como animal de companhia e o uso como ferramenta viva no controlo de plantas infestantes.
Os burros permitem também, e mais do que outros animais domésticos, que por momentos nos desliguemos do mundo e fiquemos simplesmente a admirá-los percorrendo a pastagem verdejante nalguma tarde de Primavera, quais “golfinhos de lameiro”. A capa de pelo denso e comprido que espelha a sua rusticidade e conforto num ambiente algo hostil, as suas grandes orelhas que exprimem curiosidade, o olhar tranquilo e nostálgico que lhe dão um ar inofensivo mas independente, são os sinais desse glamour rural que estará sempre na moda.»