domingo, 28 de agosto de 2011

DOCUMENTOS: Aldeias do concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias - BOUÇOÃES

Por Leonel Salvado


DICCIONARIO GEOGRAFICO OU NOTICIA HISTORICA DE TODAS AS CIDADES, VILLAS, LUGARES, e Aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dos Reynos de Portugal, e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas… d’o Padre Luiz Cardoso
TOMOII
1751
[pp. 238-239]

BOUÇOAES. Lugar na Provincia de Traz os Montes, Bispado de Miranda, Comarca, e Correição da Villa de Torre de Moncorvo; a Igreja Paroquial dedicada a N. S. da Ribeira, he Templo de huma só nave, e antiquíssimo, e se diz ser do tempo dos Romanos; he Abbadia do Padroado Real, de que este lugar he Cabeça. Está fundada em sitio plano, junto a um cabeço, onde se descobrem alguns vestígios de muralhas, e segundo mostraõ algumas escacas relíquias, e monumentos, foy huma grande povoaçaõ em tempos antigos. Achaõ-se espalhadas pelos campos algumas pedras soltas, com vários sinaes, e letreiros, e pedaços de argamassas de tijolo enterrados, que com pouca diligencia se descobrem e estaõ indicando, que fora antigamente habitado este sitio. À parte do Nascente do adro desta Igreja existe ainda huma torre, que denota grande antiguidade, na qual há dous sinos muito bons. Consta a Paroquia de três Altares, o mayor com a Imagem da Senhora Patrona da Casa, e os dous no corpo da Igreja, hum dedicado a N.S. do Rosario, e outro a S. Sebastiaõ. Naõ tem Sacrario por estar fora do povoado, mas esta o Santissimo na Ermida de S. Maria Magdalena, fundada dentro do Lugar, huma das quatro que pertencem a esta Freguesia, as outras saõ de N. S. da Piedade, de S. Antonio e de S. Francisco. Há nella huma Confraria das Almas. Rende este Beneficio seiscentos até setecentos mil reis. Tem duas Igrejas annexas, que saõ S. Lourenço de Vilartão, cujo Cura he “in solidum” da apresentação do Abbade, e colhe os frutos daquele districto: a outra he a de S. Catharina das Aguieiras, onde tem alternativa annual o Abbade de Bouçoaes, e o Abbade de S. Miguel de Fiaens na apresentaçaõ do Cura, e ambos participaõ dos frutos por termos demarcados em todas as três Freguesias. São estes pela mayor parte centeyo, vinho, e castanha, algum trigo, e azeite. Há neste lugar Juíz da vintena, e homens do acordaõ, subordinados às Justiças de Villa de Monforte de Rio Livre, a cujo Termo pertence. Compoem-se esta Freguesia de mais oito Quintas, ou Aldeas, a saber, Tortomil, Ledoens, Lampasia, Picoens, Bouças, Ermidas, Ribeira, e Regalcovo. Consta toda a Freguesia de cento e quinze moradores, todos lavradores, que vivem de suas fazendas, e do seu trabalho. Junto a este Lugar contra o Poente passa hum ribeiro anonymo, de cuja agua se aproveitaõ os moradores para a rega dos campos, e varias moendas de paõ; e da parte do Nascente corre o rio Rabaçal: ambos trazem a sua origem do Reyno de Galliza, e correm ordinariamente no destricto desta Freguesia, por sítios ásperos, e intratáveis, por causa da grossa penedia, que lhe corta a corrente. Criaõ em maior abundância barbos, e algumas trutas, cuja pescaria, como também o uso das aguas, saõ livres em todo o anno.

 In BNP, Biblioteca Nacional Digital

MEMÓRIAS PAROQUIAIS, 1758, Tomo 7, BOUÇÃES, Monforte do Rio Lima [leia-se Bouçoais, Monforte do Rio Livre]
[Cota: Memórias paroquiais, vol. 7, n.º 51, p. 1075 a 1078]


