quarta-feira, 14 de setembro de 2011

DOCUMENTOS: Aldeias do concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias – FRIÕES

Por Leonel Salvado
MEMÓRIAS PAROQUIAIS, 1758, Tomo 16, FRIÕES, Chaves
[Cota actual: Memórias paroquiais, vol. 16, n.º 197, p. 1191 a 1210]


Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor.
Manda-me Vossa Ilustríssima e Reverendíssima informar tudo o que se procura nos interrogatórios inclusos, o que faço conforme tenho a notícia e várias informações que dos moradores desta mesma freguesia tomei, cujas notícias são as seguintes.
Esta freguesia de Friões acha-se na Província de Trás-os-Montes, Arcebispado de Braga, Primaz das Espanhas, Comarca e termo da Vila de Chaves. Os donatários desta freguesia, como também destas terras, são os Príncipes e Senhores deste Reino, duques de Bragança, cujos moradores reconhecem com muitas e várias doações, pois só esta freguesia (presumo) paga mais de quatrocentos alqueires de pão em cada ano além de outras mais pitanças de carne. 
Ao presente acham-se nesta freguesia, em número dos lugares, que a esta igreja são obrigados, duzentos e cinquenta e quatro fogos e, entre pessoas de sacramento, menores e ausentes, se acha serem novecentas e sessenta e quatro pessoas.
Esta igreja se acha situada numa campina e do adro se descobrem várias terras, pois da parte de nascente se está vendo a Vila de Mirandela, a qual dista cinco léguas, pouco mais ou menos, e em cuja distância se acham de permeio várias freguesias como são a de Ervões, da Sagrada Religião de Malta, a de Vassal, a freguesia de Valpaços, a de Rio Torto e a de Lilela, estas todas do Arcebispado de Braga, e de Eixes, este do Bispado de Miranda. Como também a Serra de Santa Comba que é da freguesia de São Pedro dos Vales, a qual dista desta igreja, pouco mais ou menos, cinco léguas, em cuja distância se avista de permeio a freguesia de Santiago da Ribeira, São Mamede de Argeriz, a abadia de Água Revés e demais partes se não descobrem mais terras, só as ditas freguesias, por ser larga, como em seu lugar se dirá.
Toda esta freguesia é composta de dez lugares, como são: Friões, aonde está a igreja, Quintela, Mosteiró de Cima, Paranhos, Ladário, Vilaranda Boa, Celeirós, São Domingos, Vilarinho e Ferrugende. Cada um destes lugares, por si, tem termo seu. O primeiro lugar, que é de Fiães, tem cinco fogos comuns e um do coadjutor, Quintela tem cinquenta e sete, Mosteiró trinta e um, Paranhos vinte e três, Ladário catorze, Vilaranda Boa vinte, Celeirós trinta e oito, São Domingos nove, Vilarinho vinte e três, Ferrugende trinta e três. 
Esta igreja matriz posta nesta quinta do lugar de Friões está, ao presente, fora do dito lugar, pois está à parte do nascente, a cujo adro está contígua a casa da residência e os mais tratadores, ainda que poucos, a pouca distância da igreja. Dizem alguns velhos desta freguesia que este lugar fora de quarenta moradores, antigamente; porém, dando, já há muitos anos, nele, um contágio suspeito, se arruinara. 
O orago desta igreja é São Pedro Apóstolo e está colocado no Altar-mor, onde se acha também o Sacrário do Santíssimo Sacramento. Tem quatro altares colaterais, todos em correspondência de uns aos outros. Da parte da Epístola se acha o Altar de São Brás e o do Senhor Santo Cristo. Da parte do Evangelho está o da Senhora do Rosário e o de Santa Marinha. A igreja não tem nave alguma e nela se acha uma Irmandade das Almas. Conforme consta da carta que se me passou nela se pode ver este Benefício com o título de Reitoria, ainda que eu veja, conforme o Concílio Tridentino, que se falta ao que há obrigação de se me dar. Fui apresentado pelo Senhor Rei Dom João quinto, que na Santa glória esteja, tem muito trabalho e rende pouco, pois não chega a render duzentos mil réis. Nesta freguesia não há beneficiado algum mais do que eu e um coadjutor que tenho, que lhe renderá trinta mil réis, digo que lhe renderá, do que ao presente se lhe dá dezoito até vinte mil réis que lhes pagam os rendeiros do priorado da Vila de Chaves, por andar esta renda junta àquela, e, com ela, a Basílica Patriarcal. Estou em poder de o apresentar.  
Neste lugar de Friões se acha uma capela da Senhora da Conceição, a qual dista poucos passos fora do lugar (outros reclamam a Senhora da fonte por ter aí uma dentro da capela, em forma de poço, metida debaixo de um tapume [?] da capela, e outra fora do adro). A esta capela acede alguma gente em romaria, principalmente nos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto. 
Têm todos os lugares suas capelas para administração dos sacramentos quando seja necessário, com é a do lugar de Quintela da Senhora das Necessidades, a de Mosteiró de Santo António, a de Paranhos de São João Baptista, a de Vilaranda Boa de São Simão e tem mais outras que é a de Santa Catarina, que se acha quase demolida, cujos administradores são os herdeiro que ficaram de Gaspar de Queiroga da freguesia de Souto Velho, em Celeirós a da Senhora da Assunção, em São Domingos a do mesmo Santo, em Vilarinho a de Nossa Senhora da Expectação, e a do lugar de Ferrugende de São João Baptista, excepto o Ladário que não tem ermidas. A nenhuma das ermidas acima acodem romagens mais do que à Senhora da Conceição ou da Fonte. 
