sábado, 14 de maio de 2011

A pintura maneirista no concelho de Valpaços, “um pouco pela rama”!

Capela de S. Maria Madalena em Santa Valha e  igreja matriz de Vilarandelo, repositórios de duas existências histórico-artísticas da pintura maneirista
A Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros em parceria com a Associação Cultural «Terras Quentes» tem desenvolvido desde 2004 um importante trabalho de inventariação artística dos acervos existentes nas 38 freguesias do concelho levado a cabo no âmbito de um protocolo celebrado com o Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa que tem contribuído em várias campanhas de Verão com equipas de inventariantes.
A consciencialização para a necessidade de uma iniciativa deste género foi surgindo a partir da realização, em Macedo de Cavaleiros, de Conferências sobre História da Arte e Património e do decisivo papel que nelas desempenhou Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão na Conferência que no campo da pintura dissertou sobre o tema “A Pintura Maneirista no Nordeste Transmontano – entre periferismos e modernidade” observando que os distritos de Vila Real e Bragança eram os que a nível nacional não contavam ainda com um inventário de “existências histórico-artísticas” nem com monografias concelhias integrando o estudo dos respectivos acervos patrimoniais e, muito menos, com um «corpus» de recenseamento documental relativo a artistas e artífices actuantes na região ao longo dos séculos da história portuguesa.” Da sua pesquisa sobre este tema, Vítor Serrão deixou-nos nessa conferência algumas indicações interessantes dentre os quais de duas dessas “existências histórico-artísticas” em localidades do concelho de Valpaços: Vilarandelo e Santa Valha.
Infelizmente, não serviram essas indicações, ainda que um pouco «pela rama», de suficiente incentivo para que também neste concelho se abrisse “uma via de pesquisa onde a incógnita e o desconhecimento mais reforçam a expectativa quanto à qualidade dos espécimes a recensear”, como sustenta o mesmo historiador, Vítor Serrão. Resta-nos, ao menos, a consolação de contarmos com a existência, neste concelho de Valpaços, de pessoas com saber, dedicação e sensibilidade que têm vindo a publicar, com o patrocínio da Câmara Municipal, importantes trabalhos de investigação, como é o caso do Dr. Adérito Medeiros Freitas, dos responsáveis alguns sites locais (da freguesia de Santa Valha, de Bouçoães…) e de outras pessoas que nos seus blogues (Notícias de Valpaços, Lebução de Valpaços, Vilarandelo um dia uma imagem, Valpassos d’Oje…) vão indicando aqui e ali alguns dos nossos valores artísticos e chamando a atenção para a sua importância. Uma destas pessoas que nos cumpre destacar é o Reverendo Padre Jorge Fernandes que, entre outras referências artísticas locais, deixadas no seu blogue “são cousas da vida”, expôs aqui, em 31 de Janeiro de 2011, a propósito da grandiosa mas enigmática figura do abade Martim Velho Barreto, preciosos exemplares do património histórico-sacro-artístico relacionados com essa figura em Santa Valha, Fornos do Pinhal e até, talvez, em Bouça.

Voltando às referidas existências histórico-artísticas e artistas e artífices identificados e já sublinhados por Vítor Serrão no espaço do concelho de Valpaços, vamos fazer aqui a transcrição de dois excertos do documento com o teor da comunicação apresentada por este historiador na conferência a que aludimos dedicado à pintura maneirista no Nordeste transmontano que foi publicado na Internet em formato Pdf.

 Pintura maneirista em Santa Valha

Vista parcial do altar da capela de S. Maria Madalena, Santa Valha | foto: http://www.santavalha.com
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[...]É certo que, como dissemos, a pesquisa de arquivo e a verificação de campo está ainda por estabelecer em toda a região, incluindo o seu cotejo criterioso com a realidade pictural dos focos castelhano e leonês, do lado espanhol, já que muitas destas obras poderão ser devidas à execução de oficinas itinerantes originárias da faixa castelhano-leonesa. É certo, também, que muitas das peças já analisadas revelam modéstia de programas e execução frustre; nada de estranhar em demasia, numa altura e numa região em que os mercados escasseavam de recursos e de gosto e em que o uso das «imagens sagradas» era sobretudo de ordem didascálico, a fim de assegurar maior eficiência ao serviço apostólico da Igreja. Mesmo assim, os dados plásticos recenseáveis mostram, numa boa parcela das obras em apreço, uma apreciável qualidade pictórica (caso muito evidente é o das tábuas de São Pedro dos Sarracenos) e algumas típicas «características de escola» (em ciclos fresquistas, por exemplo os de Santa Valha) que deixam adivinhar tendências focalizadas em alguns centros mais destacados da província, de Bragança a Miranda, a Chaves, a Vila Real ou a Torre de Moncorvo. […]
Resta, evidentemente, estudar bem o impacto dos figurinos maneiristas num campo ainda tão mal «reconhecido» como foi a produção pictural realizada no mercado transmontano durante a segunda metade do século XVI e os alvores do XVII, sob signo crescente dos ditames da Contra-Reforma. Existem testemunhos que revelam uma inesperada actualidade na compreensão dos modelos investigados e como tal difundidos a partir de Itália na arte do pós-Renascimento.Obra notável da primeira fase maneirista em terras transmontanas é o Retábulo Fingido pintado por Tristão Correia em 1555 e que decora, com edículas simulando painéis de cavalete a formar o altar, a totalidade do espaço do presbitério da modesta Capela de Santa Madalena em Santa Valha (Valpaços) (Fig. 1). A obra encontra-se assinada no friso da zona inferior: «ESTA CAPELA SE REFORMOV COM SATISFAÇOENS DE PENITEMCIA (...) A MANDOV A(fons)º LUIS CAPELAO FAZER (...) PINTOVSE NA ERA DE 1555 E PIMTOVA TRISTAO CORREA DE CHAVES». Trata-se de espécime muito interessante de pintura a fresco, de expressão regionalista mas de bom pincel, utilizando já em pleno os cânones do Maneirismo italianizante, no sentido da consciente deformidade dos figurinos, das novas combinações cromáticas (abertas ao efeitos caprichoso dos carmins-violáceos, amarelos, brancos e azuis) e da escala alongada dos valores compositivos. Os frescos da Capela de Santa Madalena em Santa Valha representam três passos da vida da padroeira na parede fundeira da capela-mor e, aos lados do «retábulo fingido», as figuras também emolduradas em estruturas arquitectónicas virtuais de São Mamede e de Santo Amaro. Tristão Correia, pintor até data recente completamente desconhecido, aparece-nos já referenciado em Coimbra, em registos paroquiais da freguesia de São Tiago, em 1550 e em 1552, ligado então ao baptismo de duas filhas. Trata-se de um facto bem interessante, que mostra a provável formação deste artista num meio culturalmente muito mais evoluído, antes de se mudar para a vila de Chaves, onde já vivia, com oficina aberta, em 1555. Até ao momento, nada mais se sabe da sua actividade de fresco e de cavalete (já que, parece bem visível face ao que os murais de Santa Valha nos mostram, devia trabalhar nas duas modalidades), mas é provável que, face ao tipo de «receituário» estilístico que estes frescos atestam e que tão bem definem a sua «mão», possam vir a ser identificadas novas peças do seu labor... […]

