Por Leonel Salvado
Estátua de D. Afonso III, conquistador de Faro
http://algarvefarense.blogspot.com
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A questão sobre conquista de Faro por aquele monarca tem gerado desde há vários anos algumas alguma controvérsia, com base em alegadas incongruências achadas por determinados historiadores na sua interpretação da “Crónica da Conquista do Algarve”. Assim, desde logo a polémica sobre a forma como foi esta cidade algarvia obtida pelos portugueses (se por via da conquista militar ou se por negociação). Outra realidade que se chegou a colocar em causa foi a da presença e participação activa do próprio rei por não ser líquido que nessa data aí pudessem encontrar-se aqueles que deviam ser os seus melhores apoios militares (o Mestre da Ordem de Santiago, D. Paio Pires Correia e do seu, do rei, alferes D. João Afonso) no acto da “conquista” pelas forças cristãs ou da “entrega” pelos muçulmanos da cidade, acrescendo ainda a realidade de que nem sequer acompanhavam o monarca os representantes da principal nobreza portuguesa. Partiam estes historiadores do facto de essas figuras não constarem na lista dos confirmantes da doação régia efectuada pelo rei, já em posse da cidade, apresentada na Crónica. Contudo, o trabalho realizado por Henrique David e José Augusto P. de Sotto Mayor Pizarro intitulado “A Conquista de Faro, o reavivar de uma questão” apresentado na III Jornada de História Medieval do Algarve e Andaluzia, em Loulé, de 25 a 27 de Outubro de 1987, trouxe nova luz a estas questões. Reafirmam estes historiadores a presença de D. Afonso III no próprio acto da conquista e a possibilidade da presença também dos dois principais chefes militares atrás referidos, bem como a confirmada presença de uma mole de nobres portugueses que lhe permaneceriam fiéis até à sua morte e os mesmos autores não encontram razões para refutar a tomada da cidade pela conquista militar, obviamente havendo os portugueses tirado partido da fraqueza dos opositores muçulmanos, seus ocupantes, em consequência da perda das praças do vale do Guadiana e da parte Oriental do Algarve. Termina este estudo com a seguinte conclusão:
“A conquista de Faro poderá, assim, ter servido duplamente os interesses de D. Afonso III. Por um lado, colocara um travão no monopólio das ordens, sobretudo à de Santiago, no processo da conquista algarvia e, por outro, ganhava a confiança de um certo número de famílias que o servirão a si, e mais tarde, a seu filho.”
In http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6410.pdf
Mas não deixa de ser curioso que a tese da “entrega” e não da “conquista” de Faro continua a adquirir adeptos. A 18 de Março último foi publicado o artigo que se segue que, além de favorecer essa interpretação, faz uma interessante reportagem sobre a passagem de Faro dos Árabes para os Cristãos e do estabelecimento do domínio português no Algarve pelo Tratado de Badajoz de 16 de Fevereiro de 1267.
Faro na Primavera de 1249
Folha do Domingo – Diocese do Algarve, 18/03/11 - 19:24
"Não há dúvida que o Algarve ocupou um lugar central de interesse e preocupação nos dois reinos ibéricos"
FOI, com a primavera, a 29 de Março de 1249, que a cidade de Faro (Santa Maria de Farun) passou dos Árabes aos Cristãos. Há 762 anos."
Muitas são as versões da conquista de Faro aos mouros. As conquistas foram, quantas vezes, determinadas em diplomacia. Os conquistadores que tomaram a cidade, a meio do século XIII, multiplicaram-se em harmonias, em guerras palacianas e familiares, como de grupos, fortalecendo-se em interesses, ou enfraquecendo-se.
Todos os impérios têm os seus declínios pelas circunstâncias da própria natureza de o serem... Para a conquista de Faro construiu-se, para o popular, a lenda do encantamento, o amor, a traição de uma princesa árabe, de nome Alandra, que iria, pelos séculos suportar o romantismo no seu par, o cavaleiro português de nome João Aboim, do qual, Almeida Garret, em 1826, servir-se-ia para introduzir o romantismo literário, em Portugal, com o título de D. Branca. A enraizada fantasia que perdura para o imaginário do folclore regional. Até o poeta mais notável de Faro, António Ramos Rosa, escreveu, a 709 anos de distância do acontecimento, o poema Incerto: Na grande confusão / deste medo / deste não querer saber / na falta de coragem / de me perder / me afundar/. Perto de ti tão longe / tão nu / tão evidente/ tão pobre como tu / Oh! Diz-me quem sou eu / Quem és tu? Retirando a palavra incerta do poeta, quantas invasões e saques e aos rios de sangue que correram pela AL-qasr (fortaleza), onde a lendária Virgem Maria a mui gloriosa e bem fegurada, a tudo assistiu, numa manhã de Julho de 1217, em que o povo devoto de Cristãos e de Allá, enquanto os guerreiros, ocupantes e sitiados, ficavam e abalavam.
