sexta-feira, 11 de novembro de 2011

DOCUMENTOS: Aldeias do concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias – VALPAÇOS

Por Leonel Salvado


Nota prévia: Segue-se, nesta série documental, a “Memória Paroquial” de 1758 da freguesia de Santa Maria de Valpaços, hoje cidade e sede Municipal do concelho com o mesmo nome criado este em 6 de Novembro de 1836. Trata-se de um documento que já foi sujeito a uma bem conhecida transcrição que é a que consta na Monografia de Valpaços da autoria de A. Veloso Martins. Esta transcrição apresenta um excelente nível de realização, porém encontrei nela, face ao manuscrito original, duas a três imprecisões insignificante e uma mais substancial que entendi rectificar na presente, actualizando também os topónimos, sem desprimor para a qualidade científica revelada por aquele autor em toda a sua mencionada obra e para o valor igualmente científico que encontro nesta.

MEMÓRIAS PAROQUIAIS, 1758, Tomo 38, VALPAÇOS, Chaves
[Cota actual: Memórias paroquiais, vol. 38, n.º 49, p. 259 a 261]

Satisfazendo ao despacho do Muito Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral de Chaves, digo, pelos interrogatórios que me foram entregues, que esta freguesia de Santa Maria de Valpaços fica na Província de Trás-os-Montes, é do Arcebispado de Braga, da Comarca de Chaves e ao mesmo termo pertence.
É d’el Rei ou Duque de Bragança, havendo-o.
Tem trezentos e dez vizinhos e pessoas de ambos os sexos, excepto os párvulos sem uso da razão, terá novecentas e dezasseis.
Está esta freguesia situada em uma [encosta] de um pequeno ou raso monte, mas lavradio, que lhe fica ao poente. Do cimo da freguesia se vêem as freguesias seguintes: Rio Torto, Crasto,  Sanfins, Argeriz, Santiago de Alhariz, Vassal, Ervões, Vilarandelo, Fornos, Vale de Telhas, Vale de Salgueiro. E há um sítio do Outeiro da Vela que se descobre dali, a seis e a oito léguas em redondo, e até lugares da Galiza, por cima de Chaves, se vêem deste sítio e se vê a serra da Nogueira em Bragança e a serra de Sanábria em Castela.
Tem seu termo grande e demarcado com padrões por feitio que dizem Bragança. À dita Casa paga toda a freguesia trezentos e sessenta alqueires de centeio, que arrecadam os pessoeiros e se metem todos os anos e tem uma boa casa para os recolher o rendeiro que os arrenda. O termo tem uma légua para todos os lados; de circuito terá duas. Tem a freguesia três lugares: um chama-se Lagoas, tem trinta e dois moradores; tem, mais adiante, Vale de Casas, que confina com Fornos, do Bispado de Miranda; que tem dezassete moradores; tem outro ao Nascente, Valverde, que tem quarenta e seis moradores; mas todos estes ficam incluídos no número acima, porque todos vêm à missa à matriz de Valpaços. Só tem cada lugar sua capela: A das Lagoas é de Santo Amaro; a de Vale de Casas é de São Gonçalo; e a de Valverde é de São Brás; e todas têm retábulos bem feitos e têm ornatos seus e todo o apresto da missa que, muitos anos, se diz nelas todos os dias Santos, de manhã, para os pastores e velhos que não podem vir à missa conventual da matriz que está no meio do povo de Valpaços. É igreja muito bem grande, com sua capela-mor e sacristia que fabrica o cabido da Sé de Braga, por ser o Padroeiro e Senhor da renda, não só desta freguesia mas de outras quatro vizinhas que são Possacos, Vassal, Santiago e Serapicos e esta renda anda junta e dá, todos os anos, dois contos e cem mil réis e às vezes duzentos.
O pároco dela é vigário que o mesmo cabido apresenta com o ordenado de quarenta alqueires de centeio e quarenta almudes de vinho e doze mil e oitocentos em dinheiro e sete libras de cera, todos os anos, e não tem casas de residência nem salário para as arrendar. O pé de altar chega a render todos os anos cem mil réis.
