segunda-feira, 28 de março de 2011

Carta Arqueológica do Concelho de Valpaços – 3.A

ADÉRITO MEDEIROS FREITAS, Julho de 2001
Esta laboriosa iniciativa de transcrição e reprodução de fotos e esquemas do extraordinário trabalho realizado pelo Dr. Adérito Medeiros Freitas, assim divulgado através da Internet é dedicada a todos os valpacenses e portugueses interessados nesta temática, mas em especial aos valpacenses que se encontram deslocados há longa data da sua freguesia natal, bem como aos seus descendentes.

FREGUESIA DE ARGERIZ - A

TRANSCRIÇÃO E REPRODUÇÃO INTEGRAL AUTORIZADAS PELO AUTOR

“Povoação e freguesia do concelho de comarca de Valpaços, distrito e dioceses de Vila Real. 1382 h. em 364 fogos (1960). Orago: S. Mamede.
Fica situada a cerca de 3 Km a SSO da margem direita do Rio Torto.
Argeriz é uma povoação muito antiga, pois existia já durante o domínio dos Mouros. D. Afonso Henriques doou o Couto de Argeriz, em 1152, ao Mosteiro de Salzedas”.
F. RIBEIRO, Enciclopédia Verbo, Vol. 2, pág. 1087.

Compõem esta freguesia, as povoações de Argeriz (sede), Pereiro, Ribas, Midões e Vale de Espinho.




1 –  “A Cêrca de Ribas (Castro)”
Imóvel de Interesse Público
Decreto  N.º 29/84 de 25 de Junho

1 – Planta Esquemática da “Cêrca de Ribas”.

Nam he esta freguesia murada, só sim o pê do lugar de Ribas desta freguesia há em hum alto humas muralhas já demolidas que dizem os antigos fora cerqua de mouros…
ARCHEOLOGO PORTUGUÊS, Vol. II, Pág. 258

Localização:
No “Alto da Cêrca”, a N da povoação de Ribas e, aproximadamente, a 1 KM da E.N. 206.

Acesso:
Quem seguir pela E. N. 206, de Carrazedo de Montenegro em direcção a Valpaços encontra, à direita, duas placas: uma com a indicação de Ribas e, outra, com indicação de Cêrca.
Percorridos cerca de 400 metros o caminho, à esquerda, conduz directamente ao Castro.

Coordenadas de Gauss:
261,2
513,1

Coordenadas geográficas:
Altitude: 725 metros
Longitude: 7º 23’ 54’’ W (Gr.)
Latitude: 41º 35’ 00’’ N
Folha da carta dos S. C. do E. N.º 61: LOIVOS (Chaves)
Escala: 1: 25.000

Características:
Sob o ponto de vista geológico, o “Alto da Cêrca” é de natureza granítica ( granito equigranular, de grão médio, com biotite e moscovite). Relativamente próximo, para S, o granito contacta com xistos metamórficos do Silúrico.
 Ao longo de centenas de anos, as pedras aparelhadas e com dimensões apropriadas para cada fim, foram sendo retiradas das suas muralhas.
Este “roubo” das pedras das muralhas continuou, mesmo depois da sua classificação, em 1984, como “Imóvel de Interesse Público”. Só terminou em 1987 após a realização, no salão da Escola local, de uma sessão de esclarecimento, seguida de trabalhos de limpeza e restauro, subsidiados pela Câmara Municipal de Valpaços e autorizados pelo IPPAR. Os habitantes de Ribas tomaram, a partir daí, consciência de que aquelas muralhas da “Cêrca” constituem um património que lhes pertence e que é necessário preservar!

Entre 1987 e 1994 fomos realizando ano após ano, trabalhos de limpeza e restauro das muralhas. A pouco e pouco fomos investigando toda a área envolvente extra-muralhas.
E, 1992 concretizou-se a primeira escavação junto da muralha central e a SE, que nos forneceu os primeiros resultados cronológicos e de ocupação.
Estes trabalhos foram orientados pelo Prof. Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva, coadjuvado pelo DR. Baptista Lopes e por mim. Faziam ainda parte deste grupo:

- Bruno Coelho
- Filipe António M. Rodrigues
- Luís Albino Santos Lemos
- José Luís P. de Carvalho
- Júlio Manuel Lopes Faria

Embora os resultados desta escavação ainda não tenham sido publicados [sic] parece poder-se concluir, através das observações efectuadas e dos materiais recolhidos que, a “Cêrca de Ribas”:
- terá sido ocupada desde o início do primeiro milénio a. C. até à Idade Média.
- a muralha central, apoiada sobre uma outra mais antiga, é romana e deve ter sido construída entre o 1.º séc. a. C. e o 1.º séc. d. C.
- o elevado número de fragmentos de moldes aponta para uma ocupação de “fundidores”, possivelmente relacionada com a imensa actividade mineira da época.

