2. POPULAÇÃO
Infelizmente,
não foi ainda possível aceder aos Registos Paroquiais de baptizados,
casamentos e óbitos relativos ao século XVIII para a região aqui considerada,
fontes essas que são sempre de primordial importância para qualquer estudo em
Demografia histórica devido às informações que delas se podem retirar para uma
análise mais profunda e rigorosa do comportamento das populações ao longo dos
quatro últimos séculos – os factores natalidade, fecundidade, nupcialidade e
mobilidade. Pelos mesmos motivos também não se torna possível fazer-se em
estudo sobre a estrutura ou estado da população por sexos e idades, bem como os
seus movimentos migratórios.
Limitar-me-ei
por isso a apresentar uma análise estatística da evolução populacional na área
do actual concelho de Valpaços entre o início do século XVIII e os meados do
século XVIII, esclarecendo um ou outro factor que também possa ter condicionado
essa evolução, deixando ainda algumas considerações sobre a evolução
subsequente observada até aos meados do século XIX.
Assim,
face aos registos obtidos de diversas fontes, que adiante irão sendo
devidamente identificadas, entendi adoptar uma metodologia desdobrada em duas
perspectivas analíticas distintas:
-
a primeira, apontada para uma apreciação da evolução demográfica verificada em
toda a área que actualmente pertence ao concelho de Valpaços e cronologicamente
circunscrita à primeira metade do século XVIII;
-
a segunda, dedicada à evolução populacional verificada no concelho de Valpaços
propriamente dito e, como tal, indissociável da sua própria evolução
político-administrativa, alargada à 2.ª metade da mesma centúria e ao século
XIX.
2.1.
EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO NA ÁREA DO ACTUAL CONCELHO DE VALPAÇOS NA 1.ª METADE DO
SÉCULO XVIII
Os
dados relativos à população das várias freguesias para o ano de 1706 na área
aqui considerada são os que foram publicados na Corografia Portuguesa do Padre
Manuel Carvalho com a indicação do número de fogos apenas. Para se fazer uma
estimativa do número de habitantes correspondentes servi-me das informações que
surgem nas Memórias Paroquiais de 1758, cujos párocos indicam quase sempre o número
de fogos (por vezes designados por “vizinhos”) e o número de habitantes
(“pessoas de confissão e comunhão”). Analisando os dados registados pelos
respectivos párocos memorialistas, deparei-me com a existência de uma grande diversidade
quanto à dimensão dos fogos nas várias freguesias, a qual varia entre os 2,1 e
2,3 habitantes por fogo em Crasto e Barreiros, respectivamente, e os 3,9 e 4 em
Friões e Vilartão, por exemplo. Perante tal variedade, entendi adoptar não o
coeficiente 3,1 que representa a dimensão média global dos fogos em 1758 mas os
valores representativos da dimensão média dos fogos de cada freguesia nesse
mesmo ano, de modo a fazer uma estimativa mais objectiva do volume da sua
população em 1706.
QUADRO I
A população na área do concelho de Valpaços na 1.ª metade do século XVIII
(clique no quadro para melhor visualizar)
Fontes:
“COROGRAFIA e desrcipçam topográfica do famoso reyno de Portugal…” do Padre
António Carvalho da costa. (1706 – 1712), TRATADO III – Da Comarca &
Ouvidoria de Bragança,TOMO ICAP. V [pp. 506 – 511 | id, LIVRO SEGUNDO – Da Comarca da Provincia de
Trás os Montes, TOMO
PRIMEIRO, CAP. III – Da
Villa de Monforte do Rio Livre, pp. 433 - 434 | Leonel Salvado, O
Concelho de Valpaços nas “Memórias Paroquiais de 1758” in blogue Clube
de História de Valpaços.