Não tem beneficiados nem convento nem misericórdia.
Tem em Valpaços a ermida de São Sebastião que está na borda do lugar para o Norte. É milagrosa a dita imagem, porque, havendo males contagiosos ou na gente ou nos gados, recorrem a ela os moradores, e logo cessam; e haverá dez anos, houve um mal de que ninguém escapava, fez-se uma festa ao Santo e com ela uma procissão em que se cercou a freguesia, e não deu o dito mal a mais ninguém. Não romagem nem dias para isso certos. Esta ermida é dos fregueses que a fizeram com esmolas.
O orago desta freguesia é a Assunção de Nossa Senhora a 15 de Agosto. Tem cinco altares: O primeiro de Nossa Senhora do Rosário, da parte do Evangelho, é imagem de vulto que se orna com vestidos, que tem muitos e preciosos, tem seu rendimento de azeite todos os anos, de oliveiras que lhe deixam os fregueses, que dá doze a quinze réis cada ano, faz muitos milagres aos que a invocam e lhe dão muitas ofertas, como são mortalhas, os enfermos que escapam dos perigos, cabeças, mãos pernas e peitos de cera, e linho e trigo; da parte da epístola tem o altar do Santo Cristo com uma imagem grande; da mesma parte e mais para baixo tem o altar das Almas pintadas com São Miguel em imagem por padroeiro e neste altar está também Santo Antão e Santa Luzia em imagens de quatro palmos; neste mesmo altar, dentro dele está o Senhor amortalhado em um caixão bem pintado, imagem que serve na Semana Santa para o descimento da Cruz e para a procissão da Sexta Feira Santa; há mais nesta igreja outra imagem do Senhor da Cruz às costas que serve para a procissão de passos e está por tal arte feita que faz os passos dos sermões da Quaresma todos, que são o Senhor no horto, preso à coluna, coroado de espinhos do Ecce Homo; tem mais outro altar da parte do Evangelho da invocação de São Pedro Apóstolo, de que é administrador o Morgado da fonte desta freguesia e o fabrica por sua conta, os mais, os fregueses nele têm o legado de uma missa cada mês. A igreja tem dois sinos bons, mas não tem rendimento algum; tudo fazem os fregueses das suas bolsas.
A terra produz bons e excelentes frutos, porque dá muita cevada e trigo. Porém a maior sementeira é de centeio, sustento comum dos moradores, e dá tanto sem se estercar que alguns anos dá quinze, vinte e trinta mil alqueires dentro dos marcos. Também dá muito linho e tanto que há lavradores que semeiam a quinze e a vinte alqueires e depois vendem muitas arrobas dele espadado. Colhe-se também muito milhão e muito legume de toda a casta, feijão branco e rajado, e miúdo, e muito ervanço. Dá muita hortaliça de couves e tronchudas e repolhos, muita alface e cebola, melão e melancia e muita fruta de peras e maçãs e ameixas e maracotões e gil-mendes perfeitos, e, se disto não dá muito mais, é porque o descuido de plantarem todos faz com que os que não têm furtem aos que têm, que por isso desgostam de ter mais. É muito abundante de vinhas de boas e excelentes uvas, e nas vinhas há muitas figueiras que dão duas vezes figos, no princípio de Julho os lampos grandes e gostosos e no de Setembro outros de que secam muitas arrobas; e das uvas fazem excelentes passas, em espacial do guveio e bastardo, este preto, aquele branco, e são tão duras as uvas que vêm de meia légua nos carros em cestos para casa e fazem delas dependuras em casa, que duram até à Quaresma tão sãs como no São Miguel, e o vinho é maduro e já daqui foi a embarcar para fora do Reino e iria todos os anos se não ficara distante do Porto quase trinta léguas, mas vai muita aguardente que dele se faz. Dá também muito azeite de que colhe cada ano quinhentos e seiscentos almudes, e só o Morgado da igreja passa de colher cem almudes cada ano. Também é abundante de castanheiros enxertos de que recolhe grande quantidade de castanha e com ela se fazem as cevas e sustentam de inverno as bestas e gados.