Estruturas defensivas:

Fosso:
Trata-se de uma depressão relativamente estreita (cerca de 1 metro de largura ou mesmo menos noutros locais) e de profundidade desconhecida pois que não realizámos, aqui, nenhuma limpeza e escavação.
Pela observação da distribuição das plantas à superfície (“Fetos”, principalmente) estimei, para esta estrutura, um comprimento de cerca de 60 metros.
“Terá, esta depressão, constituído efectivamente um fosso?”
Pela sua largura, esta estrutura não constituía um obstáculo difícil de ultrapassar por um homem, quer a pé quer a cavalo!
Nas proximidades deste “fosso” (?), a E, existe uma pequena depressão à superfície, aproximadamente circular que poderá, eventualmente, indicar a presença de um “poço”!
Com base nestes dados apresento, para a possível função dessa estrutura, duas hipóteses:

1.ª Hipótese: Constituir uma espécie de “trincheira” ou passagem camuflada para os defensores do povoado.
2.ª Hipótese: Constituir o acesso a um “poço” de abastecimento de água ao povoado.

Muralhas:
Existem, neste Castro, quatro muralhas perfeitamente identificadas, quanto à sua posição, características, evolução e posições relativas. Farei referência, ainda a mais dois alinhamentos que me parecem constituir vestígios de outras tantas estruturas defensivas deste tipo.

Muralha I:
É a muralha mais central do Castro. Mede 370 metros de comprimento e largura muito variável. Possui ainda, a S, E e N, longos troços perfeitamente conservados e uma altura que ultrapassa, por vezes, os 2 metros.
Os esquemas [que se seguem] referem-se a um troço de muralha, a W (planta e cortes hipotéticos). Esta porção da muralha corresponde à área de menor declive do terreno logo, de mais fácil acesso. Ela foi, aqui, reforçada tendo sido utilizados, mesmo, os materiais outrora pertencentes a outras construções como iremos ver.


De um e outro lado da “porta a” podemos observar a largura da muralha primitiva e os reforços posteriores da mesma. Assim, a largura da primitiva muralha era de 4,20 metros. O limite S desta porta foi reforçado internamente com mais 1,30 metros. Depois deste acrescento a muralha passou a ter, aqui, uma largura de 5,50 metros.
A porção da muralha que limita a N esta porta, foi reforçada interna e externamente, com 1,30 metros para cada lado. A sua largura passou a ser de 6,80 metros.
Uma análise rápida das características dos materiais utilizados nas faces interna e externa desta muralha, revela-nos o predomínio de rochas graníticas de grandes dimensões e convenientemente trabalhadas e justapostas, na face externa, em oposição a rochas graníticas de menores dimensões e mais irregulares na sua face interna.
A partir da “porta a” e em direcção a N, a largura da muralha vai sucessivamente aumentando atingindo, no cotovelo (segundo AB), a impressionante largura de 13 metros formando, aqui, uma espécie de “torreão”.
Segundo CD a largura da muralha é de 5,40 metros e segundo EF, de 4,50 metros. A partir daqui, a largura das muralhas apresenta valores inferiores, o que se compreende dada a sua posição relativamente às outras estruturas defensivas e à própria topografia do terreno.
Na face interna deste troço da muralha, a S, da “porta a”, é visível uma disposição semi-circular de pedras de granito que julgo terem pertencido a uma antiga casa circular. A pequena distância vemos uma “rampa de acesso” que aproveita, em parte, uma rocha granítica na sua posição natural.

