sábado, 30 de outubro de 2010

Carta Arqueológica do Concelho de Valpaços – 1

Por Adérito Medeiros Freitas, Junho de 2001
Esta laboriosa iniciativa de transcrição e reprodução de fotos e esquemas do extraordinário trabalho realizado pelo Dr. Adérito Medeiros Freitas, assim divulgado através da Internet é dedicada a todos os valpacenses e portugueses interessados nesta temática, mas em especial aos valpacenses que se encontram deslocados há longa data da sua freguesia natal, bem como aos seus descendentes.

FREGUESIA DE ÁGUA REVÉS E CRASTO

TRANSCRIÇÃO E REPRODUÇÃO AUTORIZADAS PELO AUTOR
Transcrição e reprodução integral
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“Povoação e freguesia do Concelho e comarca de Valpaços e diocese de Vila Real. 1047 h. em 253 fogos (1950).
Orago: S. Bartolomeu.
Foi Vila e tem foral concedido por D. Manuel em 12.11.1519”
Enciclopédia Verbo, Vol. 1, pág. 753

Compõem esta freguesia, as povoações de Água Revés (sede), Crasto, Fonte Mercê e Brunhais.



1 – “Cêrca dos Mouros”

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Localização:
A NE da povoação do Crasto, no lugar da “Cêrca” e no extremo de uma linha de cumeada entre os vales onde correm a Ribeira de Midões e o Rio Torto.

Acesso:
O acesso mais fácil é através de um caminho (a NW), que segue a linha de cumeada entre os dois cursos de água referidos.
A entrada neste caminho (possível para uma viatura automóvel) faz-se numa curva apertada, no topo de uma subida que se inicia na ponte sobre a Ribeira de Midões, a caminho de Valpaços, do lado direito. Este é, também, o acesso a uma casa ali existente e pertencente ao proprietário do terreno onde se situa o “Castro”. A partir daqui o acesso, a pé, é fácil e faz-se em poucos minutos. O proprietário do terreno é o Sr. Francisco Carneiro.

Coordenadas de Gauss:
267,8
510,7

Coordenadas geográficas:
Altitude: 350 metros
Longitude: 7º 18’ 12’’ W (Gr.)
Latitude: 41º 33’ 43’’ N
Folha da carta dos S. C. do E. N.º 62 – Valpaços
Escala 1: 25.000

Características:

Muralhas Externas
Limita uma área de forma oval que mede 100 metros de comprimento e 77 metros de largura correspondentes, respectivamente, aos eixos maior e menor. Na construção desta muralha predominam as rochas metamórficas. Está presente algum granito, também, rocha que contacta com as formações metamórficas a cerca de 2 Km, para N.
A W esta muralha mede, ainda, na sua face externa, 4,5 metros de altura. Existem, nesta muralha, externamente, duas escadas incorporadas e contemporâneas da sua construção, com 75 cm de largura e com, respectivamente, 13 e 15 degraus. São duas escadas que convergem para cima mas que, no topo, distam 38,6 metros.
Devido à quantidade de terra acumulada, não nos foi possível medir a largura desta muralha.


Apesar do grande declive do terreno, conforme o perfil esquemático documenta, julgo que a presença destas escadas implicaria a existência de uma estrutura defensiva envolvente, mas não encontrámos vestígios da sua presença.
Em toda a área limitada por esta muralha são abundantes os fragmentos de telha de rebordo (“tegulae”), bem como de vasos. Hoje, este espaço constitui um olival.

Muralhas internas (?)
Aparentemente existiram mais três muralhas internas e em posição concêntrica. No entanto, pelas características que me foi dado observar, julgo não se tratar de verdadeiras muralhas, mas antes de muros de suporte de terras, de construção posterior, à custa de materiais retirados das próprias muralhas do Castro.

Fosso
Corta transversalmente a linha de cumeada e dista da muralha mais externa assinalada no esquema, 65 metros. A sua presença é facilmente detectada pela existência, no terreno, de uma nítida depressão, bem como pela distribuição da vegetação.
Pareceu-me que outro “fosso” pode ter existido entre aquele e a muralha, mas as observações locais e superficiais não foram concludentes.
1 – a – Sepultura (s)

Por volta de 1976/77 (?) quando andava a lavrar, o Sr. Francisco Carneiro encontrou, no local assinalado na planta (a), uma sepultura coberta por uma lage (possivelmente xisto) e com um esqueleto completo, que desfez logo que lhe pegaram.
Nas proximidades desta sepultura foram encontrados fragmentos de mais ossos, admitindo-se terem pertencido a um outro esqueleto.
Aquando do seu aparecimento desloquei-me ao Crasto a fim de recolher informações sobre este achado. Nessa minha deslocação falaram-se, de facto, em duas sepulturas.
1 – b – Casa
Mais ou menos no centro do Castro e, no topo, existe uma casa (só as paredes) que dadas as suas dimensões e características, creio ser de construção relativamente recente e cuja função seria a de apoiar os trabalhos agrícolas.
Lendas:
No extremo SE da “Cêrca”, os quartzofilitos formam altas paredes verticais mais ou menos planas e correspondentes a planos naturais de fracturas. Deste lado, o acesso à “Cêrca” torna-se, assim, impossível ou, pelo menos, muito difícil.
Estas paredes naturais, verticais, são conhecidas por”Fraga dos Mouros”.
- Aqui, nestas fragas, era vista uma moura a fiar com fios de ouro, desaparecendo rapidamente quando alguém tentava dela aproximar-se.
- Entre o alto da cêrca e estas superfícies rochosas haveria uma passagem subterrânea. Uma cabra, que entrou nela, lá no alto, veio sair na “Fraga dos Mouros”, mas sem pêlo.
- Por baixo da “Cêrca” existirá um enorme tesouro. Ninguém conseguiu, até hoje, alcançá-lo uma vez que, a guardá-lo, está uma moura encantada sob a forma de serpente.


