D. Leonor de Áustria, in http://picasaweb.google.com/
Foi Rainha de Portugal; 3.ª mulher do rei D. Manuel, de quem enviuvou, casando em segundas núpcias com o rei Francisco I, de França.
Nasceu na cidade de Lovaina, da província de Brabante, a 15 de Novembro de 1498; faleceu em Taraveruella pouco distante de Badajoz, em 25 de Fevereiro de 1558. Era filha primogénita de Filipe I, o Formoso, arquiduque de Áustria, rei de Castela e senhor dos estados de Flandres, e da rainha D. Joana, a Louca, herdeira da coroa de Castela e Aragão, como filha dos reis católicos Fernando e Isabel.
Teve por irmãos os imperadores Carlos V e Francisco I, e as rainhas D. Isabel de Dinamarca, D. Maria de Hungria e Boémia, e D. Catarina, mulher de D. João lII, de Portugal. A princesa D. Leonor estava destinada para esposa do príncipe D. João, herdeiro da coroa de Portugal, e eram ambos ainda muito crianças. O rei D. Manuel, porém, que enviuvara pela segunda vez, vendo o retrato da jovem princesa, que apenas contava 19 anos, e diz a tradição ser de rara formosura, tanto se agradou dos seus encantos que resolveu escolhê-la para sua esposa, preterindo as pretensões do príncipe seu filho, realizando-se assim as suas terceiras núpcias. Carlos V fora aclamado como imperador da Alemanha, e viera de Flandres para Saragoça, onde se reunira a corte, e D. Manuel, com o pretexto de o felicitar por ter cingido a coroa imperial, mandou a Saragoça como embaixador o seu camareiro, guarda-roupa e armador-mor Álvaro da Costa, mas o fim principal desta embaixada era tratar do casamento, muito em segredo, atendendo às circunstancias que se davam. Álvaro da Costa desempenhou-se da sua missão com muita diligência e diplomacia, a proposta foi bem aceita pela corte de Castela, e as negociações depressa se concluíram.
Os desposórios efectuaram-se na mesma cidade de Saragoça em 16 de Julho de 1518, sendo nomeados procuradores, para tratar com o embaixador Álvaro da Costa, o cardeal Florent, bispo de Tortosa, que depois foi o papa Adriano VI, Guilherme de Croy, duque de Sora; e João le Sauvage, senhor de Strambeque. No tomo II, das Provas da História Genealógica, a pág. 417, vem este tratado com as obrigações que nele se ajustaram. Este casamento de D. Manuel causou um certo espanto em Portugal, porque o monarca mostrara-se inconsolável pela morte de sua segunda mulher, dizendo que abdicava a coroa em seu filho, e se recolhia ao convento de Penha Longa. O príncipe sentiu grande desgosto, porque se apaixonara também pelo retrato da sua prometida, que se tornara agora em madrasta. Concluídos os contratos matrimoniais, a nova rainha D. Leonor partiu de Saragoça, e entrou em Portugal por Castelo de Vide com o acompanhamento de fidalgos, e mais particulares, que Damião de Góis refere minuciosamente na parte IV da Crónica de D. Manuel, capítulo 34. O monarca esperava-a no Crato, e em 24 de Novembro ali se celebraram pomposas festas. Como em Lisboa havia peste, partiram os régios esposos com toda a corte para Almeirim, onde se demoraram até ao Verão seguinte, passando em seguida a Évora, voltando para Lisboa só quando a epidemia estava completamente extinta. Foi em 21 de Janeiro de 1521 que a rainha entrou pela primeira vez nesta cidade, com grande pompa e aparato, trazendo consigo já o infante D. Carlos, que tinha nascido em Évora a 18 de Fevereiro de 1520. Este infante morreu muito criança. No paço da Ribeira teve o segundo filho, que foi a infanta D. Maria, que nasceu a 8 de Junho de 1521. E foram os dois únicos deste real consórcio. Não tardou que sentisse o profundo golpe da morte de seu marido, sucedida a 13 de Dezembro desse ano.