A “porta a”
Mesmo depois da limpeza total do espesso e alto mato existente em todo este troço da muralha, nenhuma evidência nos apontava para a possibilidade da existência, aqui, de uma porta.
As pedras soltas das mais variadas formas e dimensões, provenientes da “muralha esbardalhada” ocupavam uma área de cerca de 30 metros de largura e mais de 2 metros de altura. Verifiquei porém que, segundo uma determinada direcção transversal, os espaços entre as pedras soltas não se encontravam preenchidos por materiais mais finos (pequenas pedras irregulares e saibro) como é normal. Surgiu-me, então, a hipótese da presença, aqui, de uma porta.

 Portas da “Muralha I”, voltada para W, com 70 cm de largura

Após a remoção, até à base, de muitos milhares de quilos de pedras soltas, encontrámos, alinhados, os elementos basais dos limites de uma porta. A nossa hipótese tinha-se confirmado.
Esta porta possui, apenas, 70 cm de largura. Em frente a esta porta e do lado externo da muralha, um conjunto de rochas graníticas, na sua posição natural, delimitam uma área circular, relativamente elevada em relação aos terrenos que se lhe seguem.
Outrora, mesmo em frente da porta, existiam grandes penedos de granito, arredondados, a maior parte dos quais foram destruídos pelas pedreiras que aqui funcionaram. Creio que estes rochedos teriam feito parte de uma outra estrutura de defesa que entroncaria a S, na muralha II e, a N da “porta a”, na muralha I. A sua presença justificaria, por um lado, a falta de reforço da face externa desta muralha a S da referida porta e, por outro, a largura daquela passagem cuja função seria, a meu ver, apenas a de dar acesso à hipotética plataforma fortificada.
Nesta muralha I, detectámos materiais provenientes de outras construções mais antigas e utilizados no reforço da mesma.

I – c – Rocha granítica com uma gravura circular:

 I – c Gravura circular com nove raios numa rocha da face externa da “muralha I”

 Mede 80 cm de largura e 1,60 metros de comprimento. Faz parte da face externa da muralha I. A área circular mede 36 cm de diâmetro e possui 9 raios.
Há quem veja nesta gravura um símbolo “astral”.

I – d – Fragmento de uma rocha granítica com uma gravura em espiral:

Fragmento de granito, com “gravuras em espiral”, encontrada no “miolo” da Muralha I

Foi encontrada no local indicado na planta do Castro, quando procedíamos a trabalhos de restauro da face externa da muralha.
Encontrava-se fazendo parte do “miolo da muralha”, a 30 cm de distância da sua face externa e a 1,60 metros de altura.
A face gravada encontrava-se voltada para baixo e foi detectada devido a existência, por baixo, de um espaço sem terra nem pedras. Como se trata, nitidamente, de um fragmento, creio que outros fragmentos complementares poderão estar ali presentes!
Actualmente, encontra-se no mesmo lugar, ao alto e com a face gravada voltada para a face externa da muralha permitindo, assim, a sua observação por qualquer visitante do Castro.

Este fragmento gravado mede:

Altura: 50 cm
Largura: 65 cm
Espessura: 20 cm

Os três sulcos paralelos da “espiral” distam, entre si, 6 e 7 cm.

I – e – Rocha granítica com gravuras espirais

Face externa da “Muralha I”. Rocha granítica com gravura em espiral

Encontra-se incorporada na face externa da muralha I e é mais um exemplo do reaproveitamento de materiais provenientes de outras construções mais antigas. Julgo que poderá ter pertencido à “ombreira” da porta de uma casa!
Mede 1 metro de comprimento e 34 cm de largura máxima. Uma fractura no ângulo superior direito destruiu uma das pequenas espirais. A perfeita justaposição desta rocha e das rochas envolventes, não nos permitiu medir a sua espessura.

Troço da face interna da “Muralha I”, a SW da “porta a”.
 Na base, parte de uma estrutura circular, possivelmente uma casa


Troço relativamente bem conservado, a SE, da face externa da “Muralha I”


Troço conservado da muralha I, a E. Nela entronca a muralha III, em descontinuidade

Muralha II:
É menos extensa que a muralha anterior e entronca, com ela, pelas extremidades. Limita uma área a menor altitude que a limitada pela muralha II, voltada para S e protegida dos ventos Norte. Julgo que esta área comunicava com a área central por uma porta presente na muralha I. O restauro parcial deste troço da muralha não nos permitiu confirmar ou negar esta hipótese.

