domingo, 6 de novembro de 2011

DOCUMENTOS: Aldeias do concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias – VALES

Por Leonel Salvado


Nota prévia: Constatei que na catalogação documental relativa às “Memórias Paroquiais” de 1758 do distrito de Vila Real houve uma involuntária troca de identidade por parte dos arquivistas dos dois documentos que se afiguram com a mesma referência toponímica de Vales, que são indevidamente referenciados como de “Santa Cruz, Vales, Chaves” e “São Nicolau, Vales, Alfândega da Fé”, quando deviam ser “Santa Cruz, Vales, Alfândega da Fé” e “São Nicolau, Vales, Chaves”, sendo este último que pelo seu teor concluí dever atribuir à freguesia com este nome de Vales que actualmente pertence ao concelho de Valpaços. Lamentavelmente, como também tive a oportunidade de verificar, este pequeno lapso técnico comprometeu o estudo coordenado por um exímio investigador nesta matéria, José Viriato Capela, intitulado “As Freguesias do distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758, Memórias, História e Património”. Este autor e seus colaboradores não puderam evitar a divulgação de dados que atribuem impropriamente à freguesia de S. Nicolau de Vales e que dizem antes respeito a Santa Cruz de Vales que era do concelho de Alfândega da Fé. Não obstante, o seu trabalho continua a ser, em minha opinião, o melhor estudo jamais publicado sobre esta matéria. Alguns topónimos foram transcritos na forma como se lêem na cópia do documento original.

MEMÓRIAS PAROQUIAIS, 1758, Tomo 38, VALES, São Nicolau, Alfândega da Fé [Leia-se Vales, S. Nicolau, Chaves]
[Cota actual: Memórias paroquiais, vol. 38, n.º 84, p. 475 a 478]

Eu Simeão Nunes, Reitor deste matriz e paroquial igreja de São Nicolau de Valle, em cumprimento de uma ordem do muito Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral desta Comarca que me foi apresentado com um interrogatório junto, logo me informei com pessoas fidedignas a respeito da matéria de que tratam, e achei o seguinte

E Satisfazendo cada interrogatório, ao primeiro digo que esta igreja é na Província de Trás-os-Montes, na Comarca da Vila de Chaves e Arcebispado de Braga Primaz, termo da mesma Vila de Chaves. A igreja matriz nomeia-se igreja de São Nicolao nos Valles de Santa Comba. É Comenda da Ordem de Cristo. É nela Comendadora uma mulher viúva de Lisboa chamada Mariana Teixeira. Costuma provê-la o ordinário por oposição.
Tem esta freguesia sessenta e dois fogos. Tem cento e oitenta e nove pessoas púberes e tem impúberes dezoito.
Está situada em uma ladeira que , olhando ao Nordeste, dela se descobrem parte da freguesia de São Pedro de Veiga de Lilla, a freguesia de Canavezes, Santa Maria de Émeres e São Nicolau de Carrazedo, para Norte, e para o Poente Santo André de Jou.
Esta paróquia está sita fora do lugar, para a parte de cima e somente com três vizinhos ao pé. Tem esta freguesia somente dois lugares ou aldeias, uma logo abaixo da Paróquia chamada os Valles, e outra chamada Zebras, para a parte do Poente. Tem mais uma quinta de três vizinhos, no meio da serra, que chamam a quinta do Cadeirão.
O orago desta paróquia, ao presente, é São Nicolau e está a sua imagem colocada no altar maior, feita de escultura de madeira, muito bem esculpida. Tem esta igreja dois altares colaterais: No da parte direita é venerada nele a imagem da Senhora do Rosário feita de escultura de madeira e no da esquerda do Senhor São Gonçalo, também em madeira. Não tem naves nem Irmandades.
O Pároco desta igreja é Reitor. É da apresentação do poder ordinário em oposição. Tem de côngrua da Comenda quarenta e oito mil réis, seis tostões da doutrina e dois alqueires de trigo para hóstias e dois almudes de vinho para oblata.
Tem esta paróquia quatro ermidas ou santuários: Uma dentro do Lugar dos Valles com a invocação de Santo António com uma imagem do mesmo santo feita de escultura de madeira; outra de Santo Amaro, dentro  do Lugar de Zebras com três imagens, uma de Santo Amaro, outra de São Sebastião e outra da Senhora da Conceição, todas de madeira; no alto de uma serra vizinha da mesma paróquia, chamada a serra de Santa Comba, para a parte do Nascente, se acham duas ermidas, uma da mesma Santa Comba com duas imagens colocadas no seu altar, uma de roca e outra mais pequena de escultura de madeira, e outra [ermida] de São Leonardo, ambos irmãos pastores. Acha-se nesta uma imagem de Cristo Crucificado, com quem têm devoção os habitadores circunvizinhos, e outra do pastor São Leonardo, feita por um ermitão, de pedria Milagrosa, ainda que tosca. Pertence a administração destas capelas aos moradores desta paróquia. São estas imagens de muita veneração nas freguesias vizinhas e distantes pois, além de muitas romagens particulares que a elas fazem pelo ano, os dias em que mais é frequentada a sua casa é dia [data omissa] de Janeiro, subindo à serra na véspera e dormindo ali, e na véspera de São Lourenço, dez de Agosto, dormindo ali do mesmo modo; e são advogadas de qualquer necessidade que a recorrem.
O clima desta terra é por natureza esterilíssimo, pois é sumamente árida e fria e, por isso, infrutífera. E assim, somente cria algum centeio, pouco trigo e alguma castanha.
Dista esta paróquia da cidade Primaz de Braga dezoito léguas, para Oriente, e da cidade capital do Rein,o ou Lisboa, sessenta e sete léguas para entre Oriente e Norte.
Não houve ruína no terramoto e somente se abriu a terra em três partes nesta freguesia, em bocas que já estavam unidas [possível lapso] e em terras lagoas.
No alto desta serra, junto à ermida de São Leonardo, se acha um poço quadrado feito de pedra. Das suas águas usam os habitantes circunvizinhos como muito medicinais para o achaque da asma; é chamado o poço de São Leonardo e há tradição que naquele lugar caíram as tripas do mesmo Santo no tempo do seu martírio.