Após uma primeira análise dos dados obtidos e apresentados no Quadro I, não restam
dúvidas de que durante a 1.ª metade do século XVIII em toda a área actualmente
abrangida pelo concelho de Valpaços, zona profundamente rural como ainda hoje é
grosso modo considerada, predominava um “modelo demográfico de tipo antigo”,
típico dessa época assim em Trás-os-Montes como no restante território nacional
e numa grande parte da Europa. Este modelo é também designado por “Antigo
Regime Demográfico” sendo comum classificá-lo nestes termos em virtude de
indicadores estatísticos sintomáticos de uma fragilidade do seu equilíbrio – o
fraco crescimento a médio e longo prazo, a estagnação e, em muitos casos, a
diminuição da população.
Parecem-me
ainda justas e pertinentes a palavras mantidas por A. Veloso Martins na segunda
edição da Monografia de Valpaços, datada de 1990, ao descrever genericamente as
aldeias do concelho de Valpaços nestes termos:
“A aldeia não conta, em regra, mais
de uma ou duas dezenas de casas, umas vintenas de habitantes, que hoje tal como
no «numeramento de 1530 para a província de Trás-os-Montes», raro ultrapassem
as 100 almas. Estamos pois em presença da autêntica povoação rural, ligada ao
ritmo lento da vida campesina, humilde e apagada na imobilidade das estruturas que
alcançaram o termo de uma evolução, que repete, por todo o concelho, com mínima
variação, o mesmo paradigma.”
Ob.
cit., p.152
No
início do século XVIII viviam no território do actual concelho de Valpaços
cerca de 11 228 pessoas. Meio século depois esse valor aumentou para 12 747 habitantes.
Em 52 anos aumentou a população em 1 519 habitantes, à média anual de 28
pessoas, o que equivale a uma taxa de crescimento médio anual de 0,2%, uma taxa
positiva contudo extremamente baixa se tivermos em conta o dilatado período
considerado.
Interessa
analisar neste contexto a evolução demográfica verificada nos casos
particulares de cada uma das 36 futuras freguesias do concelho de Valpaços,
depois reduzidas a 34 e hoje a 31 freguesias com variável número de povoações
anexas num total de 115 localidades.
A
conclusão imediatamente ressalta da análise da informação
apresentada no quadro é a de uma maior representatividade, em termos de volume
e crescimento populacional, das freguesias que outrora pertenceram ao termo de
Chaves relativamente às que foram desintegradas do extinto concelho de Monforte
de Rio Livre.
Veja-se
o caso de Valpaços, por exemplo. Cerca de 1706, isto é, 130 anos antes da
criação do concelho encabeçado por esta freguesia do termo de Chaves, ela própria já se destacava como a segunda freguesia mais populosa dentre as demais que actualmente compõem
o seu quadro administrativo, totalizando 224 fogos e 662 habitantes com uma
dimensão média dos fogos de 3 (2.95) habitantes. Em primeiro lugar estava a
freguesia de Friões, com 219 fogos e 862 habitantes, com uma média de habitantes por fogo superior à registada para Valpaços, na ordem das 4 (3,93) pessoas, um valor curiosamente ao nível da dimensão média registada na primeira
metade do século XIX tanto na província de Trás-os-Montes, em geral, como no
distrito de Vila Real, em particular (3,9), apenas ultrapassado pela freguesia
de Curros, cujo pároco registou, nas Memórias Paroquiais de 1758, 215 pessoas em
86 fogos, o que corresponde a uma dimensão média por fogo de 4,2 . São de
realçar ainda para o ano de 1706, pela mesma ordem de grandeza populacional
(fogos/habitantes), Santiago da Ribeira de Alhariz, Santa Valha e Argeriz, com
172/528, 151/521 e 158/508, respectivamente. As freguesias de Tinhela, Ervões e
Carrazedo de Montenegro (esta hoje a segunda mais populosa), ficavam-se pelos 477, 450 e 441 habitantes, respectivamente,
seguindo-se Água Revés, com 421 habitantes, e Vilarandelo, com 408.
