quarta-feira, 25 de abril de 2012

38.º Aniversário da Revolução de 25 de Abril

Por Leonel Salvado



Comemora-se hoje em Portugal o fim da ditadura do Estado Novo. É feriado nacional em memória ao movimento revolucionário que em 25 de Abril de 1974 concretizou esse golpe que, desde então e durante décadas, foi entendido como tendo aberto um novo e importante período da História de Portugal representado política e socialmente o caminho para a conquista da liberdade e a instauração da democracia, razão por que a mesma data tem vindo a ser considerada por muitos portugueses como o “Dia da Liberdade” o qual, todavia não deve ser confundida com o “Dia Mundial da Liberdade” que se comemora a 23 de Janeiro.
Hoje, face às dificuldades que o país atravessa, esta data parece servir mais como um motivo para reflectir da ingenuidade com que foi encarado o futuro pós-revolucionário do que como uma data a comemorar, uma data que, cada vez mais, parece vir a despertar sentimentos de desencanto face à esperança depositada pelos portugueses na"Revolução dos cravos”, até da parte de alguns portugueses que nela assumiram decisivo protagonismo. Enfim, uma data comemorativa de sabor agridoce mas, ainda assim, uma data de relevância histórica nacional que cumpre assinalar.  

“Dia do desencanto” ou como se lhe queiram chamar, nunca deixará porém de ser uma data memorável, restando-nos, ao menos “à boa maneira portuguesa”, recordar aqui uma das memórias da passagem de cidadãos comuns por esse “dia de esperança, de festa e de alegria”. Por isso escolhemos as “memórias” de Amélia Pais que foram publicadas em 2008 na rubrica “crónicas contra o esquecimento” do seu blogue pessoal.

«HÁ 34 ANOS ERA ASSIM QUE NOS SENTÍAMOS*

“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”
[Sophia Mello Breyner Andresen]

O regime começava a cair lentamente, em processo de corrosão interna que começava também a tornar-se notório aos mais atentos - e que a tentativa militar malograda do 16 de Março vinha confirmar. Uma série de acontecimentos prenunciavam a queda - a publicação do livro de Spínola PORTUGAL E O FUTURO e os acontecimentos a nível de altas chefias militares daí decorrentes, mostravam que havia descontentamento e dúvidas a tais níveis - ora tinham sido justamente os militares que, em 28 de Maio de 1926, tinham instaurado uma ditadura que levaria ao poder Salazar e o seu regime de Estado Novo. Lembro-me de em Paris, onde passava férias da Páscoa, ter estado com portugueses exilados - neles era já geral a convicção de que em breve seria possível o tal golpe militar de que se começava a falar, nomeadamente na imprensa estrangeira. E também eles perguntavam «noticias do (meu) país», não apenas ao «vento que passa» das trovas de Manuel Alegre, mas a quem vinha de Portugal - para quando a revolução? Aguardavam ansiosamente o fim do exílio forçado e doloroso.

Em 24 de Abril, à noite, ouvindo, como de costume, o programa Limite, na Rádio, surpreendeu-me ouvir ler a 1ª quadra da canção (proibida pela censura) GRÂNDOLA VILA MORENA, seguida da canção propriamente dita. Surpreendeu-me, mas estava longe de imaginar que essa era a 'senha' do golpe. Dormi normalmente até por volta das 6 horas da manhã, altura em que fui acordada por uma colega que me dava a notícia de que havia uma revolução.

Liguei de imediato a rádio e ouvi com expectativa os comunicados dum tal MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS (M.F.A.) que dizia estar em curso uma acção de libertação do nosso povo, procurando destituir o governo que há 48 anos oprimia o país. Não sabíamos, inicialmente, de que militares se tratava: - se de militares democratas, se de 'ultras' militares de extrema-direita que contestavam Marcelo Caetano, por 'brandura'. Da janela do meu quarto, assistia-se a um desfile de viaturas militares em direcção ao sul, a Lisboa.

Creio que nunca se ouviu tanto rádio como nesse dia - estávamos presos dos comunicados, das notícias, de saber o que se seguiria. À noite, no telejornal, veríamos os primeiros rostos da revolução triunfante. E nesse dia os jornais de referência, como o saudoso República, faziam sair os seus jornais com a tarjeta: ESTE NÚMERO NÃO FOI VISADO POR NENHUMA COMISSÃO DE CENSURA.

Fui para a escola tentar dar aulas 'normais' - naturalmente tarefa impossível, e se calhar nem sequer desejada. As autoridades da escola, essas, estavam fechadas no antigo gabinete do Reitor, ouvindo rádio - a ver, também, prudentemente, no que dava...-para se pronunciarem depois. Às 3 da tarde já se sabia: - o poder autoritário, de tipo fascista, tinha sido derrubado; aguardava-se a rendição de Marcelo Caetano, refugiado com os seus ministros no Quartel do Carmo, onde era a sede da fidelíssima Guarda Nacional Republicana. Essa rendição far-se-ia mais tarde, às ordens de Salgueiro Maia, o 1ºherói conhecido do golpe [fora também aluno desta nossa Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo, de Leiria].

