Por Leonel Salvado
Trata-se de uma descrição de economia das diferentes comarcas da Província de Trás-os-Montes intitulada Memória Económico-Política de 1799, de Luís António Medeiros Velho, ex-juiz de fora de Chaves, que foi publicada por Fernando de Sousa em População e Sociedade, n.º 4, IEPF, Porto, 1998, no seu trabalho Uma Descrição de Trás-os-Montes nos finais do século XVIII e encontrei transcrita no estudo coordenado por José Viriato Capela sob o título As Freguesias do distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758, a qual, com o devido respeito pelo autor e transcritor nomeados, passo a reproduzir:
«A Provincia de Tras-os-Montes que está em huma das partes mais septentrionaes do Reyno se compoem de quatro comarcas: a primeira he a de Miranda, a segunda he a de Moncorvo, a terceira de Bragança, e a quarta de Villa Real, alem de alguns conselhos pertencentes ás comarcas de Lamego, e Guimaraens.
A comarca de Miranda he regularmente pouco povoada; tem immensas terras, e alguns montes, e todas proporcionadas para darem trigos, senteios, e cevadas, e poderião dar algum milho grosso e painço, se o cultivassem. Em poucos sitios produz vinhos, e os que se colhem nos concelhos de Lomba, e Vinhaes são generosos, e muito balsamicos, e ainda sem beneficio se conservão muito tempo, e destilados dão bom rendimento em agua ardente: o seu consumo he na propria terra, e algum vay para Galiza e Castella. Nas ladeiras, ou ribadas do Douro se colhem também alguns vinhos, que tinhão saída para Espanha; hoje porem he menor a exportação desque o Ministerio daquelle reyno cuidou em mandar plantar vinhas, e impoz cento e sessenta reis em cada almude de vinho de Portugal de direitos de entrada: porem apezar de todo este disvello, os povos de Galiza se não podem dispensar do mesmo vinho, por ser o frio daquelle paiz contrario á ditta producção, e o mesmo acontece ás terras de Saago, e Campos de Castella Velha, e assim pouco sufficientes aquellas providencias para deixarem de se aproveitar dos vinhos de Portugal, que são melhores, e ficão proximos, e a melhor commodo. Seria justo animar na referida comarca a plantação e verdadeiro cultivo das vinhas; a plantação de castanheiros, para o que he propria a terra, e há poucos á proporção dos dilatados terrenos, e estas arvores ao mesmo passo que dão hum proveitoso fructo, produzem bellas madeiras, e o resto serve de lenhas para os fogos. As oliveiras são quazi desconhecidas em toda a comarca, e posto que alguns poucos terrenos podessem produzillas á força de arte, não he necessario forçar a natureza do paiz, he melhor seguilla com a cultivação daquelles fructos, que lhe são mais analogos. Os gados ovelhuns se dão admiravelmente: os carneiros e ovelhas são grandes, a lan boa, porem desgraçadamente está em summa neglicencia semelhante creação, que ao mesmo passo que utiliza com as lans, e admiraveis estrumes dá carnes para o necessario sustento. Na mesma comarca há huma caudelaria donde sahem os melhores cavallos do Reyno e as mulas são formosas de admiravel grandeza mas faz poucos progressos a mesma caudelaria, porque a mayor parte dos cavalos, que servem de pays são pequenos, rixosos outros, já com algumas aleijoens, e cheyos de reçabios, tudo por falta das necessarias providencias, e se acharem muito adulteradas as do regimento das caudelarias do senhor D. Pedro segundo, e ainda estas deminutas para evadirem as referidas malicias dos caudeis e lavradores.
A comarca de Moncorvo he situada em paiz mais temperado e quente: produz muito azeite em quasi todos os concelhos e he o melhor do Reyno, e em toda ella tem amoreiras para a creação do bixo da seda; porem não são as necessarias á proporção das que pode produzir: dá trigos, centeyos, cevadas, legumes, e alguns milhos, e pode produzir nos concelhos de Mirandella, Villariça, Anciaens e outros; muitos e nervosos canamos naquelles predios, que ainda hoje conservão o nome de canameiras, segundo com mayor individuação fiz em ver hum plano que corre por differentes vias. As hortaliças são das melhores, produz regularmente poucos vinhos, mas pode produzir muitos mais; porem o solto da terra, a má escolha das uvas, o fraco grangeo das vinhas, e feitoria dos vinhos faz que posto que sejão maduros prometão pouca duração, excepto os vinhos de Santa Valha, que são dos melhores da provincia para o quotidiano uso. Não produz castanheiros senão no conselho de Monforte, pelo calido do paiz. São os carneiros e ovelhas e lans admiraveis e finas; porem em tudo há suma indolencia e crassa ignorancia.
