sexta-feira, 29 de abril de 2011

Padre João Baptista Vaz de Amorim

Por Leonel Salvado

Padre João Baptista Vaz de Amorim | Recursos: Foto: Revista Aquae Flaviae (14) 1995; moldura; http://www.ruadireita.com

A referência moral e intelectual
Sacerdote de origem humilde, recordado por quem o conheceu melhor do que ninguém como «personalidade invulgar» caracterizada pela sua bondade, pela rara vocação cristã, pelo seu inabalável amor à República e pela sua erudição no campo das letras e da investigação histórica e arqueológica, João Baptista Vaz de Amorim, celebrizado na literatura com o pseudónimo de João da Ribeira, nasceu em Vilarinho das Paranheiras, aldeia do concelho de Chaves no dia 6 de Agosto de 1880 onde também veio a falecer, aos 81 anos, no dia 19 de Janeiro de 1962. Este Homem que julgamos ser uma das principais referências morais e intelectuais do seu tempo em Trás-os-Montes e no concelho de Valpaços é mais uma das figuras eleitas para a nossa Galeria de Notáveis do Clube de História de Valpaços.

O estudante
Falecendo seu pai quando João Vaz de Amorim contava apenas dois anos de idade, passou, juntamente com a mãe e a irmã, a viver na residência de seu tio materno, Padre José Caetano de Amorim, em Friões, pároco desta aldeia do concelho de Valpaços, segundo alguns autores[1] ou em S. Julião de Montenegro, segundo outros que dão o mesmo seu tio como sendo pároco desta localidade do concelho de Chaves.[2] Há, contudo, consenso perante o facto de ter sido junto deste sacerdote que Vaz de Amorim fez a instrução elementar ou primária, após o que, segundo Alípio Martins, realizou com sucesso o exame de admissão no liceu em Bragança e fez os primeiros estudos secundários em Valpaços sob orientação de um professor particular. Ainda segundo o mesmo autor, foi encorajado por uma senhora de S. Julião de Montenegro a prosseguir os seus estudos secundários no Colégio de S. Joaquim, em Chaves, antes de se propor no liceu-seminário de Guimarães ao 4.º e o 5.º Anos de Humanidades, em que foi aprovado. Prosseguiu aí, nos dois anos subsequentes, os estudos no ramo das Ciências obtendo também foi aprovação.[3]
Refere Barroso da Fonte que, entretanto, João Vaz de Amorim teria sido convidado pelo Padre Joaquim Marcelino da Fontoura para leccionar no referido Colégio de S. Joaquim, informação que à primeira vista pode parecer pouco condizente com a de Alípio Martins Afonso, o qual faz uma referência à extinção do mesmo colégio que obrigou Vaz de Amorim a regressar à casa da sua patrona, em S. Julião, e continuar aí os seus estudos sob a orientação do respectivo pároco que já havia sido seu professor no extinto colégio. Parece-nos todavia possível que ambos os autores estejam certos pois, dando crédito a um breve mas substancial historial do Colégio flaviense de S. Joaquim publicado no dia 1 de Setembro de 2006 por Fernando Ribeiro no seu blogue “Chaves, Olhares sobre a cidade” e intitulado de “Chaves – o largo do Anjo e o Padre”, confirma-se que, tendo sido fundado pelo mencionado Padre Joaquim Marcelino da Fontoura em 1893/94, a instituição foi de facto extinta no ano de 1896 por decisão do seu próprio fundador em consequência de uma série intrigas que visavam colocar em causa a sua honestidade e o seu desinteresse na gestão da mesma. O Padre Fontoura regressou à sua aldeia natal, Anelhe, concelho de Chaves e aí permaneceu em estado de profunda indignação. Por esta altura Vaz de Amorim contaria 16 anos de Idade e estaria, como referimos, em S. Julião prosseguindo com os seus estudos particulares, antes de ingressar no liceu-seminário de Guimarães. Mas em 1898, ao fim de três anos de insistentes pedidos por parte do Presidente da Câmara de Chaves com a promessa de atribuição de um subsídio de duzentos mil reis, o orgulhoso Padre Joaquim da Fontoura aceitou os pedidos e reabriu o colégio de S. Joaquim «indo instalar-se no Largo do Anjo, na então casa da família Arrochela, actualmente os Serviços Municipais de Águas da Câmara Municipal.»[4] Nesta data, Vaz de Amorim teria concluído o 4.º e 5.º anos dos cursos de Humanidades e de Ciências, sendo razoavelmente credível, e supomos que documentalmente fundamentada, a informação de Barroso da Fonte, voluntaria ou involuntariamente omitida por Alípio Martins Afonso, acerca do convite entretanto dirigido a Amorim para leccionar no renovado colégio pelo respectivo director, colégio que afinal viria a ser definitivamente encerrado em 1907.