Os frutos que mais ordinariamente se colhem dentro dos limites desta freguesia são centeio, castanha e algum trigo. 
Cada um dos lugares desta freguesia tem juízes pedaneos que servem os homens de cada lugar no seu distrito que em muitos andam à roda pelas sentenças de acórdãos que têm feito, para todos as mesmas, e, nesta freguesia, este lugar de Fiães anda junto com os de Vilarinho, Ladário, Vilaranda Boa, Paranhos, Calvo, da freguesia de Padrela, São Domingos, Valongo,  da freguesia de Ervões, e todos estes juízes estão sujeitos ao Juiz de Fora e Câmara da Vila de Chaves.
Nesta freguesia não há feira em tempo algum, só sim, por tradição antiga, no dia de São Pedro, aos vinte e nove de Junho, todos os anos se faz um mercado neste lugar de Friões cujo nome dele não se pode dar de feira.
Nesta freguesia não há correio e se têm algumas cartas de ir para alguma parte, se as querem remeter, valem-se do correio de Chaves, que chega na quarta-feira de cada semana e parte nos domingos, e desta freguesia àquela Vila são duas léguas de distância.
Esta freguesia dista da cidade de Braga, cabeça de Bispado, dezassete léguas, pouco mais ou menos, e da cidade de Lisboa sessenta e cinco, conforme dizem.
Não consta ter esta freguesia privilégios alguns mais do que o lugar de Mosteiró de Cima ter um passado pelo Senhor Rei Dom João quinto, que em Santa glória esteja, aos catorze do mês de Outubro de mil e setecentos e trinta e cinco, que livra todos os moradores do dito lugar de todos os encargos do povo, cujo privilégio mandou passar por serem os moradores do dito lugar donatários à Sereníssima Casa de Bragança, pagando, em cada ano, para o almoxarifado de Chaves cem alqueires de centeio e, de pitança, onze tostamis e um vintém. Como também há outro no lugar de Ferrugende mandado passar pelo dito Senhor, da mesma sorte, e feito aos três e Março do ano de mil setecentos e trinta.
O tremor de terra no ano de mil e setecentos e cinquenta e cinco não causou ruína alguma digna de que se faça menção. 
Nesta freguesia prevalecem todos os lugares dela, situados em vales. Não há serra de nome que as circunde, pois todos ou a maior parte deles têm seus montes de plantas, como são os carvalhos, a queiroga e alguma carqueja, como também giestas de esteira. Ainda nestes montes, como no coração da freguesia, por vários lugares ou caminhos, há inúmeras ervas medicinais como se diz na língua latina, violeta, centauro, celidónia, orégãos, colombrina, artemisa e outras mais que os professores procuram quando deles têm necessidade. Fora do lugar de Quintela, desta freguesia, a pouca distância do dito povo ao sítio, se acharam umas pedrinhas oitavadas e semelhantes a vidros que a meu ver são de cristal mineral. Também nesse sítio, da parte do lugar de Celeirós, saem numa parte em magotes e, de umas e outras, tendo mandado vir algumas à minha presença, se acham em meu poder e delas fiz uma experiência digna de reparo: deitando umas poucas ao lume, fazem nele imagens estranhas que a todas fazem-nas ser em pedaços.
No limite que ocupa esta freguesia não há um rio que se possa chamar de consideração. Há, sim, três regatos, um chamado de Quintela, que parte dele principia nas lamas do dito lugar, e outra parte vem da serra do monte que está para a parte de nascente e junta-se num sítio a que chamam o Cobrão, no limite deste lugar de Friões. Tem o curso arrebatado por correr por cima de várias fragas. De Verão ele corre seco. De catorze moinhos que na distância do dito rio ou regato se viam, do dito lugar de Quintela até defronte do de Alpande, freguesia de São João de Ervões, durante vários anos, há muito tempo deixaram de moer por falta de água. E mais, juntando-se a ele o que vem de Ferrugende, que nasce nas lamas chamadas do Castelo e junta-se no limite do lugar acima de Alpande. Não criam as águas destes regatos peixes mais do que algum salmão, escalo, este pequeno, algumas enguias, ou cobras. Ao longo dos regatos, em várias partes, cultiva-se as suas margens e se acham nelas vários lameiros. Suposto que seja de erva bravia, alimenta-se o gado que há por esta terra. Não se acha pelo dito sítio arvoredo de fruto mas sim silvestre, como são os carvalhos, amieiros e outra casta de lenha que, como esta montanha seja muito desabrigada do frio no tempo do Inverno, procuram os moradores dela para poderem reagir à inclemência do tempo. As águas dos ditos lugares não consta que tenham virtude alguma. Acham-se nestes regatos três pontes de pau com algumas lagoas por cima, uma no de Quintela e duas no de Ferrugende, e, indo para o Ladário, lugar desta mesma freguesia, se acha um pontilhão também formado de traves e pedra por cima e quando é no Estio se rega em muitos lugares com a água deles.