Pintura maneirista em Vilarandelo

Interior da igreja matriz de Vilarandelo | foto: http://vilarandelo-umdiaumaimagem.blogspot.com
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Sabemos, por exemplo, que trabalharam nesta região [do bispado de Bragança-Miranda], entre muitos outros cujos nomes se desconhecem por carência de pesquisas, os pintores de óleo e fresco Pedro de França e Tristão Correia, activos no segundo terço do século XVI, António Leitão, activo no último terço de Quinhentos, e ainda, o pintor vila realense Álvaro Correia, activo já no século XVII avançado mas com fidelidade a modelos plásticos da centúria anterior. Antes destes, sabemos que trabalha em igrejas da zona do Marão um pintor injustamente esquecido, de nome Arnao, artista de forte personalidade, que se integra ainda dentro dos cânones do Renascimento e que não será estudado, por isso, no âmbito da presente síntese sobre a pintura maneirista transmontana, por ser de fase anterior; bem estudado por Joaquim Inácio Caetano, esse pintor fresquista deixou nas igrejas de Folhadela e de Vila Marim, tal como, já antes, na matriz de Midões (frescos assinados e datados de 1535), provas do seu incontestável talento de desenhador probo, com cuidados de modelação naturalista e sintomática cultura segundo os modelos clássicos da Renascença.
É curioso atestar, antes de mais, o modo como os quatro artistas que se destacaram, e bem assim outros cujos nomes se desconhecem mas de que restam algumas pinturas a óleo integradas em retábulos - como na igreja de Malta (freguesia de Olmos, Macedo de Cavaleiros), nas igrejas de São Pedro de Sarracenos e de Sacóias (Bragança), ambos com ligação pictórica aos focos de Zamora e de Toro, na igreja de Algosinho (Mogadouro), na igreja de Vilarandelo (Valpaços) e na igreja românica de Adeganha (Torre de Moncorvo) - e numerosas decorações murais - como as da Capela da Senhora do Areal em Agrochão (Macedo de Cavaleiros), dadas a conhecer por Belarmino Afonso as da interessantíssima Capela de Nossa Senhora da Teixeira (Torre de Moncorvo), de cerca de 1584, as das igrejas de Bemposta e de Sendim, entre tantos outros ciclos -, testemunham uma actualizada adesão aos novos modelos estéticos do Maneirismo italianizante, que mais ou menos a partir do fim do reinado de D. João III começavam a substituir-se, no melhor mercado artístico nacional, aos já esclerosados modelos renascentistas de derivação flamenga, dominantes na primeira metade do século XVI.

Fonte: Vítor Serrão, Pintura Maneirista no Nordeste Transmontano, entre periferismos e modernidade: algumas contribuições, colóquio de História de Arte e Património, Macedo de Cavaleiros, sd. | http://www.terrasquentes.com.pt


Ainda relativamente a Vilarandelo, as pinturas a que se refere Vítor Serrão no retábulo da respectiva igreja parecem-nos ser as mesmas que foram descritas em “Valpaços Digital” da seguinte forma:

Na capela-mor, o retábulo de talha dourada e polícroma, ocupa a totalidade da parede testeira, integrando duas portas laterais que correspondem, na zona superior, a duas pinturas. Ao centro, as colunas torsas enquadram os nichos dos santos, prolongando-se nas arquivoltas do retábulo, e definindo uma tribuna com trono piramidal. Nos panos laterais, e sobre os azulejos encontram-se várias pinturas com molduras de talha. Estas, representando cenas da Paixão de Jesus, foram na sua origem executadas a fresco, mas em época posterior sofrem um repinte a óleo.

In http://www.valpacos-digital.com

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