sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Breviário histórico do concelho de Valpaços, por freguesias, de A a V – ARGERIZ

Por Leonel Salvado


Nota prévia: Se há uma História Concisa de Portugal, com a propósito de apresentar uma história que não demore muito tempo a ler, mas que dê uma imagem global da evolução histórica do povo português, não será certamente despropositado apresentar nesta rubrica, aos valpacenses e a todos os que se interessam pela História de Valpaços, uma descrição do essencial da evolução histórica do concelho, devidamente fundamentada, contudo desprovida das inconclusivas controvérsias que nela se acham e que se revestem de natural interesse para os mais eruditos, mas certamente enfadonhas para os nossos demais leitores a que este o Clube de História de Valpaços também se propõe servir.


RGERIZ. A existência à luz do dia de vestígios de incontestável ocupação remota em vários locais da área onde foi criada a paróquia de São Mamede de Argeriz bem como a grande quantidade de achados ocasionais e de outros materiais aí recolhidos, através de escavações arqueológicas superiormente programadas, e criteriosamente estudados por profissionais qualificados, autorizam arqueólogos e historiadores a assegurar que esta terá sido uma área de ocupação humana que remonta à época pré-romana e a sugerir que poderá mesmo remontar ao Neolítico. Segundo a “breve referência” publicada pelo Dr. Adérito Medeiros Freitas, na Carta Arqueológica do concelho de Valpaços, do espólio recolhido, nas circunstâncias referidas, na “Cêrca de Ribas”, que foi incontestavelmente um castro cujas ruínas se localizam próximo da povoação de Ribas, a Norte, destacam-se instrumentos líticos de quartzo lascados e alguns deles polidos, bastantes mós e fragmentos de mós de tipo circular em granito, alguns fragmentos de vasos de vidro e numerosos fragmentos de cerâmica de diferentes tipos, incluindo alguns de sigillata (fina cerâmica romana), uma fíbula (fivela ou fecho usado na indumentária mais comum na época romana) e outros fragmentos metálicos de função não determinada, um alfinete de cabelo em cobre e dois machados de Cobre. A antiga ocupação deste mesmo local já havia sido assinalada em 1961, segundo a mesma fonte, por um machado de xisto anfibólico (mineral com predominância de anfíbolo) típico do Neolítico, uma abraçadeira de bronze talvez pertencente à bainha de um punhal, duas moedas (uma das quais provavelmente ibérica) e um busto (representação ecultórica da parte superior do corpo humano) pré-romano incompleto, mas com base. Outros vestígios de ocupação em épocas diversas, são assinalados em outros locais da freguesia de Argeris, tais como fragmentos de “tegulae” (telha romana) no local denominado de Cividade, o mesmo no sítio de Castelares juntamente com uma mó circular em granito, um peso de tear feito de barro amarelo, fragmentos cerâmicos de vasos, troços de um caminho lajeado de morfologia similar a uma calçada romana, na área de acesso à ponte sobre o regato do Pereiro, o santuário rupestre conhecido por “Pias dos Mouros” e dois monumentos epigrágficos, um deles encontrado junto ao referido santuário rupestre.
Foi, portanto, nesta região romanizada que se instituiu a «parroquia Sancta[i] Mametis de Argeriz” assim designada nas Inquirições de 1258, onde ela surge pela primeira vez documentada. Segundo o mesmo documento, ela era constituída por si e pelas “villas” de Crasto (que depois foi paróquia independente e hoje pertence à freguesia de Água Revés e Crasto), Sanfins (hoje freguesia com o mesmo nome), Pereiro e Midões que se mantêm como anexas da freguesia de Argeriz. Sendo este topónimo, cuja origem e evolução hispano-visigótica parece evidente (de villae a Argericus = Villa Argerici), tomando esta última forma, muito comum na época visigótica, bem como no restante período que antecedeu a Nacionalidade, aceita-se que a igreja paroquial de S. Mamede de Argeriz haja sido fundada pelos séculos IX ou X e que não tenha sido filial de qualquer outra igreja até aos séculos XVIII e XIX. Pelo que se extrai do teor das mencionadas Inquirições de 1250, no que respeita à freguesia de Argeriz, parece certo que a terra foi inicialmente terra reguenga, isto é foreira à Coroa, mas também que, à data das mesmas Inquirições, a sua posse era já partilhada entre os descendentes de D. Pedro Fernandes de Bragança, que foi cavaleiro e mordomo-mor de D. Afonso Henriques, e a Ordem do Hospital.
É importante esclarecer, como o faz Veloso Martins na Monografia de Valpaços, que o documentado couto de Argeriz doado por D. Afonso Henriques ao Mosteiro de Salzedas em 1152 não se trata desta terra transmontana, como assim se lê em algumas obras, mas de uma terra portuguesa mais próxima daquele cenóbio beirão que é a de “Argeriz do actual concelho de Tarouca”, localizado não propriamente em Salzedas, como também refere o autor valpacense, mas na freguesia vizinha de Vila Chã da Beira.