E como prestei toda a diligência devida, só por ver se achava auditoria de mais algumas antiguidades não me foi possível, por enquanto fico rogando e pedindo a Deus que guarde a pessoa de Vossa Ilustríssima e Reverendíssima […].


Friões, 2 de Maio de 1758,
[…]
Manuel Teixeira Pires
O Reitor Miguel Gonçalves Lage
O Vigário João Gonçalves Lage


Este vai assinado pelo Reverendo Reitor de Nogueira da Montanha e pelo Reverendo Vigário de Maças, os quais são os párocos conjuntos a estas freguesias e que conste ser esta declaração era ut supra.
Manuel Teixeira Pires

6 comentários:

  1. OBRIGADO ESTA INFORMAÇAO FOI UTIL PARA O MEU TRABALHO DE EVT

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  2. Boa noite!
    Pois eu vim aqui à procura de uma informação pedida hoje na Amoinha Nova pelo amigo Eurico, que adora saber "as coisas da história do intigamente".
    Está em causa a Capela da Fonte, diz ele, sita no Ladário, que terá pertencido a um particular??? e há anos reclamada pelo povo.Ele conhece bem o local.
    Pelo doc. sinto que sempre terá sido propriedade da aldeia.
    Vou levar-lho.
    obrigada por tão rica inf.aqui publicada.
    Amanhã volto
    cmps
    leonor moreira

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  3. Boa noite amiga Leonor Ferreira!
    É estranho, mas desconhecia a existência de uma capela assim chamada no Ladário. O que se retira do presente documento, aliás, é que o ladário por esse tempo (1758) era o único lugar de Friões que não possuía qualquer capela ou ermida. Tal não invalida que o Sr. Eurico esteja certo e que eventualmente em data posterior alguma capela com este nome possa ter sido edificada no Ladário ou na suas imediações. A única capela assim designada (da Senhora da Fonte) de que eu tinha conhecimento é a de Friões, da invocação da Senhora da Conceição, também mencionada neste documento paroquial associada à fonte adjacente que foi estudada pelo Dr. Adérito Freitas, que é um monumento tão belo que entendi inseri-la da nossa rubrica "raridades arquitectónicas [local,regional], dedicando-lhe um "pseudo-painel de azulejos" que compus com base numa foto de Manuel Barreira. Não estará o Sr. Eurico a referir-se a esta? Ver aqui:

    http://clubehistoriaesvalp.blogspot.com/2011/03/mais-uma-raridade-do-patrimonio.html

    Os melhores cumprimentos,
    Leonel Salvado

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  4. Boa tarde amigo Leonel!
    Pois, provavelmente será esta, a Capela de que o amigo Eurico falou.
    Mas vou interrogá-lo sobre o que me diz, vou levar-lhe este doc. que vou ler a seguir.
    Obrigada
    cmps
    leonor moreira

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  5. Boa tarde, escrevo pois soube recentemente que um trisavô meu nasceu em Ferrugende, Friões, em 1835. Para mais, tragicamente, o seu pai (João Ferreira, meu tetravô) faleceu em 1836. A minha tetravó, Claudina era filha de um senhor Espanhol (Banhal??) e casou de novo. Tendo em conta o período controverso relacionado com a Maria da Fonte, alguém sabe estórias dessas aldeias no séucolo XIX?

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  6. Muito obrigada por darem a conhecer os locais e a historia.
    A minha avó de nome Palmira dos Anjos Lopes, era natural da povoação de Quintela, Fiães, Valpaços e nem sei se ainda tenho família por lá.

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