Bouçoães é um lugar sito na Província de Trás-os-Montes, Comarca de Moncorvo de que dista ao Norte dez para onze léguas e de Lisboa capital do Reino setenta e tantas até oitenta ao mesmo rumo.
É bispado de Miranda de que dista dezasseis léguas ao Noroeste. É termo da Vila de Monforte de Rio Livre de que é donatário o Excelentíssimo conde de Atouguia. É governado por juiz ordinário. Dista do dito lugar, ao poente, duas léguas. Serve-se do correio de Chaves que parte aos Domingos. Tem o dito lugar trinta e seis fogos. Tem a Igreja matriz em um cabeço afastado do lugar, ao Norte, um grande quarto de légua, com a invocação da Senhora da Ribeira. Tem três altares, a maior da dita invocação, o colateral, da parte do Norte, da Senhora do Rosário, o da parte da epístola, de S. Sebastião. Tem pia baptismal para toda a freguesia. Tem uma torre à antiga afastada da igreja à parte do Sul com dois sinos.
O Santíssimo existe em Bouçoães na capela da Santa Maria Madalena que tem só um altar e nela duas Irmandades, uma dos moradores muito pobres, outra das Almas.
É esta igreja Abadia do Padroado real e rende trezentos e tantos mil réis até quatrocentos. Paga de pensão anual à Patriarcal sessenta mil réis, ao Seminário e Mitra cinco mil e setecentos, de passais, e pobre pé de altar, cinco mil réis.
Apresenta um cura em Bouçoães, a que paga, outro em Vilartão anexo lugar à mesma Abadia, outro no lugar das Aguieiras, também anexo. A este paga o Reverendíssimo abade de Sonim, por ser a apresentação anual alternativa de ambos.
Tem Bouçoães uma fonte de água muito insossa, tem outra fora à parte do Poente chamada das Figueirinhas muito fresca, salgada e boa, mas os moradores, ou por estar longe ou por preguiça usam comummente da do povo.
Consta esta freguesia da quinta ou lugar chamado de Lampaça, que fica perto da Matriz, ao Norte e tem catorze moradores; a quinta de Lodões que fica ao poente, tem um morador; é senhorio da comenda de que é comendador o Excelentíssimo conde de Valadares; a quinta de Tortomil, que tem dezanove moradores, dista meia légua da Matriz ao poente, tem uma capela com a invocação de São Francisco, não há romagem e só missa cantada no seu dia; a quinta de Real Covo, que dista da Matriz, ao Sul, meia légua grande, tem cinco moradores; a quinta da Ribeira que também, ao Sul da Matriz, dista meia légua, tem quatro moradores, fica perto do rio aonde há uma passagem por penhascos a que chamam o salto da Ribeira; quando não vai o rio grande, se passa sem perigo por uns burricos entre fragas sem se ver água por ir sepultada por baixo dos penhascos mas, indo grande, salta por cima dos penhascos [e] os que usam o salto nunca mais aparecem; a quinta das Ermidas, sita em um penhasco ao nascente da Matriz, de que dista um quarto de légua, tem um morador; houve nela uma capela com a invocação da Senhora do Pranto; a quinta das Bouças que fica ao nascente da Matriz um grande quarto de légua e tem nove moradores; a quinta de Picões que fica ao nascente da Matriz um quarto de légua e tem sete moradores. Fica junto ao rio chamado Rabaçal caudaloso [que] corre todo o ano de Norte a Sul.
Houve lá uma ponte de pedra que levou o rio, depois se fez uma de pau que teve o mesmo fim e se valem da passagem em outro salto chamado de Picões em que tem perigado muitas pessoas. E por ser estrada do correio de Chaves para Bragança e causarem as correntes um grande prejuízo aos vassalos de Sua Majestade, que Deus guarde, obrigando-os a conduzir os serviços para a intendência da junta de guerra que existe nas sobreditas praças e levá-los quando não se passa o rio por pontes mais distantes, foi servido Sua Majestade, o Senhor Rei D. João quinto, de gloriosa memória, conceder uma provisão para se fazer uma ponte no sítio chamado de Varjellas há  anos e até aqui se não pôs isto em execução com tanto detrimento dos vassalos de Sua Majestade.
Por cima da dita quinta, um quarto de légua, a Norte, no sítio chamado entre-ambas-as-águas, se lhe junta outro ribeiro chamado o Mente, o qual, a uma légua de distância da dita quinta, ao Norte, se lhe une à ribeira de Mente o rio chamado S. Gonçalo e juntos correm a meter-se no sítio de entre-ambas-as águas no Rabaçal, que lhe modifica o nome.
A pouca distância, para cima de entre-ambas-as-águas tem o rio Rabaçal uma ponte de pau no [sítio] chamado de Vale de Armeiro. Tem este rio algumas moendas. As suas moagens admitem pouca fábrica por serem cheias de penhascos de cantaria; [de] pesca tem barbos, bogas, em pouca quantidade, e algumas trutas.
Tem a dita quinta de Picões a sua capela de cantaria construída à moderna com a invocação de Santo António, mandada fazer pelo sargento-mor de Cavalaria António de Sá Pereira do Lago, da Casa dos Morgados de Vilartão, o qual a deu aos moradores da dita quinta.
Tem a freguesia de Bouçoães noventa e seis fogos, trezentos e vinte e seis pessoas de confissão e comunhão.
O fruto que se colhe em maior abundância é centeio. Os mais são vinho palheto brandinho, castanhas, linho e algum azeite pelas ribeiras. Está situado o dito Bouçoães à saída do rio de que já se deu notícia, como também dos que lhe ficam ao nascente.
Do dito lugar se avista ao nascente, a cinco léguas, um cabeço que se chama a Senhora da Serra por ter no alto uma igreja com a mesma invocação que se festeja a 8 de Setembro. Avista-se também a serra de Bornes que fica a nascente, dista sete para oito léguas, de que darão notícia com mais individuação os nacionais dela.
Também se vê, seis léguas ao Sul, a Senhora da Assunção, que está no alto da serra a sua igreja e que, em outros tempos, foi romagem de grande concurso.
Também se descobre a serra de Santa Comba que fica ao Sul em igual distância.
Não houve, pela graça de Deus, nesta freguesia ruína alguma causada pelo terramoto de 1755, nem também há coisa alguma digna de memória de que se dê notícia, e de expressar neste papel se vê quão trabalhosa é, que brota cheia de penhascos, que se não cultivam, e por legítima consequência muito pobre. É o que posso dizer na verdade.


Bouçoães, 13 de Abril de 1758.

O Abade António Xavier Fernandes



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