O sacerdote
Por ocasião do referido convite, recebido do Padre Joaquim Marcelino da Fontoura, João Vaz de Amorim havia já tomado a decisão de entrar para o Seminário de Braga onde, em 1901, se ordenou sacerdote com a idade de 21 anos. Coube-lhe então, no início do seu múnus paroquiar uma aldeia do concelho de Valpaços, a aldeia de Padrela, segundo Alípio Afonso, ou a de Paradela, também designada por Paradela de Monforte, segundo Barroso da Fonte. Foi no decurso destas funções que recebeu a boa nova da implantação da República em Portugal pela qual revelou desde a sua juventude, em Chaves, uma ardorosa e incessante paixão. Ironicamente, pouco tempo depois decide emigrar para o Brasil onde se diz, impropriamente, que exerceu funções junto do bispo de S. Paulo. Dizemos impropriamente porque, na verdade, este que fora de facto o décimo terceiro bispo da diocese criada naquela cidade, era já então arcebispo e dele sabemos que se chamava D. Duarte Leopoldo da Silva, filho de pai português, e que a ele precisamente se deveu a elevação de S. Paulo a arquidioceses, em 1908, passando a ser, por conseguinte, o seu primeiro arcebispo até à sua morte, em 1938.[5] A decisão tomada pelo Padre João de Amorim tem sido alvo de controvérsia, havendo quem, como Barroso da Fonte, a interprete como consequência do desencanto do pároco perante os excessos de anticlericalismo cometidos pelos republicanos da 1ª República e que resultaram na prisão dos seus colegas. Mas há também quem, como o autor das “Palavras Prévias” publicadas na Revista Aquae Flaviae em edição dedicada ao Padre Amorim, aliás “João da Ribeira”, autor que supomos ser Júlio Montalvão Machado, julgue que a sua precipitada partida para o Brasil fora motivada «por razões pessoais e nunca porque se desse mal com o regime implantado[6] Não tardou o Padre Vaz de Amorim a regressar a Portugal, correspondendo ao pedido de sua mãe nesse sentido, havendo-lhe sido confiada a paróquia de Loivos, no concelho de Chaves, que paroquiou durante 23 anos. Atendido o seu desejo em ser transferido para a paróquia de Bouçoais, aqui se manteve por mais um longo período que tem sido considerado como o mais próspero da sua vida nas áreas da investigação histórica e arqueológica e da produção literária. Mais tarde, segundo Alípio Afonso, regressou à sua terra natal, Vilarinho das Paranheiras, que paroquiou até ao fim da sua vida.

Parecem-nos justas as palavras de homenagem de Alípio Martins Afonso ao Padre João de Amorim «sob duas vertentes: a do literato e de paladino da democracia».


