Actualizado por Leonel Salvado em 30.09.2012
in Traição de Valpaços ou Traição a Valpaços| Arranjo digital de Leonel Salvado
Miguel Francisco Fernandes Machado não consta, estranhamente, no “Dicionário dos mais Ilustres Transmontanos e Alto durienses”, uma obra composta por três volumes e coordenada por Barroso da Fonte que se apresenta como um importante repositório biográfico das figuras que atingiram pródiga celebridade no contexto regional a que se reporta e se propõe ser também uma obra evocativa dos singulares valores dessas figuras.
Estranhamente, dissemos, já que “Miguel de Fiães”, como ficou popularmente conhecido por ser natural desta freguesia do concelho Valpaços, surge retratado por vários autores, designadamente pelo Padre João Vaz de Amorim numa das suas publicações na “Revista Aquae Flaviae” e, mais recentemente reafirmado pelo Dr. José António Soares da Silva em “Traição de Valpaços ou Traição a Valpaços” como um Homem «dedicado a causas sociais, muito considerado pelos seus conterrâneos». Ninguém realçou mais, até hoje, as qualidades deste homem do que estes dois autores.
Nasceu em 5.11.1838 em Fiães, actual
freguesia do concelho de Valpaços, no distrito de Vila Real. Foi filho de Luís
António Fernandes e de Benedita de Almeida, ambos naturais da mesma freguesia
de Fiães. Em 19.10.1859 casou na sua terra natal com Mariana da Conceição
Videira, filha de Manuel José Videira, natural da vizinha freguesia de Lebução,
e de Balbina Fernandes.
Foi popularmente conhecido como o
“Miguel de Fiães” dentro e fora dos limites do concelho de Valpaços.
Criou-se, a dada altura, a seu respeito
uma irónica frase epitética que, despida da evidente ironia que lhe está
subjacente, pode servir para resumir, grosso modo, a vida de “Miguel de Fiães”: “era lavrador e não lavrava, contador e não contava, administrador e
não administrava”. Na verdade, Miguel Francisco Fernandes Machado foi
figura de grande prestígio no concelho de Valpaços devido à sua formação
cultural, às suas aptidões para o exercício de importantes cargos públicos e
administrativos, à excepcional argúcia que sempre revelou no ambiente
político-partidário valpacense em que se impôs e ao sucesso que obteve nos seus
empreendimentos agrícolas em Fiães.
Em 22.02.1883 foi nomeado, por Carta
régia de D. Luís I, Contador e
Distribuidor do Juízo de Direito da Comarca do Porto e, em 23.01.1885, por apostila do mesmo monarca àquela carta,
obteve a transferência no exercício das mesmas funções para a Comarca de
Valpaços. Mais tarde assumiu a liderança do Partido Regenerador de Valpaços que
se encontrava vaga desde a morte de Filipe José Vieira. Usando da sua
influência e simpatia, conseguiu obter uma larga base de apoio ao eleitorado do
referido partido em todo o concelho, sobretudo entre o clero e as mais
importantes famílias da aristocracia, dando-lhe renovado fôlego e fazendo
renascer as esperanças das forças regeneradoras face à crise evidenciada nas
suas fileiras durante cerca de uma década.
Em 1895, Miguel Machado exercia
cumulativamente as funções de contador da comarca de Valpaços, administrador do
concelho e chefe do Partido Regenerador quando uma inconcertada manobra
eleitoralista cometida por uma das mais prestigiadas figuras do mesmo partido
inflamou os ânimos dos seus correligionários valpacenses e deu origem à
delicada questão conhecida por “Guet –
Apens” de Valpaços. Este lamentável dissídio começou com o facto de António
Teixeira de Sousa, então Governador Civil de Bragança, procurador à Junta Geral
do distrito de Vila Real pelo concelho de Alijó, 1.º Secretário da Câmara dos
Deputados e que naquele ano integrava a lista do mesmo Partido Regenerador do
Distrito de Vila Real e vinha sendo eleito pelo círculo de Alijó, ter obtido do
Governo de Hintze Ribeiro, em conformidade com a lei eleitoral aprovada no
mesmo ano de 1895, o decreto que por determinação régia elevou Murça a comarca
e integrou nela as freguesias de Curros, Jou e Vales, subtraindo-as do concelho
e comarca de Valpaços. Gorados os instantes apelos dirigidos por Miguel Machado
ao Ministro da Justiça no sentido de que não fosse dado provimento àquela
decisão, chegando a deslocar-se debalde a Lisboa para renovar o pedido, e
perante as vozes de indignação que se levantavam entre forças vivas de Valpaços
das duas formações partidárias, o líder dos Regeneradores de Valpaços substitui
o nome de Teixeira de Sousa pelo de António Lobato na lista distrital do seu
Partido para as eleições. Este acto custou a Miguel Francisco Fernandes Machado
a sua imediata demissão por determinação emanada do próprio gabinete do
Ministro do Reino, João Franco. A questão gerada em torno do “Guet – Apens” de Valpaços alimentou
longa polémica entre os dois protagonistas que a imprensa regional, e até
nacional, deu cobertura. Miguel Machado é autor de um curioso opúsculo
publicado em 1896, a expensas próprias, onde se propõe esclarecer o lamentável
caso, opúsculo esse intitulado “O ataque do Sr. Teixeira de Sousa – A Minha
Defesa” a que se dá especial relevo na já referida obra editada em 2010 pela Câmara Municipal de
Valpaços da autoria do Dr. José António Soares da Silva.
Também se extrai desta mesma obra que em
12.10.1895 Miguel Machado contribuiu com 81 000 réis para a “Instituição de Socorro”, sociedade de
beneficência laica criada e constituída por Joaquim de Castro Lopo e outras figuras
gradas do Partido Progressista, o mais alto donativo então recebido pela mesma
sociedade e, apesar das diferenças partidárias, em sessão especialmente
realizada pela sociedade para tratar deste “donativo
importante”, foi deliberado que se exarasse um voto de agradecimento a ele
destinado e que o seu nome fosse inscrito no registo dos sócios da instituição.
Em 24.06.1897, ainda apesar das
diferenças partidárias, na Assembleia
Geral da Confraria de Nossa Senhora da Saúde, instituição entretanto criada
pelo Partido Progressista, o nome de Miguel Francisco Fernandes Machado foi
proposto para fazer parte da Comissão Promotora das obras da respectiva capela,
o qual aceitou na sessão realizada no dia seguinte por esta mesma comissão e
mais subscreveu o mesmo donativo de 60 000 réis declarados por outros membros
inscritos no topo da mesma lista, depois de já ter contribuído antecipadamente
para esta instituição com a quantia de 20 000 réis.
Na sessão realizada no dia 1 de Maio de
1898 pela assembleia Confraria de Nossa Senhora da Saúde foi deliberado
atribuir-se-lhe o título de Irmão
Benemérito.
Em 1909 foi mais uma vez administrador
do concelho de Valpaços, no mesmo ano em que surgem referências documentais a
seu respeito, destacando-o como exportador de batata e castanha em Fiães –
afinal, o mesmo “lavrador que não
lavrava”!
Em 1915, já em plena República, volta a
ser administrador do concelho de Valpaços.
Existem ainda vagas referências de que, em qualquer momento da sua vida, Miguel Francisco
Fernandes Machado terá sido “um dos directores
da Companhia de Gás de Lisboa” ou “Administrador
da Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás”.
Faleceu em 30.06.1916.
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