quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Quem salvou a vida a D. João I, na batalha de Aljubarrota?

Por Leonel Salvado

Durante muitos anos, sempre que se impunha relevar os cometimentos de heroicidade individual dos portugueses naquela que foi uma das mais importantes e recordadas vitórias obtidas pela Nação contra os castelhanos, vinham a lume, para além da inabalável figura do Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, sublimadas referências patrióticas à trilogia feminina constituída por Brites de Almeida (a “padeira de Aljubarrota”), Joana Gouveia (ou Joana Fernandes) e Maria de Sousa. A propósito desta, escrevia o Padre A. Alberto Gonçalves, em 1940:

O reinado de D. João I foi fértil em altruísmos femininos, foi um alfobre de sublimes abnegações desinteressadas que não é lícito pôr em dúvida porque foram grandes e inexcedíveis.
Senão vejamos. Aqui depara-se-nos, Maria de Sousa que, corajosamente defendeu e salvou a vida do rei, derrubando Álvaro Gonçalves Sandoval, com um golpe de partazana, quando ele tentava matar D. João I, e depois tolheu o passo a um grupo de castelhanos, pondo-os em fuga. […].
In O Sentimento Patriótico na Mulher Portuguesa, Livraria Civilização, Porto, 1940, p. 31.

Curiosamente, esta visão tradicional, eivada de extremo sentimento patriótico que convinha à ditadura do Estado Novo, continua viva na memória colectiva de muitos portugueses que a ostentam ainda, com orgulho e aparente convicção. No actual site da Câmara Municipal de Alcobaça, pode ler-se:

É conhecido o episódio da Padeira de Aljubarrota, Brites de Almeida, que na ressaca da batalha teria surpreendido sete Espanhóis escondidos no seu forno e que um a um, à pazada, a todos despachou para o outro mundo.
Esta porém, não é a única mulher célebre em Aljubarrota, embora das outras quase não haja já memória, e a grande maioria jamais ouviu falar nelas. Para que a sua memória também possa perdurar, aqui fica o retrato das suas façanhas.
Uma é Maria de Sousa, que com um golpe de “partazana” (uma espécie de alabarda) derrubou Álvaro Gonçalves Sandoval, quando este pretendia matar D. João I, e que atravessou com um dardo, Gonçalo Nunes de Gosman, “apóstata da Pátria e da Família”, pois era irmão do Condestável, e que tolheu o passo a um grupo de castelhanos que fugia, suportando heroicamente a sua posição, com uma espada durante um bom quarto de hora, matando uns vinte?, dos tais castelhanos, saindo sã e salva desse combate.
Outra, foi Joana Fernandes, que entrincheirada num silvado, fez um dano cruel aos soldados Espanhóis, atirando-lhes com pedras, e despejando por cima dos que ali passavam água a ferver, que mandava buscar de quando em quando a casa de uma vizinha. Só faltava cozinhá-los num caldeirão, que está em Alcobaça e que o povo de Aljubarrota há muito reivindica a sua devolução à sua origem, em vão.
Portanto, não temos uma heroína, mas três. Nem todas as terras se podem gabar disto.
In http://www.cm-alcobaca.pt/index.php?ID=1895

No ano de 2006, Pedro Gomes Barbosa e Carlos Santos Mendes publicaram o livro intitulado De Macedo a Macedo de Cavaleiros, a Figura de Martim Gonçalves de Macedo, uma edição da Câmara Municipal, cuja capa se pode ver ao lado, conferindo a esta cidade transmontana do distrito de Bragança uma posição de destaque no referencial da heróica história militar nacional, devido ao papel desempenhado por aquele nobre fidaldo de Macedo de Cavaleiros na batalha de Aljubarrota, a quem, afinal, terá cabido o mérito de ter cometido o memorável, mas quase esquecido, acto de ter livrado de morte certa o primeiro rei da dinastia de Avis quando este lidava em desvantagem contra o castelhano Álvaro Gonçalves Sandoval.