O literato
Dedicado, como por várias vezes referimos, à investigação e à publicação de importantes apontamentos históricos, arqueológicos e até políticos, o Padre Amorim a quem, em virtude da sua paixão pela Arqueologia, a História e Heráldica, nas palavras prévias que lhe são dedicadas no Aquae Flaviae, é considerado como «figura tão rara e sábia como seu Mestre, assim ele chamava o Abade de Baçal»[7], legou-nos uma série de trabalhos repartidos em diversas publicações, tanto durante a sua estada no Brasil como, posteriormente em Portugal:
Ali movido pelo seu amor à Pátria, mas leal como sempre ao ideário republicado democrático, publicou a “Voz de Portugal” e a “Pátria”; em Portugal, na imprensa regional transmontana, e com o pseudónimo de “João da Ribeira” divulgou interessantes apontamentos, como no “Comércio de Chaves” - no qual foram sendo publicados, entre 1939 e 1947 os vários artigos que compõem a sua obra “Por Montes e Vales… Terras de Monforte e Montenegro” - no “Almanaque de Lembranças de Chaves”, no “Mensageiro de Bragança” e no “Vilarrialense”.[8] Segundo Barroso da Fonte publicou também o livro “Pelos Montados da Serra”, não chegando a ser publicado um outro livro que entretanto deixou preparado, intitulado “Coisas da Minha Terra”. Aquele livro, que julgamos ser o mesmo que numa outra fonte surge referido como “pelos Povoados da Serra: aspectos portugueses”com a indicação de que foi publicado em Chaves em 1935, foi o único que o Padre Vaz de Amorim pessoalmente publicou e as razões pelas quais isso sucedeu são reveladas por Alípio Afonso com base na explicação apresentada pela sobrinha do respectivo autor, D. Maria Amorim, de que a modesta vida do tio não comportava os elevados custos de impressão. Também verificámos, através de uma outra fonte, que em 1952, publicou, em Guimarães, um trabalho sobre Arqueologia intitulado”Na Citânia de Briteiros: uma pedra enigmática?”[9]

O paladino da democracia
A convicção político-ideológica democrática republicana, publicamente assumida, pelo Padre João Baptista Vaz de Amorim e a coragem com que se bateu em sua defesa contra a ditadura do Estado Novo, frequentemente evocada pelos seus biógrafos surge claramente corroborada num estudo científico mais abrangente na área da história política em Portugal que tivemos a oportunidade de consultar e que nos serviu de valioso instrumento para o assunto que publicámos aqui no Clube de História, em 31 de Março de 1910 sob o título “Valpacenses na luta contra o Estado Novo”. Da relação que fizemos nesse estudo, intitulado “Candidatos da Oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973)” dos candidatos valpacenses, por naturalidade ou afinidade, constatámos com surpresa que João Baptista Vaz de Amorim foi um dos pioneiros dessa mole de transmontanos valpacenses que, destemidamente, tomou a dianteira no alinhamento pela oposição ao regime  ditatorial instituído. Sobre o que dele se dis neste estudo entendemos citar o seguinte excerto:

«Em 1949, foi candidato pela lista organizada em Vila Real e que não foi aceite, sob o pretexto oficial de que não fora possível obter a sua certidão de eleitor, facto que ele mais tarde desmentiria.»[10]

A esta sua longa odisseia na luta contra o Estado Novo, e aos dissabores que dela advieram, também se faz alusão na introdução à edição da Revista Aquae Flaviae em sua memória nos seguintes termos:

«Já com 78 anos, solidário à sua ideia política de sempre, presidiu em Chaves ao jantar de homenagem ao General Humberto Delgado.
Quiseram então um grupo de amigos festejar os seus 80 anos, colocando junto à velha casa de Vilarinho das Paranheiras onde havia nascido, uma lápide de homenagem, penhor de amizade e adoração dos seus conterrâneos e que testemunhasse aos futuros o valor e dignidade daquele homem. Não o consentiu o Governador Civil da época e nada mais foi possível que uma modesta visita de poucos, dos muitos que gostariam de demonstrar-lhe quanto sentiam e admiravam a sua magnífica lição.
Dois anos depois, em 1962, falecia o Padre João Vaz de Amorim.
Só em 1974, livres de quaisquer peias, foi possível, finalmente, colocar essa lápide adiada a realçar publicamente a esplêndida lição desse homem, exemplo de uma vida nobilíssima como sacerdote e erudito, nunca esquecida dos ideais da República.»[11]