Em 1758 a freguesia de Friões viu a sua população aumentada em 102 habitantes (+26 fogos) a uma média anual de 2 pessoas, totalizando 964 almas e mantendo-se como a mais populosa das 33 freguesias aqui consideradas. Mais importante foi o crescimento populacional da freguesia de Valpaços, na ordem das 254 pessoas, a uma média de 5 pessoas por ano, os maiores valores de crescimento efectivo verificados no tempo e espaço aqui considerados, mas não o suficiente para ultrapassar o volume populacional de Friões em virtude da sua menor dimensão média dos fogos, mesmo verificando-se um aumento de 86 fogos contra os apenas 26 acrescidos nesta freguesia. A freguesia de Valpaços atingia agora um valor absoluto de 916 habitantes, reduzindo a sua diferença em relação a Friões de 200 para apenas 48 pessoas.
As
seguintes mais populosas freguesias da área do actual concelho de Valpaços no
ano de 1758 ficavam assim ordenadas: em terceiro lugar Santiago de Ribeira de
Alhariz, seguida de Carrazedo de Montenegro, Ervões, com 604 habitantes, apenas mais 14 do
que Vilarandelo, depois Argeriz, Santa Valha, que apesar de um
ligeiro decréscimo conservava ainda um assinalável volume de 507 habitantes, e Água Revés com menos 14. A freguesia de Tinhela foi relegada para o décimo
lugar, com menos três fogos em relação a 1706 e um total de 468 habitantes.
Por
outro lado, verifica-se que 69,4 % das freguesias apresentavam uma taxa de
crescimento com médias anuais variáveis, dentre as quais já destacámos as mais
significativas, ao passo que nas restantes freguesias a população baixou com taxas
médias anuais negativas visivelmente mais acentuadas do que aquelas. Também se
verifica que apenas 20% das freguesias pertencentes ao concelho Chaves se
encontram neste conjunto de regressão populacional, ao passo que no tocante às
freguesias do termo de Monforte de Rio Livre esse valor é da ordem dos 54%!
Tirando Lebução, cuja população cresceu à taxa anual média de 0,6 % e Fiães, que
manteve o mesmo número de habitantes, nenhuma das três restantes freguesias do
concelho de Monforte de Rio Livre ultrapassou a fasquia dos 0,3 % (Barreiros
ficou-se mesmo pelos 0,1%), enquanto que a maioria das freguesias do termo e
Chaves cresceram bem acima desse valor, como foram os casos das de São Pedro de
Veiga de Lila e Serapicos com taxas de crescimento anual médio de 1,3 % e 1,2
%, respectivamente, das de Veiga de Lila e de Santa Maria de Émeres ambas na
ordem dos 0,9%, Sanfins e Padrela na ordem dos 0,8 %, Vilarandelo e Valpaços
pelos 0,6% e 0,5 %, respectivamente também.
Nada de surpreendente, como já dissemos
que num “regime demográfico de tipo
antigo” a taxa de crescimento médio anual para a área considerada durante a
1ª metade do século XVIII se tenha ficado pelos 0,2 %!
Mas, tendo em conta que no contexto de
regressão populacional se encontra a maioria das freguesias então pertencentes ao
concelho de Monforte de Rio Livre e que existe uma clara diferença entre a sua
evolução populacional e a das restantes freguesias maioritariamente
pertencentes ao concelho de Chaves, não será descabido colocar-se a hipótese de
que para tal diferença possam ter concorrido, além da predominante pobreza do
solo e rigor do clima, outros factores que julgo terem condicionado as
variantes que costumam ser levadas em conta numa interpretação mais ortodoxa da
evolução natural da população em Demografia
Histórica, neste caso a endémica descompensação na relação entre a fecundidade,
natalidade e mortalidade típica desta época. No caso das freguesias do concelho
de Monforte de Rio Livre tais condicionantes são em grande parte também uma
consequência da falência das antigas estruturas jurisdicionais e
administrativas cuja desintegração foi sendo adiada, a muito custo, durante o
século XVIII.