No Fórum Trás-os-Montes, a 4 de Novembro de 2008, Maria Portugal apresentou duas publicações que exprimem duas formas bem distintas de interpretação das questões relacionadas com D. Martim Gonçalves de Macedo: Uma datada de 21 de Agosto, da autoria de Saul António Gomes, com algumas reservas críticas do autor perante o silêncio a que a respeito do herói alegadamente macedense, sepultado no Mosteiro da Batalha, se submetem as fontes históricas mais antigas e conceituadas; logo a seguir, um artigo mais recente, publicado no Jornal Nordeste, da autoria de Sandra Canteiro, em que se transmite uma informação mais segura e confiante acerca da identificação do cavaleiro associado à sepultura, à sua heróica acção, bem como à sua origem de Macedo de Cavaleiros, tudo isso garantido pelo Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, inaugurado no dia 11 de Outubro de 2008. Para aceder à transcrição destas publicações, clique, em baixo, em «Ler mais».

O livro que aqui pomos em destaque, é um livro que vale a pena ler, não só porque veio desmistificar, de uma forma historiograficamente criteriosa, um facto há muito conhecido, mas que permanecia um enigma, e que dava azo a todo o tipo de abusivas especulações, mas também porque nele já se propõem algumas explicações para as interrogações colocadas por Saul António Gomes (que talvez ainda não tivesse lido o livro) quanto à estranha ausência de relação desse facto com o macedense Martim Gonçalves de Macedo, nas fontes coevas e subsequentes, cronologicamente mais próximas.

Para obter a versão PDF do livro clique na capara da obra acima exposta.

D. MARTIM GONÇALVES DE MACEDO: UM HERÓI IGNORADO DA BATALHA REAL
Escrito por Saul António Gomes
21-Ago-2008

Em túmulo raso, à entrada da Capela do Fundador, no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, em lousa em que se notam, na parte superior, vestígios de execreção lapidar, mas com legenda, inscrita mais abaixo, em caracteres tardios e neo-góticos, o visitante é informado de se tratar da sepultura de Martim Gonçalves de Macedo ou de Maçada.
A tradição historiográfica batalhense explica a razão desta sepultura em lugar tão discreto e simultaneamente tão simbólico no magnífico panteão gótico da segunda dinastia portuguesa. Trata-se de um escudeiro que, nos campos de S. Jorge, no desenrolar da cruenta Batalha Real, no entardecer do dia 14 de Agosto de 1385, salvou a vida ao rei D. João I de Portugal.
Esta tradição tem fundamento histórico, como veremos, mas não a encontramos documentada nos grandes textos e autores antigos mais conceituados. Situações há, contudo, em que o Mosteiro da Batalha, nos seus diversos testemunhos arqueológicos, artísticos e heráldico-epigráficos, recorda uma história que as grandes crónicas, contra o que seria de esperar, eventualmente, omitem ou desconhecem. O inverso, naturalmente, também se verifica, podendo defender-se que a memória da famosa Batalha Real, que está no fundamento da edificação deste impressionante templo e panteão do Quattrocento europeu, se lavrou, ao longo do tempo, tanto pela palavra escrita em pergaminho ou em papel, quanto pela palavra lapidada em pedra.
Fernão Lopes ignora em absoluto o nome de Martim Gonçalves de Macedo, posto que aluda à luta, no zénite da batalha, entre o Mestre de Avis e o cavaleiro castelhano Álvaro Gonçalves de Sandoval, com vantagem para este, que conseguiu dobrar, joelhos postos em terra, o Soberano dos Portugueses. Na iminência de Álvaro de Sandoval desferir o golpe mortal, contudo, seguindo o celebrado cronista, o Rei da Boa Memória terá conseguido inverter a situação. Não explica cabalmente, no entanto e na verdade, como sucedeu este verdadeiro milagre que salvou a vida ao jovem monarca.

