PUBLICO, 29.06.2012 - 07:14, Por
Nicolau Ferreira
Afinal, o Austrolopithecus
sediba comia casca de árvores e madeira, uma dieta misteriosa que
ainda não tinha sido encontrada em nenhum outro antepassado do homem estudado
até agora, revela um artigo publicado na última edição da revista Nature.
O tártaro extraído dos dentes do
Austrolopithecus sediba permitou
desvendar a sua dieta (Paul
Sandberg/Universidade do Colorado)
O Austrolopithecus sediba é
o australopiteco que se conhece há menos tempo. Quando foi notícia em 2010,
pela descoberta de dois fósseis seus, ele ficou posicionado num ponto-chave da
árvore da evolução humana. Agora, a descoberta de que estes hominídeos tinham
uma alimentação semelhante à dos chimpanzés que hoje vivem nas florestas
provoca o espanto.
“O que me fascina é que estes indivíduos
são casos estranhos”, disse um dos autores do artigo, Matt Sponheimer, do
Departamento de Antropologia da Universidade do Colorado. “Estava bastante
convencido de que de há quatro milhões de anos para cá a família dos nossos
parentes hominídeos tinha uma dieta que era diferente da dos grandes símios
(chimpanzés ou gorilas) que estão vivos, mas agora não tenho tanta certeza.”
Os dois fósseis de Austrolopithecus
sediba foram encontrados em 2008 em Malapa, num sítio arqueológico a
40 quilómetros de Joanesburgo, na África do Sul, rico em fósseis. Eram as
ossadas de uma fêmea, que teria entre os 20 e tal e os 30 e poucos anos, e de
um jovem que estaria entre os nove e os 13 anos.
Se eram mãe e filho e como é que caíram
numa gruta não se sabe, pelo menos por agora. O que se conhece é que estes dois
indivíduos viveram há quase dois milhões de anos. Passearam-se pela Terra muito
depois de ter aparecido a primeira espécie de australopiteco conhecida, com 4,2
milhões de anos, e de Lucy, uma Austrolopithecus afarensis que
viveu há 3,2 milhões de anos.
A partir dos fósseis dos ossos dos dois
indivíduos, os cientistas analisaram as suas características anatómicas e
concluíram que tinham características de australopitecos, como cérebros e
corpos pequenos, braços longos e mãos fortes. Podiam trepar às árvores, mas
tinham as pernas longas, tal como o género Homo, indicando que
seriam bípedes. Além disso, tinham traços no crânio e nas ancas comuns ao
género humano.
Por isso, eram uma espécie de quimera
anatómica na evolução humana. “Estes fósseis são um passo de gigante no
conhecimento do nosso género”, disse Eugénia Cunha, antropóloga forense e
especialista em evolução humana da Universidade de Coimbra, ao PÚBLICO em 2010,
quando a descoberta da espécie foi anunciada. “São uma peça no puzzle que
preenche a passagem, muito mal conhecida, entre os australopitecos e os
primeiros Homo”, referiu a especialista, que não esteve envolvida
nestas descobertas.
Dentes, para que vos quero
Agora, ficou a saber-se um pouco mais
sobre a sua dieta. Utilizando lasers, a equipa conseguiu analisar o carbono nos
dentes e detectar o tipo de alimentos que estes hominídeos mastigavam. Descobriram
que o Austrolopithecus sediba preferia arbustos e árvores, em
vez de gramíneas ou plantas herbáceas.
Depois, os investigadores estudaram o
tártaro dos dentes dos fósseis, para extrair e analisar os fitólitos – pedaços
microscópicos de sílica, excretados pelas plantas, diferentes para cada espécie
e que se podem acumular nos dentes. A análise dos fitólitos mostrou que aqueles
australopitecos alimentavam-se, além de folhas e frutos, de madeiras de várias
espécies de plantas.
Os cientistas concluíram que aquela
região, há dois milhões de anos, era um bosque e que aqueles hominídeos
poderiam ter uma dieta parecida com a dos chimpanzés de hoje, e diferente de
qualquer outra espécie de australopiteco ou de Homo.
“A dieta é um dos aspectos fundamentais
de um animal, que condiciona o comportamento e o nicho ecológico”, explica Paul
Sandberg, co-autor do estudo. “A informação dos fitólitos sugere que os
indivíduos Austrolopithecus sediba estavam a evitar as
gramíneas que cresciam em campo aberto”, diz.
“A nossa amostra é demasiado pequena
para ser conclusiva”, defende por sua vez Matt Sponheimer. Mas o sítio
arqueológico de Malapa, ainda muito pouco escavado, já provou que tem muitos
fósseis para dar. “A frequência com que Malapa está a cuspir fósseis de hominídeos
faz com que esteja razoavelmente certo de que não vamos precisar de mais dois
milhões de anos para aumentar a nossa informação.”
Fonte: http://www.publico.pt
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