A negociação por parte de D. Afonso III para a ocupação (não a conquista) de Faro, acompanhado das suas tropas, iniciou-se, dado que a superioridade dos combatentes portugueses era temida. A população moura saiu mais prejudicada nos acordos dos senhores ocupados e ocupantes, pelos impostos dobrados aos dois.
Chegados a Faro, na primavera de 1249, o rei de Portugal e seus cavaleiros, com o Mestre de Avis, D. Martim Fernandes, os cavaleiros João Peres de Aboim, Egas Lourenço da Cunha, Estevão Eanes, colaço do rei D. Afonso III (irmão de leite), entre outros; alguns clérigos, Mateus Martins e João Moniz. Conta-se que o rei se ausentou para conversações com o alcaide da cidade de Santa Maria de Faro, Aben Mafon e, pela demora os seus companheiros julgaram o pior: prisão ou morte? As tropas do Mestre de Avis aproximaram-se das muralhas preparando-se para lançar fogo à porta da cidade, quando D. Afonso III se mostrou do alto das muralhas, alertando para o facto, levando o braço ao ar, mostrando as chaves da cidade. Com a conquista de Faro pelo rei de Portugal, e, definitivamente, de todo o Algarve, o novo inquilino de Faro tornou-se num caso de traição política ao rei de Castela, Afonso X. Com a posse de Faro, estava concretizada a do Algarve. O português Payo Peres Correia, ao serviço do rei de Castela, Afonso X, do qual era súbdito, considerava que o rei de Portugal andava, pelo Garb (Algarve) à revelia, sendo acusado pelo rei de Castela e pelo próprio Peres Correia, mestre da Ordem de Santyago, de intromissão. Por isso, Payo Correia ao saber que o rei Afonso III se desloca para o Algarve, à conquista do território, apresenta-se entre Loulé e Almodovar, como vassalo de el-rey dom Afonso X de Castela. O rei de Portugal recusa o apoio do Mestre de Santyago a partir daí, vindo à conquista de Faro com a sua Ordem Militar de Avis, fundada por D. Afonso Henriques, em 1162, submetida à regra beneditina.
TANTO AFONSO X DE CASTELA MOVEU LOGO GUERRA A EL-REI D. AFONSO III DE PORTUGAL SOBRE O REINO DO ALGARVE.
Não há dúvida que o Algarve ocupou um lugar central de interesse e preocupação nos dois reinos ibéricos: Afonso de Portugal e Afonso de Castela. E essas preocupações debatem-se entre a conquista de 1249 a 1253, pelas situações que levavam a um confronto bélico. Tudo o justificava. Afonso herdara um reino que se situava num momento charneira do Portugal medieval, e essa conquista definitiva do Algarve custou-lhe uma longa e larga batalha política e diplomática, que levou a bom termo, com a ajuda papal.
Certo é que, pela insistência de Afonso X de Castela, em considerar-se conquistador legítimo do Algarve, em correspondência com o papa Inocêncio IV, diplomacia idêntica leva o rei de Portugal junto ao bispo de Roma. E pelas intervenções se decide o papa, em bula enviada ao rei Afonso III de Portugal, pronunciando-se: A dita terra do Algarve, conforme reivindicas, pertence-te e faz parte do teu reino.
Esta decisão papal terá tido dois compromissos decisivos e a cumprir: primeiro o respeito pelo juramento feito pelo, ainda conde de Bolonha (futuro rei D. Afonso III) em Paris, no respeito defesa da igreja de Portugal. Segundo, na mediação feita para acordo estabelecido entre Afonso de Castela e Afonso de Portugal, para a união entre os rei de Portugal e de Castela, assinado em Chaves em Maio de 1253, e garantia do casamento entre D. Afonso III e a filha do rei de Castela, a princesa Beatriz, o usufruto do Algarve, após o nascimento do primeiro filho do casal, que viria a ser entregue ao príncipe D. Dinis, na idade dos sete anos.
Com o Tratado de Badajoz, a 16 de Fevereiro de 1267, o reino de Portugal ficou completo com o reino do Algarve.
Em 1256, Payo Peres Correia reconhece Afonso III de Portugal, como seu rei, em carta escrita de Arévalo: Nuestro Señor el Rey de Portugal. Em 1266, D. Afonso III dá foral a Faro, Tavira e Silves. Em 1279 morre D. Afonso III, o jovem D. Dinis é rei de Portugal e do Algarve. Em 1290, o ramo português da Ordem de Santyago de Espada separa-se de Castela. D. Dinis, funda, em Castro Marim a Ordem de Cristo.
Este grave conflito ibérico ficou em “standby” para a continuidade em séculos seguintes.