Ao que parece, as terras da freguesia de São Mamede de Argeriz, jamais constituíram couto algum, mas antes honra ou outra qualquer forma de benefício particular de poderosos aristocratas brigantinos, designados genericamente pelos medievalistas como “os braganções”, e dos cavaleiros hospitalários, que usaram dos seus direitos de escambo sobre elas, como se vê em alguns documentos devidamente referenciados e comentados por Veloso Martins. Porém, após a criação do concelho de Chaves por Carta de Foral de D Afonso III, em 15 de Maio daquele mesmo ano de 1258, que integrou no seu termo a freguesia de Argeriz, entre outras que actualmente pertencem ao concelho de Valpaços, tornou-se suficientemente claro que, no caso de Argeriz, as regalias do regime de autonomia jurídica típicas das honras medievais, foram sendo progressivamente cerceadas por inalienáveis direitos reais e imperativos administrativos consagrados naquele diploma foraleiro de D. Afonso III e reafirmados pelos seus sucessores mais próximos. Assim, logo nas Inquirições de 1290, mandadas decorrer por D. Dinis nas terras da Beira e Além-Douro, a freguesia de Argeriz aparece como uma das freguesias do termo e julgado de Chaves e, portanto, sujeita às autoridades judiciais desta Vila. E ao longo dos séculos subsequentes foram-se diluindo praticamente todos os mais evidentes sinais de privilégios e imunidades, no temporal em favor dos direitos reais e da Casa de Bragança, por inerência do estado da terra da cabeça do concelho, e no espiritual em consequência da evolução da organização eclesiástica também verificada nas terras de Montenegro-Chaves.
Nos séculos XVIII e XIX a freguesia de São Memede de Argeriz é descrita como uma freguesia da Província de Trás-os-Montes, do Arcebispado de Braga, à qual pertenceu sempre, da comarca e termo da Vila de Chaves, que nem sempre o foi, mas é designada também, como em 1758, o seu Pároco, António Martins, teve o cuidado de mencionar, em manuscrito das Memórias Paroquiais, por “terra d’ El Rey Nosso Senhor” e como vigairaria apresentada pelo Reitor de São Nicolau de Carrazedo de Montenegro. O mesmo pároco declarou ainda no mesmo documento que a terra de Argeriz não era honra ou beetria (direito local de eleição de administradores próprios) e que não possuía privilégios alguns, omitindo a existência de beneficiados. Apenas o sacrário da capela do Santíssimo Sacramento existente na povoação, administrada pelos moradores como todas as restantes capelas ou ermidas dispersas pelos vários lugares da freguesia, era do comendador, que o pároco-memorialista não menciona o nome, nem o título, nem a Ordem adstrita, mas que seria certamente um dos marqueses de Fronteira, que foram comendadores da Ordem de Cristo de Carrazedo de Montenegro cuja Reitoria apresentava a igreja paroquial de Argeriz.
Em 1706 a freguesia totalizava 158 vizinhos, assim distribuídos pelos lugares que a compunham: Argeriz com 80, Ribas com 25, Pereiro com 20, Avarenta com 15, Midões com 10 e Vale de Espinho com 8. Em 1758, não obstante ter-se desintegrado da freguesia de Argeriz o lugar de Avarenta, entretanto incorporado na freguesia de Carrazedo de Montenegro, do mesmo termo de Chaves, e de se ter verificado nela própria um decréscimo populacional, ainda totalizava 150 fogos, dos quais 65 no próprio lugar, 30 em Ribas, 30 no Pereiro, 14 em Midões e 11 em Vale de Espinho, equivalendo a cerca de 530 pessoas de sacramento e de 40 pessoas menores, registando-se, nos demais lugares que lhe restaram, como se vê, evidentes acréscimos demográficos.
Vê-se ainda pelos documentos coevos que, nos meados do século XVIII, os povos desta freguesia de Argeriz, situada a 3 km a S-SW da margem direita do rio Torto, poucos benefícios colhiam desta fonte natural de recursos, limitando-se a servir-se de um pequeno regato que, nascendo em Serapicos, atravessava o seu termo em direcção ao Crasto, o que lhes chegava para que no Inverno fizessem funcionar nove moinhos e cinco lagares de azeite e pudessem regar livremente, mas a muito custo no Verão, algumas terras. Rodeados de estéreis fraguedos e de alguns vales menos ásperos, para Nascente, proviam no sustento das famílias com tudo o que aqui ordinariamente recolhiam da terra, como eram o centeio, a cevada, as castanhas, o azeite, o vinho e algum trigo e milho. Colhiam sumagre em tal abundância que chegava para o poderem vender para outras terras, existindo no referido regato nove atafonas para o moerem. Pela mesma época, havia na povoação de Argeriz três fontes de abastecimento de água, todas construídas em cantaria.
No segundo quartel do século XIX a freguesia de São Memede de Argeriz pertencia ao concelho, entretanto restaurado, de Carrazedo de Montenegro, passando, por Carta de lei de 1837, para o concelho de Valpaços, criado pelo Decreto de 6 de Novembro do ano anterior, e em 1856 à respectiva comarca que em 31 de Dezembro deste mesmo ano foi instituída também por Decreto, o mesmo que extinguia, finalmente, os concelhos de Monforte de Rio Livre e de Carrazedo de Montenegro.
Argeriz é hoje uma das freguesias do concelho de Valpaços, mantendo como anexas as povoações de Midões, Pereiro, Ribas e Vale de Espinho. A paróquia pertence ao arciprestado de Valpaços e à Diocese de Vila Real, desde 22 de Abril de 1922, conservando o seu orago, São Mamede.


Fontes:
CAPELA, José Viriato et alii, Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758, Braga, 2006.
CARDOSO, Luís, Dicionário Geográfico, 1747, Vol I, pp. 386-387
COSTA, António Carvalho da, Corografia Portuguesa e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal... (1706-1712), Tratado III,Tomo I, cap. V, pp. 506-511.
FREITAS, Adérito Medeiros, Concelho de Valpaços, Carta Arequeológica,  CMV,  Valpaços, Julho de 2001, pp. 50-99.
MARTINS, A. Veloso, Valpaços, Monografia, Lello & Irmão, Porto, 2.ª ed., Dez. 1990, pp. 167-171.
MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758,  Argeriz, Chaves, n.º 74, pp. 463 a 466 |http://ttonline.dgarq.gov.pt.
REGISTOS PAROQUIAIS, Valpaços, Paróquia de Água Revés | Id.

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