Eis o passo tal qual Fernão Lopes o refere na sua crónica:

“El-Rey, quamdo vyo a avanguarda rota e o Conde em tamanhada pressa, com gramde cuydado e todos com elle abalou rijamente com sua bamdeira, dizemdo altas vozes com gram esforço: Auamte, senhores, auamte! Sam Jorge, Sam Jorge! Portugall, Putugall, ca eu som el-Rey! E tamto que chegou hu era aquell duro e aspero trabalho, leixadas a(s) lanças de que se pouco seruiram por aazo da mesura da gemte, começou de ferir de facha assy desemuolto e com tal uomtade como se fosse huum simprez caualleiro desejosso de guanhar fama. E ueo a ell per aqueçimento Aluaro Gonçaluez de Sandouall, bem mançebo e de boom corpo, ardido caualeiro, casado daquell anno. E como el-Rey alçou a facha, deçemdo pera lhe dar, ell reçebeo o golpe, e trauou per ella, e tirou tam rijo que lha leuou das maãos e feze-o ajeolhar dambollos geolhos; e foy logo leuantado. E quando Alvaro Gonçalvez leuantou a facha pera lhe dar com ella, el-Rey esperou o golpe, e tornou-lha a tomar per aquella guysa; e quando lhe qujsera outra vez dar, jazia ja morto pellos que eram presentes que o majs a pressa fazer nom poderom, porque cada huum tijnha que veer em sy.” (Crónica de D. João I, Capº 42).

Atentemos bem no que escreve Fernão Lopes. D. João I, lutando com facha contra Álvaro Gonçalves de Sandoval, perde-a e, indefeso, cai por terra (“feze-o ajoelhar dambollos geolhos”). Esperar-se-ia o pior, o fim. Mas o cronista evita pormenores e regista, apenas, o comentário: “e foy logo leuantado”. Não nomeia, pois, o ou os interventores neste momento vital de toda a história deste famoso prélio luso-castelhano. D. João I recupera a sua facha e volta a perdê-la num segundo e imediato choque com Álvaro de Sandoval, combatente que revelava superioridade física. Valeu a D. João I que “os que eram presentes” mataram o castelhano.
O não identificado autor da Crónica do Condestável, absorvido em projectar D. Nuno Álvares Pereira como estratega e herói fundamental da Batalha Real, omite este acontecimento, tudo resumindo em breves palavras:

“E o conde estabre indo ante a sua bandeyra, forom em elle postas muytas lanças e em breve forom todas as lanças, de huã avenguarda e da outra, quebrantadas e vallado dellas feyto, e entom vierom as fachas e logo el rey, com a rreguarda, com grande aguça se ajuntou aa venguarda, feryndo de fachja tantos e taes golpes que eram asperos de atender aaquelles que os soffriam, como vallente rey ajudando seus naturaes, e sua real coroa defendendo.” (Crónica do Condestável, Capº 51).

O silêncio em torno do nome de Martim Gonçalves de Macedo não é, surpreendentemente, um exclusivo de Fernão Lopes ou do anónimo autor da Crónica do Condestável. Luís Vaz de Camões, n’Os Lusíadas (Canto IV, 28-45), não se lhe refere, o mesmo sucedendo com Francisco Rodrigues Lobo, o afamado poeta leirenense, que conhecia bem o Mosteiro de Santa Maria da Vitória e a sua Capela do Fundador, o qual, no seu poema épico O Condestabre de Portugal D. Nuno Alvares Pereyra, contando largamente a Batalha Real, não descobre senão o episódio evocado na tradição lopesiana:

“Mas o Rey Portugues que nelle atenta,
Em quem só tinha a Patria sustentada,
Ante os seus animosos se apresenta,
Com huma facha na mão dura, e pesada.
E qual o Sol na furia da tormente,
Alegra a gente nautica infiada,
Que sorvesse no abismo vio mil vezes,
Tal o Rey se mostrou aos Portuguezes.

A elles Lusitanos esforçados,
Que eu sou rey vosso, e vosso companheyro,
A elles (vay dizendo em grande brados)
Vamos desenganar este Estrangeyro.
Tras elle os Portugueses animados,
Seguindo o seu farol tão verdadeyro,
As forças renovando, os braços movem,
Contra as gentes sem conto que alli chovem.”

