Por Leonel Salvado
A relação entre a epopeia dos descobrimentos, a exploração do “novo Mundo” e a Província de Trás-os-Montes há muito sustentada pela tradição em algumas regiões, parece subsistir em diversas publicações recentes, sendo, conforme os casos, admitida por, alguns autores como uma mera possibilidade e defendida por outros como uma realidade cientificamente fundamentada. A questão prende-se com a propalada naturalidade transmontana de algumas das grandes figuras da História da Expansão ultramarina da Península Ibérica: Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães e, talvez o menos conhecido, João Rodrigues Cabrilho, navegador e explorador do continente americano.
Bartolomeu Dias (no 511.º Aniversário da sua morte)
Foi este navegador português, nascido nos meados do século XV, que se tornou célebre por ter dobrado, em 1488, o depois denominado de “Cabo da Boa Esperança”, que logo baptizou de “Cabo das Tormentas”, e por ser o primeiro europeu a navegar para além dele. Ironicamente viria a encontrar a morte junto deste mesmo tenebroso promontório, a 29 de Maio de 1500 na segunda viagem em que participou, integrando esquadra de Pedro Álvares Cabral e quando esta, rumando em direcção ao oriente, após a descoberta do Brasil, foi colhida por uma violenta tempestade que provocou o naufrágio de quatro naus, dentre as quais a que ele capitaneava. Se a respeito dos seus feitos na grandiosa epopeia ultramarina portuguesa e das circunstâncias do seu trágico fim, poucas dúvidas se oferecem aos historiadores, estes continuam a dispor de escassos dados biográficos para que se possa fazer uma referência segura da sua origem familiar e geográfica. Talvez seja, dentre as quatro figuras que aqui elegemos, a de que menos fundamentos historiográficos e genealógicos se encontram para sustentar a sua origem transmontana atribuída pela tradição. Como observou Damião Peres na sua conhecida obra História dos Descobrimentos e na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, não obstante haver fundamentos documentais para se afirmar que o nome completo do navegador seria Bartolomeu Dias de Novais, este último apelido não surge nos documentos coevos […] «motivo que tem dificultado a sua identificação visto terem existido na mesma época vários indivíduos com o mesmo nome»[…]. [1] Esta é a posição que mais recentemente foi reiterada por um dos maiores especialistas da História da Expansão marítima portuguesa, Luís de Albuquerque, no Dicionário de História de Portugal, sem mais observações. [2]
Efectivamente, embora se saiba que ele foi escudeiro da Casa Real e administrador do “Armazém da Guiné”, entre 1494 e 1497 e que se suspeite que descendesse de outro célebre navegador, Dinis Dias (navegador henriquino que, em 1442 terá participado nas explorações do golfo de Arguim, em 1444 descoberto Cabo Verde e, no ano seguinte, sob o comando de Lançarote, explorado a costa ocidental africana entre o Cabo Branco e o Senegal) e também se saiba que foi irmão de Diogo Dias, que o acompanhou nas suas arriscadas jornadas, existem notícias de um Bartolomeu Dias, dado como mercador em Lisboa e Itália, entre 1475 e 1478. [2] E mais outros haveria certamente!
Serão estas razões suficientemente plausíveis para que Bartolomeu Dias não figure no Dicionário dos mais ilustres transmontanos e alto-durienses, obra dirigida por Barroso da Fonte, a par de Diogo Cão e Fernão de Magalhães, também eles excelsas figuras da História da Expansão Ultramarina portuguesa, mas cujas origens transmontanas não se afiguram menos discutíveis?
Em minha opinião, estamos perante um daqueles casos em que a falta de respostas científicas nos obriga, com a necessária e absoluta salvaguarda da imparcialidade historiográfica, a respeitar a tradição. Mas esta, a propósito da naturalidade de Bartolomeu Dias surge ainda repartida entre duas ou três alternativas: Mirandela, sede de concelho do distrito de Bragança, ou Alcochete, ou ainda do Montijo, ambos centros municipais do distrito de Setúbal de onde se diz que residiram os seus descendentes de apelido Novais, em todo o caso meras especulações. Então porque não, de novo, Mirandela?
Estátua de Bartolomeu Dias na cidade do Cabo
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Referências
[1] VERBO - ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA, vol. 6, 1966, p.1291.
[2] DICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL, dir. Joel Serrãp, vol. II, Liv. Figueirinhas, Porto, 1990, pp. 294-295.
[3] LINK
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