segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Os condes de Atouguia e as terras de Valpaços

Por Leonel Salvado



O primeiro título de conde de Atouguia aparece atribuído a Álvaro Gonçalves de Ataíde, por carta régia de D. Afonso V, datada de 17 de dezembro de 1448 (1),  em reconhecimento dos serviços militares e diplomáticos que aquele, prestara ao Reino, desde o reinado de D. João I, para cuja Corte fora logo chamado a servir, acompanhado dos seus irmãos e de sua mãe, Dona Mécia Vasques Coutinho, aia dos infantes da "Inclita Geração". 
Não há dúvida que os condes de Atouguia foram, durante mais de três séculos, os donatários das terras do extinto concelho de Monforte de Rio Livre, uma parte das quais passaram para o concelho de Valpaços, e que, como se vê, o primeiro conde de Atouguia foi aquele D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, filho primogénito de Martim Gonçalves de Ataíde, alcaide-mór de Chaves, e de Dona Mécia Vasques Coutinho. Levando em conta estes válidos pressupostos, é costume afirmar-se que a administração das terras de Monforte pelos Ataídes principiou em 1448, o que não corresponde à verdade. A verdade, porém é que Álvaro Gonçalves de Ataíde já era donatário destas terras antes de ser conde de Atouguia, pois no dia 4 de dezembro do mesmo ano da morte de D. João I, 1433, D. Duarte, seu sucessor, havia doado ao mesmo fidalgo os castelos e Vilas de Monforte de Rio Livre e de Vinhais e as terras de Vilar Seco de Lomba e de Vale de Paçô", depois confirmadas, em 10 de Agosto de 1439, pelo  Regente D. Pedro, com "direito de transmissão ao primogénito". Por isso, houve também D. Afonso V de confirmar no ano seguinte ao da à atribuição do título de Conde a Álvaro Gonçalves, 4 de Dezembro de 1449, o direito deste, que fora seu aio, ao Senhorio das terras de Monforte para o integrar na composição do Condado.      

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Importa ainda referir que este título nobiliárquico terminou em 1759 quando D. Jerónimo de Ataíde, 11.º conde de Atouguia, acusado de envolvimento na conjura da conspiração do fracassado assassinato de D. José I, que levou ao processo dos Távoras  foi, nesse ano, supliciado em Belém e extinta a Casa de Atouguia. Não obstante o  perdão posteriormente decretado pelo príncipe regente D. João, futuro D. João VI, em favor dos filhos de Jerónimo de Ataíde, a 20 de Novembro de 1800, passando todos os haveres  daquela casa nobiliárquica ao Conde da Ribeira Grande.
As terras do atual concelho de Valpaços subtraídas aos donatários do extinto condado de Atouguia, passaram a integrar-se na evolução administrativa condicionada pelas grandes reformas da era liberal das quais resultou a extinção dos concelhos de Monforte do Rio Livre e de Carrazedo de Montenegro em favor da criação do concelho e comarca de Valpaços, a que já fizemos algumas referências aqui no Clube de História de Valpaços.
É justamente este predomínio da Casa de Atouguia sobre as terras de Monforte de Rio Livre, bem como a sua queda e a perda dos seus bens em favor da Coroa, juntamente com a Casa dos Távora, que José Viriato Capela e seus colaboradores concluem do estudo efetuado às “memórias paroquiais de 1758”. A situação da Casa de Murça e do concelho de Água Revés teve o mesmo fim, e pela mesma altura, mas neste caso por mera falta de descendência do seu último titular João Guedes de Miranda e Albuquerque, como se depreenderá a partir do excerto que passamos a transcrever.

«Do ano de 1759 por efeito da conjura contra D. José I, data a extinção da Casa dos Távoras – que vai buscar o essencial dos seus rendimentos (quase 75%) à Província de Trás-os-Montes e também da Casa de Atouguia, cujas jurisdições – Alijó, Favaios, Galegos, Lordelo, Monforte – e rendas seriam integradas na Coroa e Fazenda Régia. […] As informações dos párocos permitem identificar os senhorios donatários das câmaras das terras, à data de 1758, o que significa que os párocos conhecem o titular do poder político dos concelhos que residem quase sempre em Lisboa. Tal reconhecimento decorre muitas vezes certamente do facto de estes donatários serem também muitas vezes comendadores das igrejas da região e portanto com grande proximidade de relações entre donatarias-comendadores/padroeiros e párocos. De entre os Grandes do Reino, donatários/senhorios de concelhos na Província, contam se os que se seguem e se listam na tabela da página seguinte. Fixamos aqui tão só os de Vila Real. À Casa de Marialva/Cantanhede e ao seu Marquês de Marialva e Conde de Cantanhede pertencem a donataria de Atei, Cerva, Ermelo, Mondim de Basto; à Casa de Abrantes/Penaguião, à Marquesa de Abrantes, Condessa de Penaguião, Duquesa de Fontes e Camareira-mor pertencem a donataria de Fontes, Godim, Moura Morta, Penaguião, Peso da Régua; à Casa de Távora, ao Marquês de Távora, pertencem Alijó, Lordelo, Favaios; à Casa de Atouguia, ao Conde de Atouguia, pertence Monforte de Rio Livre; e à Casa de Vila Flor, o senhorio de Parada de Pinhão. À Coroa, directa ou indirectamente pelas Casas de Bragança e Casa do Infantado pertence um elevado número de concelhos e jurisdições. À Casa de Bragança pertencem, Chaves, Montalegre, Couto misto de Barroso, Meixedo, Gralhas, Padornelos, Padroso, Vilar de Perdizes, Tourém; à Casa do Infantado, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar, Ribeira de Pena. E ao tempo da redacção das Memórias Paroquiais desde 1758, na sequência da conjura contra D. José I, iriam ser agregadas à Coroa os domínios da Casa de Távora e Atouguia. Como por falta de descendência está a Coroa também a tomar posse das jurisdições da Casa de Murça, do concelho de Água Revés (de que tomaria posse em Fevereiro de 1758, anota o Memorialista e também de Murça).»

In Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758, vol 3, Braga, 2006, Link

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