Entretanto, e por essa hora, e com a presença já das autoridades liceais (Reitor e Vice-Reitores, de nomeação governamental), fomos todos para o Ginásio, no 1ºdos muitos Plenários que se seguiriam. Houve algumas palavras do então Reitor, que afirmou que nunca tinha vivido em democracia - e por isso, também ele iria ter muito que aprender. Falaram mais professores, mais ou menos conotados com a até ali oposição democrática - e conhecidos como tal. Lembro-me da palavra de ordem mais aplaudida: - Hoje começa uma nova vida para todos nós - uma vida de liberdade. Há tudo para fazer. Por isso, não há tempo a perder. COMECEMOS DESDE JÁ A TRABALHAR!

E é essa a minha principal memória do dia - o «dia inicial inteiro e limpo» e que depois seria o 'dia da liberdade', de descompressão, de libertação, da festa - que o foi, na verdade - e viria a despoletar idênticos movimentos, na Grécia, em Espanha, no Brasil.

Nunca vi tanta gente contente. Por uns tempos as pessoas foram diferentes: sorriam abertamente umas para as outras, não se insultavam na estrada, davam mais facilmente boleias, exigiam mais justiça, mais fraternidade, mais solidariedade - e o fim da guerra e a liberdade para os povos colonizados. Aprendiam a falar abertamente, a tomar a voz em plenários, em sindicatos, em manifestações. Acreditámos piamente que estávamos a construir um mundo melhor, mais fraterno, mais justo. Empenhámo-nos a sério - acreditámos que era possível e estava a chegar o país da utopia.

Muito errámos depois e em muitas ocasiões. Fomos enganados na nossa boa fé, outras tantas. Mas nunca professores e alunos estiveram tão unidos na sua generosidade, nunca vi juntar-se tanta gente em torno do que consideravam boas causas (mesmo que, mais tarde, viessem a considerá-las não assim tão boas...).

Nem tudo correu bem, é certo. A história far-se-á desapaixonadamente um dia. Mas foi bom poder ver a libertação dos presos políticos, foi bom ter a ilusão de que podíamos reconstruir a História, - foi bom também ver mais tarde o país seguir, após os sobressaltos de 2 anos, uma vida democrática, moderna, europeia, civilizada.


Foi bom estar nas primeiras eleições livres, em 1975, como tinha sido linda a festa do 1º primeiro de Maio... em 1974. FOI BOM VER A FESTA. Uma festa de todo um povo que era bom e generoso - e se muitos pecámos durante o chamado Período Revolucionário em Curso, a verdade é que o balanço final é positivo : podemos orgulhar-nos de sermos um país e um povo que soube vencer a 'austera, apagada e vil tristeza' de que já Camões falava, de recuperar direitos de cidadania longamente usurpados, de se erguer, sem complexos, face a uma Europa que finalmente nos aceitava no seu seio, como igual em dignidade e direitos. [...] Uma Europa maior porque mais livre - mesmo se albergando ainda grandes inquietações e, posteriormente, uma guerra terrível na Bósnia e noutras regiões da ex - República da Jugoslávia...


Depois de termos mostrado à Europa como era o mapa do mundo, depois de séculos de 'vil tristeza', erguíamo-nos de novo, encerrando o ciclo do império, sempre atlânticos, recuperando a grandeza [comprometida em Alcácer - Quibir] de não aceitar como fatal a infelicidade, o 'nevoeiro' de que falava Fernando Pessoa - e de podermos voltar a sonhar uma pátria mais justa e solidária.


E foi bom, também, ver nascer os países africanos de expressão portuguesa, que hoje são povos irmãos e não já inimigos. E ver libertar-se de outras ditaduras o Brasil, a Argentina e outros povos de além - mar. Competia - nos continuar o sonho, crescer mais e melhor, e, sobretudo, reparar injustiças, democratizar e desenvolver mais - visto que a missão de descolonizar, bem ou mal, foi feita. Essa é a tarefa dos políticos, é certo, mas é também a de cada um de nós.


E aguardemos agora, em 2008, 34 anos depois, em tempo de desencanto, que uma breve e ténue luzinha, mesmo lá bem no fundo do túnel, nos faça recuperar esses dias de encantamento e de crença no futuro.

Porque, como dizia o poeta resistente francês Paul Eluard

“La nuit n'est jamais complète.
Il y a toujours
puisque je le dis,
Puisque je l'affirme,
Au bout du chagrin, une fenêtre ouverte,
une fenêtre éclairée.”»

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