A S (h) existe uma porta. A partir desta porta, em direcção a SE e E, a muralha parece ser constituída por uma espécie de muro de pequena espessura que aproveita, no troço final, os numerosos blocos de granito aí existentes.
É nesta muralha, que se encontra ainda, a W, o troço mais extenso e melhor conservado de todo o “Castro”, com uma altura média da sua face externa superior a 2 metros, numa extensão de cerca de 30 metros.

Aspecto da face externa da “Muralha II”

Nas proximidades da muralha I, esta estrutura forma um “torreão” de contorno frontal circular (f) e, na sua face interna, existe uma “rampa de acesso” (g).
Alguns amontoados e alinhamentos de pedras parecem indicar, dentro da área limitada por esta muralha, a presença de casas.

Muralha II. Aspecto do “Torreão”

Muralha III:
Os extremos desta muralha entroncam, sem continuidade, na muralha I. Limita uma área relativamente grande, a menor altitude do que a área central, levemente inclinada para Nascente e protegida dos ventos Norte. Possui, assim, todas as condições favoráveis de habitabilidade.
Não realizámos ainda, nesta área, qualquer escavação. Julgo, porém, que certos amontoados de pedras soltas que se observam nesta superfície, representam os restos de antigas casas.
Não descobrimos, nesta área, qualquer porta ou rampa de acesso.
O troço E desta muralha forma uma espécie de socalco e é formado (face externa) por blocos de granito de grandes dimensões, mas com forma bastante irregular.

Muralha IV:
Entronca por uma das suas extremidades, a E, com a muralha III, através de um enorme amontoado de grandes blocos de granito na sua posição natural.
A outra extremidade orienta-se mais ou menos em direcção da povoação de Ribas, não sendo possível definir o seu limite primitivo.
Com excepção para um longo troço, a N, foi possível, através de alguns blocos de granito de grandes dimensões e mantidos nas suas posições, conhecer algumas das suas características:

Assim:
·         A sua largura varia entre 6 e 8 metros. Este valor é ultrapassado a N, onde forma uma espécie de “torreão” no qual, em 1987, verificámos a presença de 3 casas rectangulares.

Planta esquemática das casas 1, 2 e 3, postas a descoberto sobre o “torreão” da muralha IV


Duas das casas (1 e 2) incorporadas na Muralha IV


Troço da face externa, a N, da Muralha IV

·         O troço posicionado a N e em frente das muralhas I e III constituía, ainda na década de 70, uma pedreira que se “alimentava” dos grandes blocos de granito das faces interna e externa desta muralha. Aqui e pelas razões apontadas, a destruição foi, por vezes, total e a única orientação que possuímos é o desnível do Terreno.

Nota: Sob o ponto de vista cronológico julgava, quando iniciámos os trabalhos de limpeza e restauro das muralhas, que a muralha IV seria a mais recente. Sendo a de posição mais externa, também não me surpreendia o facto de a sua destruição ser quase total. Já não compreendia, porém, o porquê da ausência de todo o material de enchimento da mesma, que também tinha desaparecido!
Cheguei a pensar que a construção desta muralha nunca foi concluída! Mas como explicar a presença das casas 1, 2 e 3?
Todas estas questões parecem estar, hoje, mais ou menos esclarecidas. O material componente desta muralha, incluindo o que formava o “miolo” terá sido utilizado nas obras de reforço, durante a época romana, da muralha central.
Em apoio desta hipótese citemos o troço W da muralha I, reforçada com blocos de granito de grandes dimensões, a contrastar com os outros troços onde esse reforço não foi reconhecido.

Muralha V:
Constitui uma espécie de ramificação da muralha IV e está representada, apenas, por algumas pedras basais, alinhadas, da sua face externa.
Entronca num conjunto de rochedos existentes junto do “fosso”. O chão, com terra e pedras de pequenas dimensões, pode representar o resto do enchimento de uma outra estrutura de defesa como, por exemplo, mais um “torreão”.O que resta desta muralha (?) mede, apenas, 18,5 metros de comprimento.

Muralha VI:
Ao contrário de todas as muralhas já descritas esta não é, actualmente, mais do que uma espécie de muro de suporte de terras. Sabemos também que, durante muitos anos, as inúmeras pedreiras que aqui funcionaram, destruíram a primitiva morfologia natural e artificial existentes. A existência de uma porta (h) e de um tipo de poço (i) justificam a presença, aqui, de mais uma estrutura defensiva deste tipo!

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