Enquanto à segunda que trata das serras, aqui se acha uma chamada de Santa Comba. Fica logo por cima desta residência para a parte do entre Oriente e meio dia. É quase esférica porque da quinta do Cadeirão, aonde corre um ribeiro que a divide de outra, pela parte do Poente, se continua o seu comprimento para o Nascente aos paços de Mirandella com quase duas léguas de longitude. A sua largueza é de Setentrião para a parte meridional que principia, do Meio dia, em a Vila de Lamas de Orelhão e termina em São Pedro de Veiga de Lilla, com légua e meia de distância, olhando para o Norte.
As povoações que estão pelo âmbito da sua raiz são: Do Meio dia, o Lugar de Franco e a Vila de Lamas de Orelhão; pelo Oriente a freguesia de Passos e Cinfães; pelo Norte, São Pedro de Veiga de Lilla; pela parte do Poente, esta dos Valles. Desta para a parte do Ocaso se continua um grande montão chamado a serra da Garraia que vai finalizar a Sarapicos, com uma légua de comprimento de Nascente a Poente e quase outra légua de largo de Norte a Sul. Tem na sua raiz, da parte do Sul, a freguesia de São Paulo dos Palheiros, do Norte o lugar de Zebras, desta freguesia, do Oriente um ribeiro, que principia no Lugar de Zebras e vai dividindo as duas serras para a parte do Meio dia, com a denominação de rio do Franco, e se vai juntar com o rio Tua no sítio chamado a Senhora da Cunha.
Estas duas penhas são infrutíferas e somente têm muito torgo e alguns carrascos ou ervedos, estevas ou sobreiros. O seu temperamento é muito seco, com grandes cascalheiras e todas as pedras delas aptas para delas tirar fogo. Somente nestas penhas se cria gado cabrum e são quase [ermos livres?] para mel e cera, porque na sua circunferência se acham muitas colmeias.
É habitada de feras, como são lobos, javalis, raposas e, nas suas ladeiras, muitas perdizes, coelhos e lebres e muitos mais animais vulgares de menor conta. E por aqui tenho satisfeito aos notáveis desta agreste estância pelo meu rasteiro idioma.
Somente aviso que na predita terra se dividem três comarcas, como são a de Chaves, para o Norte, a de Vila Real, para entre Meio dia e Ocaso, e da Torre de Moncorvo, para entre o Austro e Oriente.
Dista esta paróquia da Vila de Chaves cinco léguas, para o Sul; da Vila de Mirandela duas e meia, para Poente; da Vila de Murça duas léguas para entre Norte e Nascente.
Nos arredores do lugar de Zebras se acha grande copia de pereiras chamadas Ceromenhos de que abunda toda esta terra no seu tempo. Também há alhumas macieiras de várias espécies.
E como não há rio notável se me exime a dar conta da terceira parte do interrogatório.
Vai assinado por dois párocos vizinhos, na forma da ordem, hoje, 20 de Março de 1758.

O vigário de Canavezes, José Pereira de Melo
O reitor, Padre Filipe Monteiro de Abreu

O Reitor, Simeão Nunes

1 comentário:

  1. Mais uma vez não verificaram o Orago, por isto , e muito mais tem errado.

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