2 – “Fraga das Passadas

Localização:
Próximo da margem esquerda do Rio Torto e a uma cota de cerca de 70 metros acima do seu leito. Está situada a N da “cêrca” e a uma distância aproximada, em linha recta, de 600 metros.

Coordenadas de Gauss:
267,9
511,3

Coordenadas geográficas:
Altitude: 320 metros
Longitude – 7º 19’ 10’’ W (Gr.)
Latitude: 41º 39’ 39’’ N
Folha da carta dos S.C. do E. Nº62 – Valpaços
Escala 1:25.000

Acesso:
Há dois acessos possíveis, relacionados com a variação do caudal do Rio Torto:

1.º - Em época de estiagem, caso em que o caudal do Rio Torto é reduzido, o acesso mais fácil faz-se através de um caminho, à direita da estrada do Crasto – Valpaços, logo a seguir ao desvio para a “cêrca” e em frente a uma casa recentemente construída. Daqui, a “Fraga das Passadas” é visível na encosta em frente e do outro lado do vale.
A travessia do Rio Torto é possível através das pedras de um “açude” ali construído com o fim, creio, de proporcionar o regadio dos campos de cultura vizinhos. Após a travessia do rio, são cerca de 10 minutos a pé, ultrapassando-se em primeiro lugar um esporão de rochas metamórficas e, a seguir, um pinhal.

2.º - Numa situação de aumento do caudal do Rio Torto segue-se em direcção a Valpaços até atravessar a ponte sobre este rio. Um caminho, à direita, conduz-nos até uns terrenos de cultura da margem esquerda. A partir daqui vai-se contornando a encosta até atingir a “Fraga das Passadas”.

Geologia:
A “Fraga das Passadas” ocupa o flanco sul de uma estrutura anticlinal e é formada por uma rocha metamórfica do tipo quartzofilito composta, fundamentalmente, por quartzo, moscovite e clorite.
Apresento, em seguida, o relatório da análise desta rocha efectuada pelo EXm.º Sr. Prof. Doutor Eurico Pereira, dos Serviços Geológicos de Portugal, S. Mamede de Infesta, a quem expresso os mesus sinceros agradecimentos.

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Cronologia dos trabalhos efectuados e descrição:
Quem, pela primeira vez, me deu algumas informações sobre a existência de “umas figuras” próximo da “cêrca” do Crasto e do outro lado do rio, foi o Sr. João Baptista Martins, ex-vereador do pelouro da cultura da Câmara Municipal de Chaves.
A razão de, na altura, eu desconhecer a existência deste monumento arqueológico de arte rupestre, deve-se ao facto do levantamento arqueológico estar a ser feito por freguesias e só, em 1993, ter iniciado as investigações na freguesia de Água Revés e Castro.
O primeiro contacto directo com esta estação de arte rupestre, ocorreu no dia 5 de Agosto de 1993, na companhia do estudante do Ensino Secundário, natural do Crasto, Armindo José Alvites Costa.
Nos dias 6, 8 e 9 de Setembro de 1993 procedemos ao corte do mato em volta da “Fraga das Passadas” e à limpeza do musgo e líquenes que cobriam quase toda a superfície gravada e tapavam completamente algumas figuras. A remoção dos líquenes foi tarefa delicada e morosa, uma vez que não podíamos utilizar qualquer material abrasivo (lítico ou de metal) para a concretização deste trabalho. Para o efeito, servimo-nos de delgados ramos verdes de giesta, água que tínhamos de levar em recipientes a partir do rio e vassourinhas.
Depois da limpeza de toda a área gravada procedemos ao levantamento das figuras utilizando, para o efeito alvaiado de zinco em água. O resultado deste levantamento está documentado nas fotografias que, a seguir, apresentamos.

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Estas fotografias constituem, apenas, uma amostragem insignificante das centenas de gravuras presentes.