(O Condestabre, Canto XIV).


Frei Luís de Sousa, o celebrado cronista dominicano, escrevendo, sobre o Mosteiro da Batalha, por 1621, páginas de ímpar beleza na sua História de S. Domingos, nas quais colhemos pormenores invulgares e da maior relevância informativa do passado deste instituto monástico, como faz a propósito e por exemplo, da Capela do Fundador ou das Capelas Imperfeitas, nada aponta sobre os túmulos rasos que se encontram à entrada da igreja conventual, posto que atente nos demais sepulcros que nas capelas da cabeceira da igreja, na sala capitular e no claustro se encontravam.
Também o anónimo autor de O Couseiro, nas bem conhecidas memórias históricas da Diocese de Leiria, redigidas em meados de Seiscentos, mais precisamente por finais da década de 1650, nos capítulos 68 a 74, se calou em relação ao assunto que nos ocupa.

Dois séculos mais tarde, em 1827, D. Fr. Francisco de S. Luís, autor da conhecida Memoria historica sobre as obras do real Mosteiro de Sancta Maria da Victoria, chamado vulgarmente da Batalha, acrescenta informação inédita e objectiva sobre o histórico monumento. Disserta com interesse sobre os túmulos rasos de Mateus Fernandes e de Diogo Gonçalves de Travassos, localizados, como escrevemos, à entrada poente da igreja. Mas nada deixa escrito sobre o túmulo de Martim Gonçalves de Macedo.
Perante o silêncio destes respeitáveis cronistas e autores, como se poderá atentar na lápide que identifica Martim Gonçalves de Macedo sem alguma dúvida e suspeição crítica? Tratar-se-á, porventura, de alguma falsificação histórica incrustada no monumento gótico em fase tardia?

Fonte: http://www.trasosmontes.com/forum/viewtopic.php?t=3625


SALVOU A VIDA DO FUTURO REI
Macedo de Cavaleiros
Ilustre macedense combateu em Aljubarrota

O cavaleiro macedense, D. Martim Gonçalves de Macedo, que salvou a vida ao Mestre de Avis, futuro D. João I e rei de Portugal, é referenciado no Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA), inaugurado no passado dia 11 de Outubro.
O equipamento, criado no local onde se deu, a 14 de Agosto de 1385, o confronto é promovido pela Fundação Batalha de Aljubarrota, à qual o município de Macedo de Cavaleiros se associou.
Assim, a localidade transmontana é destacada no CIBA devido ao heroísmo de D. Martim Gonçalves de Macedo, notável cavaleiro que assumiu um papel importante na Batalha. Segundo se conta, o ilustre macedense salvou a vida ao futuro rei D. João I, ao colocar-se entre o Mestre de Avis e o castelhano D. Álvaro Gonçalves de Sandoval, a quem acabou por matar.
D. João I reconheceu este acto e, desde a Batalha de Aljubarrota, no brasão de armas dos Macedo passou a constar um braço de azul, com uma maça de armas de prata, usada por D. Martim Gonçalves de Macedo para assassinar D. Álvaro Gonçalves de Sandoval.
Sandra Canteiro, Jornal Nordeste, 2008-11-04
In DTM

Fonte: Id.

3 comentários:

  1. Ex.mo Sr.
    Encontrei uma referência a Diogo Gonçalves de macedo, filho de Martim Gonçalves de Macedo, sendo senhor da Vila de S. Seriz. Não encontro são Seriz nos mapas actuais. Será que me consegue dar uma pista?
    Cumprimentos
    Alexandra

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    1. Esta resposta pode já chegar tardiamente, mas só agora vi este blog...
      A vila chama-se Sanceriz.

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  2. Sanceriz aldeia da freguesia de Macedo do Mato, no concelho de Bragança, Portugal. Dista da sede de Concelho 46 km. Bragança, Portugal. Foi freguesia, vila e sede de concelho até ao início do século XIX. O pequeno município era constituído por uma freguesia e tinha, em 1801, apenas 88 habitantes.

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