Desgostosa pela sua tão breve viúvez, determinou recolher-se ao convento de Odivelas, e tomou para isso as suas disposições, porém D. João III não consentiu que se afastasse do paço; a rainha foi então para Xabregas, adoptando um tal modo de vida, que em tudo parecia religiosa professa. Ouvia missa todos os dias com muita devoção, frequentava os ofícios divinos, seguia com muita austeridade em tudo, e mandava acudir de continuo com grossas esmolas às misérias, que a esterilidade do ano de 1521 fez lastimosas nos pobres. D. João III ia muitas vezes visitá-la a Xabregas; o seu amor pela madrasta não se havia desvanecido, e D. Leonor parecia ter também por ele uma certa simpatia. As visitas repetiam-se amiudadas vezes, e o embaixador de Castela em Lisboa, Cristóvão Barroso, que aborrecia a rainha, insinuou que aquelas visitas já não eram de mera cortesia, e esta insinuação causou forte impressão em Castela. O povo de Lisboa já murmurava também, e no patriótico desejo, de que a rainha não abandonasse o reino com as grandes riquezas que possuía, fez uma representação ao rei e à rainha pedindo que se casassem.
Parece que efectivamente se chegou a pensar neste enlace, mas Carlos V, que pensava em dispor da mão de sua irmã viúva de outra forma, opôs-se energicamente, mandou pedir a D. João III o seu beneplácito para que a rainha D. Leonor voltasse para Castela. Houve hesitações da parte de Portugal, mas insistindo o imperador, porque já pensava em casar a irmã com o rei de França, D. João III deu o seu consentimento, e D. Leonor saiu de Portugal no mês de Maio de 1513, acompanhada dos infantes D. Luís e D. Fernando, do duque de Bragança D. Jaime, e de outros fidalgos, ficando sua filha, a infanta D. Maria, em Lisboa. Tempo depois, o contrato de Cambrai, chamado Paz das Damas, estipulava o casamento de D. Leonor com Francisco I, de França, o qual se celebrou em 4 de Julho de 1530 na abadia de Capsieux em Baiona Francisco I havia enviuvado pouco tempo antes da rainha madame Claude, filha de Luís XII, seu imediato predecessor. Contratou-se este casamento no ajuste de pazes entre o rei de França e o imperador Carlos V, quando ele estava preso em Espanha depois da batalha de Pavia. A coroação da nova rainha de França realizou-se solenemente na igreja de S. Diniz, em 5 de Março de 1531. Acabada a coroação, foram para Paris os régios cônjuges, sendo D. Leonor ali recebida com entusiasmo. Naquela corte leviana viveu muito desgostosa e quase em completo isolamento; Francisco I entregava-se às suas amantes, e D. Leonor encerrava-se nos seus aposentos dedicada às suas orações e à leitura da Bíblia, sentindo profunda saudade pela filha, que ficara em Portugal. Falecendo o rei em Março de 1547, vendo-se novamente viúva e sem filhos deste segundo consórcio, resolveu retirar-se a Flandres para a companhia do irmão, e dez anos depois, nos primeiros dias de Agosto de 1557, quando Carlos V se recolheu ao convento de S. Justo, foi para Espanha, acompanhada de sua irmã D. Maria, que fora rainha de Hungria e Boémia. Nesse ano de 1557 falecera também D. João III, ficando a regência do reino, pela menoridade do rei D. Sebastião, à rainha viúva D. Catarina, sua irmã. Desejosa de ver a filha, de quem sempre se lembrara com a maior saudade, e não querendo morrer sem a beijar, solicitou esta graça, e disposta à jornada, veio até Badajoz, no princípio do ano de 1558, demorou-se ali vinte dias com a infanta; e a vista da filha lhe causou tão forte impressão, que adoeceu gravemente, e quinze dias depois da sua retirada, faleceu.
O cadáver foi depositado em Mérida, seis léguas distante de Taraveruella, sendo em 4 de Fevereiro de 1571 trasladado para o mosteiro do Escurial. A infanta D. Maria herdou de sua mãe os avultados bens que possuía em Castela, França e Portugal. Foi quem fundou o convento de N. Sr.ª da Luz. A rainha D. Leonor foi muito piedosa e entregava-se muito à leitura de livros devotos. Por seu mandado, traduziu e compôs em língua castelhana o mestre Fernando Larava, seu capelão, as Lições de Job, com os Salmos, que se cantam nas Horas dos Finados; e juntamente com as Lamentações de Jeremias os sete Salmos penitenciais, e os quinze do Canticumgrado, livros de muita raridade, impressos em 1550 e 1556, em Anvers por Martim Nucio. D. Leonor tomou por empresa uma Fénix ateando com as próprias asas o fogo para mais se abrasar, e por letra as palavras latinas: Unica semper avis.
Transcrito por Manuel Amaral de Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico, Volume IV, págs. 170-171. Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres – Editor
Edição electrónica © 2000-2010 Manuel Amaral
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