Nos conselhos da Torre de Moncorvo e Freixo-de Espada-Cinta se colhem algumas
amendoas, mas poucas em attenção as que se podião colher: os meloens e queijos de ovelha, são bellos, produz alguma fructa de caroço, e em toda a comarca a população he deminuta, e no lugar de Carvoiçaes há abundantes minas de ferro, que sendo tão interessantes como necessárias jazem no summo desprezo.
A comarca de Bragança, no termo da cidade, e villa do Oiteiro, he regularmente fria, e alevantada como a de Miranda lemitrofica; produz centeyos, trigos, alguma cevada, poucos milhos, castanha, para o que he muito natural: mas a plantação he relativamente muito deminuta, e em alguns sitios produz bellos e generosos vinhos; como são os de Izeda, Moraes, Arcas e Nuzellos que com a simples feitoria durão annos pelo balsamico, e espirituoso. Há nos dois dittos conselhos huma caudelaria, muitos prados, prados particulares, e publicos, para o pasto, e sustento dos potros; mas falta-lhe muito para chegar a estado da perfeição, a que podia subir: produzem alguns linhos de teya, mas poucos, e mal cultivados: o concelho de Chaves he mais bem temperado produz trigos, centeyos, cevadas, e milhos, linhos de teya, muitos vinhos e generosos, munta castanha, algum azeite, toda a qualidade de legumes, bellas fructas de caroço, gostosissimas hortaliças, boas lans, e alguns sitios muita cabra. Podia produzir muito canamo, e ter muito gado vacum, de que há geral falta neste Reyno. Se o rio Tamega que borda os largos campos, ou veiga da mesma villa fosse sangrado no simo da mesma veiga, cuja obra não sendo de mayor despeza faria regar legoa, e mea de longitude, e mea de latitude, que tem os mesmos campos, seria a colheita dos trigos melhor, e dos linhos treplicada; e nos prados arteficiaes se podião crear milhares de vitellas e bezerros, de que há huma grande falta. Os dois concelhos de Montealgre, e Ruivaes pelo montanhoso só são proprios para senteyos, e alguns milhos, poucos vinhos e verdes, alguma castanha e linhos; porem são admiraveis para a creação de gados vacuns pelos prados e pastos, que lhes fornecem os dilatados montes; e já os povos tem algum cuidado neste utilissimo e necessario ramo, mas ainda lhe resta muito para chegar ao desejado gráo de perfeição. Os conselhos que pertencem á comarca de Lamego estão na costa septentrional do Alto Doiro produzem pouco pão, algum azeite, pouca castanha e muitos, e generosos vinhos: a cultura destes pouco tem a emendar, e os caminhos daquelle terreno assim publicos, como vicinaes e muito pelo ingreme, e ladeiroso do paiz, mas quiz a Providencia que com summo prazer de todos sahisse ley para dar principio á reedificação de semelhantes caminhos, tudo devido ás solicitaçoens officiosas de hum excelentissimo genio patriotico, que os seus mercimentos o aproximárão ao throno para hum dia encher a nação daquellas felici-dades, que os seus vastos projectos tem premeditado.
Os conselhos da mesma provincia pertencentes á comarca de Guimaraens produzem muitos milhos, senteyos, legumes, linhos, castanhas, painços; e os gados são regularmente cabras, e os vinhos verdes tendo muita semelhança com os da provincia do Minho aonde a agricultura está em mayor auge.»
Fontes: http://repositorium.sdum.uminho.pt/ | SOUSA, Fernando de, Uma descrição de Trás os Montes nos finais do século XVIII, in População e Sociedade, n.º 4, IEPF, Porto, 1998, pp. 413-444.
Razão tinham os mouros e romanos em construir os mais de 27 lagares de fazer vinho escavados/cavados na rocha que existem na minha freguesia de Santa Valha.Dá para perceber que já nesses tempos idos eles tinham um excelente bom gosto e sabiam apreciar o que era realmente bom.
ResponderEliminarAmílcar Rôlo
É verdade Amílcar Rolo. Com igual razão também o Abade de Santa Valha destacava, em 1758, entre os frutos da terra que aí se recolhiam com mais abundância, o "vinho tinto de cepa, delicioso", tal e qual nestes termos!
ResponderEliminarObrigado pelo comentário.
Leonel Salvado (Adm. CHV)