No decurso do “I Congresso Internacional de Arqueologia”, que decorreu na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de 13 a 17 de Outubro de 1993, encontrei-me com o Prof. Doutor M. Farinha dos Santos, da Universidade Autónoma de Lisboa, a quem descrevi este monumento de arte rupestre, tendo-lhe enviado, alguns dias depois, um conjunto de fotografias.
Em resposta, recebo uma carta do Prof. Doutro M. Farinha dos Santos oferecendo-me a sua colaboração, bem como do seu assistente, Dr. José Manuel F. Rolão e alunos de Arqueologia daquela Universidade para o estudo e publicação da “Fraga das Passadas”.
Como resultado destes contactos realizámos, nos dias 8, 9 e 10 de Setembro de 1994, os primeiros trabalhos em conjunto com a ausência forçada, por motivos de saúde, do Prof. Farinha dos Santos. Do curso de Arqueologia estiveram presentes as alunas Cátia Sofia Cruz Simão e Anabela Taveira Escobar.
O levantamento completo das gravuras foi programado para Julho de 1995, tendo solicitado, em 6 de Maio de 1995, a respectiva autorização ao Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR).
A autorização por mim solicitada chegou no dia 19 de Julho de 1995. Como, porém, já tinha conhecimento de que tal autorização havia sido concedida, iniciámos os trabalhos no dia 12 de Julho, que se prolongaram até ao dia 15, inclusivé.
O grupo de trabalho era constituído por:

Adérito Medeiros Freitas (que solicitou a necessária autorização)
José Manuel M. Rolão (Prof. Da U.A.L.)
Rui Sousa Pinto (aluno da U.A.L.)
Alexandra Mota Ferreira (Idem)
Rute Ribeiro (Idem)
José Acácio Ildefonso (Idem).

A “Fraga das Passadas” é constituída por:

• Um “painel principal”, com as medidas máximas de 13,5 metros segundo E – W e 11 metros (segundo N – S). É neste painel principal, com inclinação para Sul, que se encontra a maior parte das gravuras.
• Um “outro painel mais pequeno”, deslocado do painel principal por processos naturais e dele separado através de um plano de fractura. Dista do painel maior 7,5 metros e mede 2,3 metros de comprimento, 1,2 metros de largura máxima e 25 a 30 cm de espessura.

Apenas neste segundo painel foi utilizado, para o levantamento das gravuras, um tratamento bicromático. Para toda a restante área da “Fraga das Passadas” procedeu-se ao levantamento em plástico, com o decalque de todas as gravuras.
Foram identificadas 502 gravuras. Os tipos morfológicos e os seus números constam do quadro seguinte:

Quadro resumo dos tipos de gravuras da “Fraga das Passadas

Do ponto de vista cronológico, o Prof. Doutor Farinha dos Santos e o Dr. José Rolão consideram que as mais antigas representações se devem situar numa fase intermédia / Final do Calcolítico.
O nome de “Fraga das Passadas” resultou, certamente, do elevado número de “podomorfos” presentes (76). Estes constituem o maior e melhor conjunto identificado em Portugal até ao momento.

En lo que se refiere a los podomorfos, su diversidad y quantidad merecen, por si solos, un trabajo individualizado. Adelantamos que se trata del mayor e mejor conjunto identificado en Portugal hasta el presente
ADÉRITO MEDEIROS FREITAS, M. F. DOS SANTOS, JOSÉ M. F. ROLÃO, Nota preliminar sobre a “Fraga das Passadas” (Valpaços – Portugal), Revista ZEPHYRUS, XLVII. 1994. EDICIONES UNIVERSIDAD DE SALAMANCA.

Os “Serpentiformes” aponta para a existência, neste local e no passado, do culto da serpente – “ofiolatria”.Vestígios deste culto foram por mim detectados em muitos outros locais do concelho de Valpaços.
Alguns “cruciformes” podem ter resultado da transformação de “serpentiformes” como resultado da substituição do culto pagão pelo culto cristão. Julgo pois que, cronologicamente, os “serpentiformes” devem ser anteriores aos “cruciformes”.

Mas também, já em pleno século XX, o Homem deixou vestígios da sua passagem por ali. No painel mais pequeno, deslocado, econtramos:

• uma data, 1941.
• um número, 316
• um nome perfeitamente legível, STA.ISABEL
• dois outros nomes ilegíveis, um dos quais pode ser Manuel.

A técnica utilizada na produção da maior parte das figuras foi a de picotagem por martelamento. Encontrei e recolhi, nas proximidades, fragmentos de quartzo (mineral abundante em filões da respectiva rocha) que julgo terem constituído, pela sua dureza, o material utilizado na gravação das figuras.

Lenda:
Sobre a “Fraga das Passadas”, teria passado, a cavalo, na sua burrinha, Nossa Senhora. Algumas gravuras são as marcas das ferraduras das patas da burrinha que, pela sua posição, indicam que a mesma passou por ali, descendo.
Esta lenda mostra bem que o significado religioso do lugar ainda se mantém nos nossos dias. Houve mesmo quem, no Crasto, lamentasse que, ali, ainda não tivesse sido construída uma capela.
A propósito da “Fraga das Passadas”, foi apresentado um “Poster” no 3.º Congreso de Arqueologia Peninsular, organizado pela ADECAP e UTAD, que decorreu em Vila Real de 21 a 26 de Setembro de 1999.

Documentos Epigráficos:
António rodrigues Colmenero
AQUAE FLAVIAE
I. Fontes Epigráficas
Publicação da Câmara Municipal de Chaves

 

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