Na verdade, alguns dos claros sintomas
da progressiva desvalorização da importância militar e da decadência da estrutura
administrativa do concelho de Monforte de Rio Livre, em contraste com o
dinamismo evidenciado pelo concelho de Chaves e com a posterior renovação do
concelho de Carrazedo de Montenegro, já aparecem na letra de certos documentos
do início e dos meados dessa centúria, documentos estes precisamente criados
nos anos de 1706 e 1758 e que constituem
as principais referências cronológicas deste estudo – refiro-me, mais uma vez, à 1.ª edição da Corografia Portuguesa do Padre Manuel Carvalho e a alguns
manuscritos das Memórias Paroquiais.
Assim, na descrição que em 1706 faz o
Padre Carvalho da “Abadia de Monforte e
lugares de seu termo que lhe pertencem” (Liv. II, Tratado I, Cap. III,
p.432), ressalta, com algum sentido depreciativo, a expressão “diminuta Vila” relativa à Vila de Monforte, a surpreendente informação de que, já então, ela era constituída por 14 fogos apenas!
No mesmo sentido, já nas Memórias Paroquiais de 1758, o cura de Lebução,
António Fernandes d’Azém (ou d’Além), referindo-se à mesma Vila e castelo de
Monforte, registava que estava “presidiado por um governador e «alguns» soldados
pagos por Sua Majestade”.
Ainda em prejuízo das condições de
sobrevivência dos povos e da sua evolução nas freguesias do concelho de
Monforte, organizadas em abadias ou constituindo comendas atribuídas aos condes
de Valadares sob a superior tutela dos Senhores de Monforte, os condes de
Atouguia, acrescia o facto de estes e aqueles preferirem residir na capital, alheando-se
cada vez mais das suas ordinárias obrigações nas terras em que, ainda assim
conservavam os seus títulos de comendadores e donatários.
A maioria dos “párocos memorialistas de
1758” guardava, ainda, a maior reverência formal perante aqueles senhores e o
mais absoluto silêncio face ao abandono a que as terras doadas ou encomendadas desde
tempos imemoráveis nas respectivas paróquias haviam sido votadas por eles.
Exceptuam-se alguns casos em que os
redactores, de forma mais ou menos explícita, não escondem a sua percepção e manifestam
a sua estranheza perante o distanciamento e a incúria dos mesmos donatários e
comendadores e chegam a ajuizar das próprias consequências destas situações.
Haja em vista, por exemplo, as seguintes declarações deixadas pelo cura de
Barreiros, Baltazar Rodrigues da Rosa, nas suas Memórias datadas de 3 de Abril
daquele ano:
“É donatário desta terra o Ilustríssimo
Senhor Conde de Atouguia e suponho que por não ter as suas doações correntes,
está a meu ver tudo por El-rei Nosso Senhor, que Deus guarde.”
Efectivamente, logo a partir dos meados
do século XVIII, os domínios dos Condes de Atouguia, “Senhores de Monforte de
Rio Livre”, foram sendo incorporados na Coroa, por extinção deste título e
Casa, cujos bens passaram para a representação da Casa do Conde de Ribeira
Grande em consequência de D. Jerónimo de Ataíde, 11.º Conde de Atouguia, ter
sido acusado de envolvimento na conspiração para a tentativa de assassinato de D.
José I, incluído no processo conhecido como “dos Távoras", condenado à morte e
executado.
Mais se queixava o pároco de Barreiros das
provações por vinham passando os seus paroquianos na travessia do Rabaçal,
certamente convicto de que tal sucedia em consequência do aludido desmazelo dos
Senhores da terra, testemunhando que por ser aquele rio arrebatado em tempo de
Inverno e se tornar dificultoso atravessá-lo “ao não buscá-las porque as pontes ficam longe, assim se tem afogado
muita gente em barcas e muitas nas passagens de pedra”.