Tem juiz e quadrilheiros e jurados que são postos pela Câmara de Chaves, aonde há juiz de fora e lá se decidem os pleitos.
Não é couto nem tem concelho nem outra coisa de isenção.
Não há memória de homens insignes, senão alguns que pela guerra alcançaram alguns postos maiores. Há dois morgados, o da fonte e o da igreja, que saiu do da fonte, antigos e nobres, cavaleiros do hábito de Cristo. No lugar das Lagoas ainda vive, e tem quase cem anos, Gonçalo Fernandes, soldado reformado, que foi nas guerras da Catalunha, onde pelejou e fez muitas proezas por Carlos terceiro contra os castelhanos.
Não tem feira esta terra, mas serve-se das muitas outras que há ao redor e algumas não passa de uma légua.
Não tem correio, mas serve-se do de Chaves donde dista quatro léguas.
Da cidade capital, que é Braga dista dezoito léguas, e de Lisboa, para onde há duas estradas, uma por Lamego e Viseu de sessenta e oito léguas, e outra pelo Porto de setenta léguas.
Tem esta freguesia e a de Possacos um privilégio d’el Rei pelo que paga à Casa de Bragança muito célebre, porque não conhece ao dito Senhor senão com sisa e décima, do mais de tudo está isenta.
Tem uma fonte donde gasta todo o povo por ser a mais excelente, que aos que se criam com ela isenta da dor de pedra e da retenção de urina. Tem mais fontes e poços que com pouca altura se abrem e dão muita água para regar, e tem dois regatos pequenos que são água até o Santiago, depois secam, mas do Santo André até Maio sustentam muitos moinhos a moer.
Teve esta freguesia antigamente um mineral de breu de que se tirava muito, mas hoje não há quem o procure, mas ainda tem o nome a terra que o dava, pois se chama a Cortinha do forno de breu. Tem mais esta freguesia no sítio das Lagoas um mineral de pedra branca e fina de que se fazem obras excelentes, até retábulos, porque tem bom temperamento para tudo o que se quer dela obrar até ficar lisa como papel, e dela mandou el Rei fazer frontispício do seu hospital de Chaves, donde dista quatro léguas.
Tem esta freguesia uma Irmandade do Santíssimo Sacramento, que tem grande quantidade de irmãos não só da gente desta freguesia mas ainda de dez freguesias à roda, onde vai fazer nelas os sufrágios dos irmãos que lá morrem, e nesta igreja faz dois gerais, um na Quinta-feira do meio da Quaresma e outro no Sábado do Cospus Christi e, no Domingo, uma festividade célebre, e tem missa semanal e mais trinta, por cada irmão que morre, e um ofício de vinte padres.

E não sei mais coisa alguma digna de memória e por passar na verdade fiz esta por minha mão, que assinei com dois párocos vizinhos, que são o de Possacos e o de Vassal, aos 8 de Março de 1758.

O vigário, o Padre Francisco Pereira de Aial

O vigário de Santa Maria de Vassal, o Padre Dâmaso Osório de Queiroga
O vigário de Santa Maria de Possacos, o Padre Baltazar Fernandes de Figueiredo.

2 comentários:

  1. Louvo o trabslho do responsável pela decisão de tornar acessíveis na net, documentos importantes da história local.

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  2. Muito obrigado, Euroluso, pelo reconhecimento da importância do nosso trabalho que nos servirá de incentivo para continuarmos a trabalhar com acrescido entusiasmo.

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