As tardias e parcas homenagens
Fica do excerto que acabamos de expor uma ideia das dificuldades com que se depararam um grupo de amigos desta singular personagem quando se propuseram homenageá-lo, ainda em vida, pelos serviços prestados na propagação dos valores cristãos, da cultura e da democracia na própria aldeia onde ele havia nascido. A assinalar a sua grandeza humana existe apenas a referida lápide e uma rua como seu nome na sua terra natal e uma outra em Chaves! Que dizer das aldeias que longamente paroquiou? Resta-nos concluir, com grande mágoa, observando que passados que foram trinta e sete anos de liberdade e de democracia, bem ou mal conduzidos pouco importa para este caso, nada mais foi feito, sobretudo no concelho de Valpaços, no sentido de legar às presentes e futuras gerações um testemunho evocativo da grandeza do Padre João Baptista Vaz de Amorim, como devia, e ainda deve, ser feito acima de tudo como prova de gratidão pela simpatia que ele manifestou e inspirou por estas terras enquanto sacerdote e erudito bem como pela árdua e exemplar luta que travou, enquanto aqui viveu, contra o temível regime ditatorial do Estado Novo.  


Referências
[1] Barroso da Fonte (coordenado por), Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses, Editora Cidade Berço, Guimarães, Vol I,  1998 | disponível resumo digital:
 http://www.dodouropress.pt/index.asp?idedicao=66&idseccao=553&id=2074&action=noticia
[2] Alípio Martins Afonso, Revista Aquae Flaviae, In Memoriam Pe João Vaz de Amorim,n.º 14, 1995, p. 9.
[3] Ibid., Ibid.
[4] http://chaves.blogs.sapo.pt/33661.html
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Duarte_Leopoldo_e_Silva
[6] Revista Aquae Flaviae, Id., p. 5
[7] Ibid.
[8] Alípio Martins Afonso, ibid.
[9] Mário Matos e Lemos,  Candidatos da Oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973), Divisão de Edições da Assembleia da República e Texto Editores, Lda, 2009, p. 102 | disponível em formato PDF:  http://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/Candidatos_Oposicao.pdf
[10] Ibid., Ibid.
[11] Revista Aquae Flaviae, id.

2 comentários:

  1. Amigo Leonel:
    os meus parabéns por ter incluido no grupo dos ilustres valpacenses o Padre João Vaz de Amorim ou João da Ribeira, como ficou mais conhecido, mesmo em publicações científicas de grande nível e reconhecida competência.
    Também me parece que este homem, valente e exemplar a muitos títulos, tem sido completamente esquecido pelos maiores responsáveis pelos destinos deste nosso concelho, uma vez que, salva a possibilidade de estar errado, não há nem sequer uma rua com o nome deste homem nem na cidade de Valpaços nem talvez nas aldeias que longamente paroquiou. (se erro, as minhas desculpas imediatas). no entanto, poderia e seria totalmente justo homenagear este homem tão singular, de forma mais visível e concreta, talvez com uma estátua em lugar digno da cidade de Valpaços. (não sei se estou a sonhar alto demais...)
    mais uma vez me parece que o visceral anticlericalismo de certa gente (e dos portugueses, aliás)está a trabalhar efectivamente...
    tenho pena.
    1 abraço

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  2. Amigo Padre Jorge:também tenho pena que nem sequer em Bouçoais,onde julgo ter sido bastante, e merecidamente estimado, pelos seus paroquianos e onde foi colocado a seu próprio pedido, existe (que eu saiba)uma simples lápide em sua homenagem.Já de Manuel Buíça não se esqueceram posto que que, como orgulhosamente me informou o actual Presidente da Junta, já existe uma rua com este nome!E em Vinhais uma Praça! Bem, na verdade ele não foi de todo esquecido na sua aldeia natal, Vilarinho das Paranheiras, onde a muito custo, em 1974, foi afixada uma lápide numa das ruas, preparada no ano de 1960 por ocasião do seu 80º Aniversário em sua memória, e em data posterior que não consegui determinar foi essa rua baptizada com o seu nome.Em todo o caso, uma homenagem deveras modesta face à grandeza deste seu colega. Também concordo consigo quanto ao merecimento deste homem da colocação de uma uma estátua em sua homenagem em um lugar digno da cidade de Valpaços que ele sempre dignificou nos seus escritos.Mas tenho esperança que em breve isso venha acontecer.
    1 abraço
    LS

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