Também o cura de Lebução, a que já nos
referimos, nos deixou nas suas Memórias
Paroquiais de 1758 uma clara prova do distanciamento dos legítimos Senhores
da terra, ao manifestar assim sua ignorância a respeito das terras ou do nome do
respectivo comendador:
“O
senhor deste lugar, e dos mais deste distrito, é o Ilustríssimo e
Excelentíssimo Conde de Valadares, e quais sejam estes no tempo presente não se
sabe responder.”
O abade e Bouçoais, por sua vez, em
manuscrito lavrado em 13 de Abril de 1758, da mesma série documental das Memórias Paroquiais, também lamentava do prejuízo causado aos “vassalos
de sua Majestade” (sic) pela incúria das autoridades administrativas locais,
mesmo perante a intercedência da própria Coroa, como se verá na terceira parte
deste estudo.
2.
2. EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO NO CONCELHO DE VALPAÇOS
Para
uma percepção mais clara do processo evolutivo da demografia do concelho de
Valpaços, entendi reduzir o efectivo populacional contabilizado no quadro
anterior ao somatório dos habitantes das 11 freguesias que na primeira fase da
dilatação do concelho de Valpaços passaram a integrá-lo por força da Carta
de Lei de 27 de Setembro de 1837, isto é, para além dos de Valpaços, dos de
Argeriz, Ervões, Fornos do Pinhal, Friões, Possacos, Rio Torto, Sanfins,
Santiago da Ribeira de Alhariz, Vassal e Vilarandelo, de forma a estabelecer um
equitativo primeiro termo de comparação referente a 1758.
QUADRO II
População do Concelho de Valpaços até à reforma administrativa de 31 de Dezembro de 1853
(clique no quadro para o aumentar)
Fontes: 1758 – Leonel
Salvado, O Concelho de Valpaços nas “Memórias Paroquiais de 1758” in
blogue Clube de História de Valpaços | 1849 – Valpaços, in Wikipédia
| 1854 – SOUSA, Fernando de, População e
economia do distrito de Vila Real em meados do século XIX, in Estudos Transmontanos, n.º 1, BPAD, 1983, Vila Real, p.21.
Entre 1758 e 1849, a evolução da
população das 11 freguesias do concelho de Valpaços decorreu à mesma taxa de
crescimento médio anual da primeira metade do século XVIII registada em 0,2 %,
totalizando um volume populacional da ordem das 7 434 pessoas devido a um crescimento anual de 2 800 habitantes, crescimento esse muito modesto se
levarmos em conta a extensão do período considerado.
Em 1849 o “jovem” concelho de Valpaços aparecia,
face aos valores registados 91 anos antes, com um crescimento de 1771
habitantes, à média de 10 pessoas por ano e uma taxa de crescimento anual médio
de 0,2 %, mantendo-se grosso modo o mesmo nível de crescimento que verificámos
para a 1.ª metade do século XVIII.
Em 1854, verificou-se no mesmo concelho
um crescimento sem precedentes em todo o processo evolutivo demográfico que até
aqui observámos, aumentado, em apenas 5 anos, a sua população em 12 758
habitantes, à média anual de 2 552 pessoas, com uma admirável taxa de
crescimento anual médio de 12,6 %, atingindo os 20 192 habitantes, um acréscimo
na ordem dos 63 %, o que desde logo se afigura um tanto suspeito mas
facilmente justificável. Na verdade, este aparentemente extraordinário
incremento demográfico não resultou, em rigor, de um crescimento natural da
população, devendo-se antes, e acima de tudo, à reforma administrativa
empreendida nos termos do decreto de 31 de Dezembro de 1853, o qual determinou
a extinção dos antigos concelhos de Carrazedo de Montenegro e Monforte de Rio
Livre e a integração no de Valpaços de mais 25 freguesias que eram os que compunham
no todo e em parte, respectivamente, os termos daqueles, passando o concelho de
Valpaços a ser compreendido por 36 freguesias dentre as quais se encontravam
as 33 que hoje fazem parte do seu quadro administrativo.
