quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um ilustre valpacense a resgatar para a História

Actualizado por Leonel Salvado em 30.09.2012

Miguel Francisco Fernandes Machado | Foto de José António Soares da Silva,
 in Traição de Valpaços ou Traição a Valpaços| Arranjo digital de Leonel Salvado

Miguel Francisco Fernandes Machado não consta, estranhamente, no “Dicionário dos mais Ilustres Transmontanos e Alto durienses”, uma obra composta por três volumes e coordenada por Barroso da Fonte que se apresenta como um importante repositório biográfico das figuras que atingiram pródiga celebridade no contexto regional a que se reporta e se propõe ser também uma obra evocativa dos singulares valores dessas figuras.
Estranhamente, dissemos, já que “Miguel de Fiães”, como ficou popularmente conhecido por ser natural desta freguesia do concelho Valpaços, surge retratado por vários autores, designadamente pelo Padre João Vaz de Amorim numa das suas publicações na “Revista Aquae Flaviae” e, mais recentemente reafirmado pelo Dr. José António Soares da Silva em “Traição de Valpaços ou Traição a Valpaços” como um Homem «dedicado a causas sociais, muito considerado pelos seus conterrâneos». Ninguém realçou mais, até hoje, as qualidades deste homem do que estes dois autores.


Nasceu em 5.11.1838 em Fiães, actual freguesia do concelho de Valpaços, no distrito de Vila Real. Foi filho de Luís António Fernandes e de Benedita de Almeida, ambos naturais da mesma freguesia de Fiães. Em 19.10.1859 casou na sua terra natal com Mariana da Conceição Videira, filha de Manuel José Videira, natural da vizinha freguesia de Lebução, e de Balbina Fernandes.
Foi popularmente conhecido como o “Miguel de Fiães” dentro e fora dos limites do concelho de Valpaços.
Criou-se, a dada altura, a seu respeito uma irónica frase epitética que, despida da evidente ironia que lhe está subjacente, pode servir para resumir, grosso modo, a vida de “Miguel de Fiães”: “era lavrador e não lavrava, contador e não contava, administrador e não administrava”. Na verdade, Miguel Francisco Fernandes Machado foi figura de grande prestígio no concelho de Valpaços devido à sua formação cultural, às suas aptidões para o exercício de importantes cargos públicos e administrativos, à excepcional argúcia que sempre revelou no ambiente político-partidário valpacense em que se impôs e ao sucesso que obteve nos seus empreendimentos agrícolas em Fiães.
Em 22.02.1883 foi nomeado, por Carta régia de D. Luís I, Contador e Distribuidor do Juízo de Direito da Comarca do Porto e, em 23.01.1885, por apostila do mesmo monarca àquela carta, obteve a transferência no exercício das mesmas funções para a Comarca de Valpaços. Mais tarde assumiu a liderança do Partido Regenerador de Valpaços que se encontrava vaga desde a morte de Filipe José Vieira. Usando da sua influência e simpatia, conseguiu obter uma larga base de apoio ao eleitorado do referido partido em todo o concelho, sobretudo entre o clero e as mais importantes famílias da aristocracia, dando-lhe renovado fôlego e fazendo renascer as esperanças das forças regeneradoras face à crise evidenciada nas suas fileiras durante cerca de uma década.
Em 1895, Miguel Machado exercia cumulativamente as funções de contador da comarca de Valpaços, administrador do concelho e chefe do Partido Regenerador quando uma inconcertada manobra eleitoralista cometida por uma das mais prestigiadas figuras do mesmo partido inflamou os ânimos dos seus correligionários valpacenses e deu origem à delicada questão conhecida por “Guet – Apens” de Valpaços. Este lamentável dissídio começou com o facto de António Teixeira de Sousa, então Governador Civil de Bragança, procurador à Junta Geral do distrito de Vila Real pelo concelho de Alijó, 1.º Secretário da Câmara dos Deputados e que naquele ano integrava a lista do mesmo Partido Regenerador do Distrito de Vila Real e vinha sendo eleito pelo círculo de Alijó, ter obtido do Governo de Hintze Ribeiro, em conformidade com a lei eleitoral aprovada no mesmo ano de 1895, o decreto que por determinação régia elevou Murça a comarca e integrou nela as freguesias de Curros, Jou e Vales, subtraindo-as do concelho e comarca de Valpaços. Gorados os instantes apelos dirigidos por Miguel Machado ao Ministro da Justiça no sentido de que não fosse dado provimento àquela decisão, chegando a deslocar-se debalde a Lisboa para renovar o pedido, e perante as vozes de indignação que se levantavam entre forças vivas de Valpaços das duas formações partidárias, o líder dos Regeneradores de Valpaços substitui o nome de Teixeira de Sousa pelo de António Lobato na lista distrital do seu Partido para as eleições. Este acto custou a Miguel Francisco Fernandes Machado a sua imediata demissão por determinação emanada do próprio gabinete do Ministro do Reino, João Franco. A questão gerada em torno do “Guet – Apens” de Valpaços alimentou longa polémica entre os dois protagonistas que a imprensa regional, e até nacional, deu cobertura. Miguel Machado é autor de um curioso opúsculo publicado em 1896, a expensas próprias, onde se propõe esclarecer o lamentável caso, opúsculo esse intitulado “O ataque do Sr. Teixeira de Sousa – A Minha Defesa” a que se dá especial relevo na já referida obra editada em 2010 pela Câmara Municipal de Valpaços da autoria do Dr. José António Soares da Silva.
Também se extrai desta mesma obra que em 12.10.1895 Miguel Machado contribuiu com 81 000 réis para a “Instituição de Socorro”, sociedade de beneficência laica criada e constituída por Joaquim de Castro Lopo e outras figuras gradas do Partido Progressista, o mais alto donativo então recebido pela mesma sociedade e, apesar das diferenças partidárias, em sessão especialmente realizada pela sociedade para tratar deste “donativo importante”, foi deliberado que se exarasse um voto de agradecimento a ele destinado e que o seu nome fosse inscrito no registo dos sócios da instituição.
Em 24.06.1897, ainda apesar das diferenças partidárias, na Assembleia Geral da Confraria de Nossa Senhora da Saúde, instituição entretanto criada pelo Partido Progressista, o nome de Miguel Francisco Fernandes Machado foi proposto para fazer parte da Comissão Promotora das obras da respectiva capela, o qual aceitou na sessão realizada no dia seguinte por esta mesma comissão e mais subscreveu o mesmo donativo de 60 000 réis declarados por outros membros inscritos no topo da mesma lista, depois de já ter contribuído antecipadamente para esta instituição com a quantia de 20 000 réis.
Na sessão realizada no dia 1 de Maio de 1898 pela assembleia Confraria de Nossa Senhora da Saúde foi deliberado atribuir-se-lhe o título de Irmão Benemérito.
Em 1909 foi mais uma vez administrador do concelho de Valpaços, no mesmo ano em que surgem referências documentais a seu respeito, destacando-o como exportador de batata e castanha em Fiães – afinal, o mesmo “lavrador que não lavrava”!
Em 1915, já em plena República, volta a ser administrador do concelho de Valpaços.
Existem ainda vagas referências de que, em qualquer momento da sua vida, Miguel Francisco Fernandes Machado terá sido “um dos directores da Companhia de Gás de Lisboa” ou “Administrador da Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás”.
Faleceu em 30.06.1916.

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