Quadro III
População do Concelho de Valpaços após a reforma administrativa de 31 de Dezembro de 1853
(clique no quadro para o aumentar)
Fonte: SOUSA,
Fernando de, Ibid, p.21.
Basta discorrer sobre o Quadro III para se
verificar que no concelho de Valpaços, definida já praticamente a sua estrutura
definitiva, tal como em todo o Distrito de Vila Real, a evolução demográfica pautou-se
por um crescimento bastante fraco, revelando-se mesmo uma acentuada regressão
populacional no ano de 1856 e taxas de crescimento ainda negativas, embora
menos acentuadas, nos dois anos subsequentes, o que é perfeitamente natural
numa época em que o movimento da população decorre ainda segundo as
condicionantes típicas de um regime
demográfico de tipo antigo. Convém, no entanto, procurar explicações
concretas para a diminuição da população no mencionado triénio e essas
explicações devem procurar-se nos clássicos factores que mais interferiam no
movimento da população nesse regime demográfico ainda prevalecente no século
XIX em grande parte do país, na província de Trás-os-Montes, no distrito de
Vila Real e, em particular no concelho de Valpaços. Comecemos por analisar o
Quadro IV.
QUADRO IV
Concelho de
Valpaços
Nascimentos e
óbitos (1854 -1859)
(clique no quadro para o aumentar)
Fonte: SOUSA,
Fernando de, Ibid, p.23.
Nos seis anos que constituem o período
em foco, o saldo fisiológico no concelho de Valpaços foi sempre positivo mas
verificou-se uma tendência decrescente entre os anos de 1855 e 1859. Observe-se
porém que os valores relativos à taxa bruta de natalidade só em 1854 andaram
abaixo dos 38 ‰, vindo em crescendo até ao máximo 46,8 ‰ em 1856, o que é sintomático
de uma natalidade elevada, mesmo tendo em conta e diminuição verificada nos
dois anos subsequentes.
QUADRO V
Concelho de
Valpaços
Nupcialidade
(1854 -1859)
(clique no quadro para o aumentar)
Fonte: SOUSA,
Fernando de, Ibid, p.24.
Os números de casamentos registados no
caso do concelho de Valpaços nos mesmos seis anos são também consideráveis,
sobretudo se forem comparados aos da maioria dos restantes concelhos do
distrito de Vila Real. Na verdade, apenas foram superados pelos deste concelho
e do de Chaves, verificando-se taxas brutas de nupcialidade bastante razoáveis,
andando sempre acima dos 5,5 ‰ e destacando-se o ano de 1857 com a taxa mais
elevada de 8,1‰, como se verifica no Quadro V.
Contudo, as taxas brutas de mortalidade foram,
durante o mesmo período, igualmente elevadas, situando-se sempre acima dos 23,3
‰ (à excepção do primeiro ano, 1854), atingindo o seu valor mais alto no ano
1859, da ordem dos 34,4 ‰, e mantendo durante os anos críticos de 1856, 1857 e
1858 uma evidente estabilidade face aos consecutivos decréscimos das taxas
brutas da natalidade. Este estado do movimento da população indicia bem da
fragilidade do equilíbrio demográfico que em conjugação com outros factores
terá favorecido a diminuição populacional ocorrida no concelho de Valpaços
naqueles anos.
Entre os factores associados aos valores
da mortalidade verificados na primeira década da 2.ª metade do século XIX na
região duriense e particularmente também nesta região do distrito de Vila Real
encontram-se, segundo Fernando de Sousa, a quem devo os dados que temos vindo a
analisar (do seu estudo “População e Economia do Distrito de Vila Real nos
meados do século XIX”, publicado na 1ª edição da revista “Estudos
Transmontanos”, BPAD), as epidemias de cólera, tifo e febre-amarela. A mais
temível, e mortífera, foi a cólera morbus
que entrou, em Maio de 1855 no Nordeste Transmontano através de Barca de Alva e
se alastrou a vários concelhos de Vila Real a partir de Peso da Régua. Valpaços
foi o penúltimo concelho a ser afectado. Além disso, pelo que se vê do enunciado
publicado por Fernando de Sousa dos números de óbitos causados por esta
epidemia que, na década de 80, do século XIX ainda afligia os responsáveis pela
saúde pública em Valpaços a propósito da qual me referi na biografia do ilustre
médico local, José de Castro Lopo, este concelho foi, a seguir a Sabrosa, o que
registou o menor número de vítimas mortais – apenas 10 entre um total de 490
verificados em oito concelhos. Provavelmente, o mais grave factor responsável
pelos valores de mortalidade registados nesses anos terá sido a sucessão
generalizada de maus anos agrícolas ocorridos no distrito de Vila real, na
sequência dos quais aquela epidemia se abateu sobre as populações, que
originaram um aumento brutal dos preços dos géneros alimentares de primeira
necessidade – batata, centeio, trigo e milho – de que se apenas se conhecem os
valores respeitantes aos concelhos de maior dimensão, tais como Peso da Régua,
Vila Real e Chaves, mas que obviamente ter-se-ão feito sentir um pouco por todo
o distrito. Esta violenta crise de subsistências típica do Antigo Regime, como
a classifica Fernando de Sousa, ainda se mantinha em plena segunda metade do
século XIX nesta região exclusivamente agrícola cuja população sobrevivia dos
frutos que retirava da terra, dos gados e dos montes utilizando meios e
técnicas arcaicas impostos pela tradição, insistindo na prática de uma
agricultura arcaica e inteiramente sujeita aos caprichos da Natureza, que
caracterizaremos na 3.ª parte deste trabalho, dedicada à Economia do concelho
de Valpaços nos meados do século XVIII.
Não será também de descartar, ainda na
senda das possíveis causas da regressão demográfica de Valpaços nos anos atrás
apontados, o factor mobilidade populacional, que em todo o distrito de Vila
Real se traduziu, a partir de 1856, num importante surto emigratório para o
Brasil, assegurada sobretudo pela população jovem e do sexo masculino.
Finalmente, em 1859 o concelho de
Valpaços passou de 19 919 habitantes, contabilizados nos anos precedente, para
21 947, registando-se um extraordinário aumento de 2 028 habitantes, o
correspondente a uma taxa de crescimento de 9,2 %, um valor francamente acima
da taxa de crescimento anual médio de 0,5 % verificado todo o distrito de Vila
Real durante a década de 50. Fernando de Sousa considera este crescimento «um
tanto suspeito» com base na observação de que «o saldo fisiológico entre 1857 e
1859, embora positivo, revela-se bem inferior àquele número». Uma situação
efectivamente estranha tendo em conta que naquele último ano se registou o
valor mais elevado da taxa bruta de mortalidade desde 1854, como se vê no
Quadro IV. A única explicação possível para este caso aparentemente insólito,
será a de um eventual regresso dos emigrados e/ou a fixação de novos moradores,
uns e outros atraídos pela menor virulência verificada pela cólera no concelho
de Valpaços e pelo dinamismo aqui incontestavelmente verificado nas “indústrias
caseiras” de linho e algodão (Valpaços afirmou-se naquele mesmo ano como o 4.º
maior produtor destes géneros no distrito de Vila Real, a seguir a Mondim de
Basto, Ribeira de Pena e Chaves) e principalmente de seda, em casulo fresco e
fiada, na qual já em 1858 era de longe o maior produtor do distrito e o único
capaz de competir com os concelhos do Nordeste Transmontano, como foi referido,
com base em dados publicados pelo mesmo autor, Fernando de Sousa, na edição da Parte I deste trabalho.
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